sexta-feira, 26 de julho de 2013

Thomas Mann contra Hitler - a queda do Fascismo







Thomas Mann


Discursos contra Hitler


BBC


27 de julho de 1943

Ouvintes alemães!

 O fascismo italiano está morto. Faz tempo que ninguém dá nada por ele – lá na sua terra ele sempre foi apenas tolerado, mas quando fez sua aliança com Hitler e a guerra sórdida contra a França, quando rebaixou este país à condição de província nazista, quando o sangue italiano correu aos borbotões na Rússia, as derrotas vieram e o império foi para o inferno, então o desprezo da juventude, da intelectualidade e de todo o povo não teve mais limites. A invasão da Sicília e o bombardeio de Roma lhe deram o golpe final. O líder e seu bando estão na cadeia, também aquele senhor Scorza, o cabeça dos esquadristas (*) com a garrafa de óleo de rícino, um dos piores torturadores e criminosos, que, no último minuto, se tornou repentinamente lírico e prometeu aos ouvintes salvar a gloriosa e sagrada Itália, obra-prima de Deus – quando se tratava, na verdade, de salvar unicamente a sua própria pele.

Não demorará muito, alemães, e vocês também ouvirão essa cantilena” já escuto Goebbels e os seus falando sobre a eterna Alemanha com sua música, sua profundidade, seus lugares culturais sagrados, a eterna Alemanha pela qual todos vocês, membros do Partido ou não, logo, logo terão de se unir para salvar da pior crise de sua história. Só que ele não dirão a vocês que a única maneira de salvar sua terra é libertá-la de seus profanadores e destruidores. Esses canalhas do Estado que nada conheciam além de mentira, violência e crime, conduzindo assim seus países à beira do abismo, quando sua hora chega querem se esconder atrás do patriotismo natural dos povos, da tradição e das coisas sagradas, certamente dignas de defesa, mas que nada têm a ver com sua baixeza e que justamente através do seu domínio foram jogados na lama.


Alemães, o mundo tem esperança e reza para que vocês não sejam mais tolos que os italianos, cuja inteligência musical não suporta esses cantos de sereia desafinados, respondendo a eles com o grito ‘Alla porta!’. Esse é um povo político que percebe o momento em que um regime cada vez mais comprometido, que se tornou completamente inviável, deve ser jogado pela janela em vez de ser arrastado consigo até que tudo esteja perdido. Alemães, se vocês não acordarem para essa inteligente decisão política, se no último minuto vocês não tiverem coragem de se desembaraçar da corja que tanta vergonha causou a vocês e à humanidade, então tudo está perdido, a vida e a honra.


É chegada a hora da decisão. É muito pouco provável que a Itália continue a lutar ao lado da Alemanha de Hitler contra os povos livres. O povo já decidiu. Nas praças não se grita apenas ‘Abaixo o fascismo!’, mas também ‘Fora alemães!’ e ‘Paz!’. Se a Itália sair da guerra e se transformar em campo de operações dos Aliados, logo os déspotas de vocês terão perdido os Balcãs, a Turquia entrará para as Nações Unidas e, antes que vocês possam dar conta, a ‘Fortaleza Europa’ será apenas a ‘Fortaleza Alemanha’, cujas velhas cidades serão destruídas pelas bombas das esquadrilhas aliadas.


Ajam! Tomem consciência do que aconteceu! O fascismo foi destruído em sua terra natal. Acabou-se o domínio da careta queixuda, acabaram-se os excessos heroicos à Marinetti, as fanfarronices à d’Annunzio e todo o embuste do retrocesso que se porta como se fosse jovem e cheio de futuro. Assim, a ideologia nacional-socialista, essa variedade do fascismo, perderá o chão, ficará isolada e incapaz de prosseguir, incapaz de manter o povo alemão vivo e de guia-lo para o futuro. Vocês não se gabaram de ser um povo da vida, de serem conhecedores da força motriz da vida? O nacional-socialismo está tão morto quanto o fascismo. Ele será enterrado profundamente e também profundamente esquecido.” [pp. 145-147]


(*) Milícia fascista italiana comandada por Carlos Scorza. Nos últimos anos da guerra, Scorza foi secretário do Partido Nacional Fascista. Após o conflito, fugiu para a Argentina, voltando à Itália em 1969. Morreu em um povoado próximo de Florença em 1988. (N.T.)




Fonte: MANN, Thomas. Ouvintes alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945). (Deutsche hörer!) Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. 

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