Thomas
Mann
Discursos
contra Hitler
BBC
27
de julho de 1943
“Ouvintes
alemães!
O
fascismo italiano está morto. Faz tempo que ninguém dá nada por
ele – lá na sua terra ele sempre foi apenas tolerado, mas quando
fez sua aliança com Hitler e a guerra sórdida contra a França,
quando rebaixou este país à condição de província nazista,
quando o sangue italiano correu aos borbotões na Rússia, as
derrotas vieram e o império foi para o inferno, então o desprezo da
juventude, da intelectualidade e de todo o povo não teve mais
limites. A invasão da Sicília e o bombardeio de Roma lhe deram o
golpe final. O líder e seu bando estão na cadeia, também aquele
senhor Scorza, o cabeça dos esquadristas (*) com a garrafa de óleo
de rícino, um dos piores torturadores e criminosos, que, no último
minuto, se tornou repentinamente lírico e prometeu aos ouvintes
salvar a gloriosa e sagrada Itália, obra-prima de Deus – quando se
tratava, na verdade, de salvar unicamente a sua própria pele.
Não
demorará muito, alemães, e vocês também ouvirão essa cantilena”
já escuto Goebbels e os seus falando sobre a eterna Alemanha com sua
música, sua profundidade, seus lugares culturais sagrados, a eterna
Alemanha pela qual todos vocês, membros do Partido ou não, logo,
logo terão de se unir para salvar da pior crise de sua história. Só
que ele não dirão a vocês que a única maneira de salvar sua terra
é libertá-la de seus profanadores e destruidores. Esses canalhas do
Estado que nada conheciam além de mentira, violência e crime,
conduzindo assim seus países à beira do abismo, quando sua hora
chega querem se esconder atrás do patriotismo natural dos povos, da
tradição e das coisas sagradas, certamente dignas de defesa, mas
que nada têm a ver com sua baixeza e que justamente através do seu
domínio foram jogados na lama.
Alemães,
o mundo tem esperança e reza para que vocês não sejam mais tolos
que os italianos, cuja inteligência musical não suporta esses
cantos de sereia desafinados, respondendo a eles com o grito ‘Alla
porta!’. Esse é um povo político que percebe o momento em que um
regime cada vez mais comprometido, que se tornou completamente
inviável, deve ser jogado pela janela em vez de ser arrastado
consigo até que tudo esteja perdido. Alemães, se vocês não
acordarem para essa inteligente decisão política, se no último
minuto vocês não tiverem coragem de se desembaraçar da corja que
tanta vergonha causou a vocês e à humanidade, então tudo está
perdido, a vida e a honra.
É
chegada a hora da decisão. É muito pouco provável que a Itália
continue a lutar ao lado da Alemanha de Hitler contra os povos
livres. O povo já decidiu. Nas praças não se grita apenas ‘Abaixo
o fascismo!’, mas também ‘Fora alemães!’ e ‘Paz!’. Se a
Itália sair da guerra e se transformar em campo de operações dos
Aliados, logo os déspotas de vocês terão perdido os Balcãs, a
Turquia entrará para as Nações Unidas e, antes que vocês possam
dar conta, a ‘Fortaleza Europa’ será apenas a ‘Fortaleza
Alemanha’, cujas velhas cidades serão destruídas pelas bombas das
esquadrilhas aliadas.
Ajam!
Tomem consciência do que aconteceu! O fascismo foi destruído em sua
terra natal. Acabou-se o domínio da careta queixuda, acabaram-se os
excessos heroicos à Marinetti, as fanfarronices à d’Annunzio e
todo o embuste do retrocesso que se porta como se fosse jovem e cheio
de futuro. Assim, a ideologia nacional-socialista, essa variedade do
fascismo, perderá o chão, ficará isolada e incapaz de prosseguir,
incapaz de manter o povo alemão vivo e de guia-lo para o futuro.
Vocês não se gabaram de ser um povo da vida, de serem conhecedores
da força motriz da vida? O nacional-socialismo está tão morto
quanto o fascismo. Ele será enterrado profundamente e também
profundamente esquecido.” [pp. 145-147]
(*)
Milícia fascista italiana comandada por Carlos Scorza. Nos últimos
anos da guerra, Scorza foi secretário do Partido Nacional Fascista.
Após o conflito, fugiu para a Argentina, voltando à Itália em
1969. Morreu em um povoado próximo de Florença em 1988. (N.T.)
Fonte:
MANN, Thomas. Ouvintes
alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945).
(Deutsche
hörer!)
Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009.
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