quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Batalha de Stalingrado - combate nas ruínas da cidade




Batalha de Stalingrado - 1942

Combates nas ruínas da cidade


fonte: BEEVOR, Antony. Stalingrado. O Cerco Fatal. Trad. Alda Porto. Record, 2005.

Cap. 9A Cidade Fatídica

Os ataques russos nesse ponto [setembro 1942] talvez tenham sido espantosamente dispendiosos e incompetentes, mas não se podia ter a menor dúvida da ferrenha determinação soviética de defender Stalingrado a qualquer custo. []

Desde a queda de Rostov, qualquer meio de despertar a resistência tornara-se permissível. Uma imagem do Stalinskoe znamia, jornal da Frente de Stalingrado, mostrava em 8 de setembro uma moça assustada com os braços e pernas amarrados. 'E se sua amada for amarrada assim pelos fascistas?', perguntava a legenda. 'Primeiro eles vão estuprá-la insolentemente, depois atirá-la debaixo de um tanque. Avance, guerreiro. Atire no inimigo. O seu dever é impedir que o violador estupre a sua namorada.' Esse tipo de propagandaquase uma repetição do tema do poema 'Mate-o!', de Konstantin Simonovera sem a menor dúvida brutal, mas seu simbolismo refletia intimamente o clima da época. O poema 'Odeio', de Surkov, era igualmente feroz. A violação alemã da Pátria podia ser eliminada com vingança de sangue. [...](nota do autor:Não a a menor dúvida de que a propaganda de 'violação' no final do verão de 1942 contribuiu significativamente para o estupro em massa cometido pela Exército Vermelho em seu avanço dentro de território alemão em fins de 1944 e 1945.) (p. 151)

Na manhã seguinte (12 setembro), o general Chuikov recebeu uma convocação ao novo quartel-general, em Iami, do conselho militar conjunto para as Frentes de Stalingrado e Sudoeste. Ele levou o dia todo e parte da noite para atravessar o Volga e encontrar o local. O brilho dos prédios em chamas em Stalingrado era tão forte que, mesmo na margem oriental do largo rio, não houve a menor necessidade de acender os faróis do seu jipe do Lend-Lease [armamento norte-americano recebido pelos soviéticos].

Quando Chuikov acabou encontrando Ieremenko e Kruchov na manhã seguinte, eles relataram a situação. Os alemães estavam dispostos a tomar a cidade a qualquer preço. Não poderia haver rendição. Não havia nenhum lugar para onde se retirar. Chuikov fora proposto como o novo comandante de exército em Stalingrado.(pp. 153-54)

Naquele estágio, o 62º Exército reduzira-se a uns 20 mil homens. Haviam restado menos de sessenta tanques. Muitos serviam para ponto de fogo imóveis. Chuikov, contudo, tinha cerca de 700 morteiros e canhões, e quis que toda a artilharia mais pesada fosse retirada para a margem oriental. Sua principal preocupação era reduzir o efeito da esmagadora superioridade aérea da Luftwaffe. percebera a relutância das tropas alemãs em envolver-se em combate de muito perto, sobretudo nas horas de escuridão. Para extenuá-los, 'era necessário fazer todo alemão sentir que vivia sob a boca de uma arma russa'. (p. 155)

Embora os alemães fizessem progressos na periferia ocidental da cidade, capturando o pequeno campo de aviação e quartéis, as tentativas de castigar no saliente norte revelaram-se malsucedidas. O combate foi muito mais duro que o esperado. Muitos compreenderam em privado que bem poderiam vir a passar o inverno em Stalingrado.

(...)

A notícia do avanço da 71ª Divisão de Infantaria ao centro de Stalingrado, logo ao norte do Tsaritsa, foi aclamada com arrebatada exultação no quartel-general do Führer. A mesma informação chegou naquela noite ao Kremlin. Stalin discutia a possibilidade de um grande contragolpe estratégico em Stalingrado com Jukov e Vasilevski, quando Poskrebishev, chefe do seu secretariado, entrou para dizer que Ieremenko estava ao telefone. Após falar com ele, Stalin transmitiu a notícia aos dois generais.(p. 157)

A 295 ª Divisão de Infantaria alemã entrou combatendo até a encosta oposta do Mamaev Kurgan, contudo a ameaça mais imediata à sobrevivência de Stalingrado veio justamente pelo sul. 'As duas divisões [71ª e 76ª] conseguiram avançar', dizia um comunicado demasiado otimista, 'com um ataque em cunha, chegando à estação central ao meio-dia, e às 3:15h da tarde, após a apreensão da usina hidrelétrica, chegaram à margem do Volga!' Na verdade, a principal estação mudou de mãos três vezes em duas horas durante a manhã e foi retomada à tarde por um batalhão de fuzileiros do NKVD.(p. 158)


(...) Um batalhão do 42º Regimento da Guarda à esquerda juntou-se às tropas do NKVD e juntos rechaçaram o inimigo até a área em volta da estação principal. O 39º Regimento da Guarda à direita atacou em direção a uma grande fábrica de tijolos vermelhos (conservada furada de balas como memorial até hoje), que desimpediram num implacável corpo-a-corpo com o inimigo. Quando chegou a segunda leva, o regimento reforçado avançou pelo trilho ferroviário que percorria a base do Mamaev Kurgan.

A 13ª Divisão da Guarda de Fuzileiros sofreu 30 por cento de baixas nas primeiras vinte e quatro horas, mas a margem do rio fora salva. Os poucos sobreviventes (apenas 320 homens dos 10 mil originais continuavam vivos ao término da batalha de Stalingrado) juraram que sua determinação 'fluía de Rodimtsev'. Seguindo exemplo dele, também fizeram a promessaNão lugar para nós do outro lado do Volga.(pp. 162-63)

A estação principal, após mudar de mãos quinze vezes em cinco dias, terminou tendo os alemães como ocupantes das ruínas. Rodimtsev, de acordo com a política de Chuikov, ordenou que a linha da frente ficasse sempre a quinze metros dos alemães, para dificultar sua artilharia e a aviação. Os homens de sua divisão sentiam um orgulho especial pela pontaria certeira. 'Cada soldado da Guarda disparava como um franco-atirador com mira telescópica' e por isso 'obrigava os alemães a rastejar, não andar.'

Os soldados alemães, com olhos injetados de exaustão do intenso combate e pranteando mais camaradas do que jamais imaginaram, haviam perdido o estado de espírito triunfalista de apenas uma semana antes. Tudo parecia transtornadamente diferente. Acharam o fogo de artilharia numa cidade muito mais assustador. A própria explosão de granadas não era o único perigo. Sempre que um prédio alto era atingido, estilhaços de granada e caliça caíam em abundância de cima. O Landser [infantaria alemã] começara a perder a noção de tempo naquele mundo alienígena, com sua paisagem destruída de ruínas e escombros, mesmo a luz do meio-dia tinha um tom estranho, fantasmagórico, desprendido da constante cerração de poeira.(p. 169)

Uma renovada tentativa dos três exércitos soviéticos na frente norte para atacar o flanco esquerdo do Sexto Exército malogrou em 18 de setembro. O rápido deslocamento das tropas de esquadrões da Luftwaffe contra a ameaça, combinado com contra-ataques do XIV Corpo de panzers, acabou sendo muito mais eficaz na estepe descampada. Uma segunda tentativa fracassou no dia seguinte. Os três exércitos conseguiram apenas, a grande custo, poupar o 62º Exército de ataque da Luftwaffe por menos de dois dias(pp. 170-71)

Nas ruínas da cidade a Blitzkrieg torna-se Rattenkrieg

Para os exércitos alemão, romeno e russo no flanco sul, a batalha na estepe era em essência igual à Primeira Guerra Mundial, apenas com armas melhores e o ocasional aparecimento de aviões modernos. Para as formações blindadas nos dois flancos, as planícies estorricadas pelo sol, sobre as quais eles haviam atacado como navios de guerra a pleno vapor poucas semanas antes, agora lhes pareciam profundamente deprimentes. A ausência de árvores e montanhas fazia os alemães e austríacos sentirem saudades de casa. As chuvas da rasputitsa originavam condições miseráveis. []

Os combates na própria Stalingrado não poderia ter sido mais diferente. Representava uma nova forma de guerra, concentrada nas ruínas da vida civil. Os detritos de guerratanques destruídos pelo fogo, cápsulas de granadas, instalações elétricas de telégrafo e sinalização e caixas de granadasmisturavam-se com os destroços de casas de famíliacamas de ferro, abajures e utensílios domésticos. []

Os soldados da infantaria alemã detestavam lutar de casa em casa. Consideravam esse combate a tão próxima distância uns dos outros, que violava os limites e as dimensões militares convencionais, desorientador em termos psicológicos. Durante a última fase das batalhas de setembro, os dois lados haviam-se engalfinhado para ocupar uma grande depósito na margem do Volga, perto da boca do Tsaritsa, que tinha quatro andares voltados para o rio e três para a costa. []

Os generais alemães parecem não ter imaginado o que aguardava suas divisões na cidade em ruínas. Perderam as grandes vantagens da Blitzkrieg [guerra relâmpago] e foram em muitos aspectos lançados de volta ás técnicas da Primeira Guerra Mundial, embora seus teóricos militares houvessem afirmado que a guerra de trincheira fora 'uma aberração da arte marcial'. O Sexto Exército [comandado por Von Paulus], por exemplo, viu-se tendo de reagir às táticas soviéticas reinventando 'ataques em cunha', introduzidos em janeiro de 1918: grupos de tropas de assalto de dez homens armados com uma metralhadora, morteiros leves e lança-chamas para desobstruir casamatas, porões e esgotos.

À sua maneira, o combate em Stalingrado foi ainda mais apavorante do que o massacre impessoal em Verdun. O combate à queima-roupa nos prédios em ruínas, casamatas, porões e esgotos foi logo apelidado de 'Rattenkrieg' [guerra dos ratos] pelos soldados alemães. Proporcionava uma intimidade selvagem, estarrecedora para seus generais, que sentiam estar perdendo rapidamente o controle dos acontecimentos. [...](pp. 175-77)


fonte: BEEVOR, Antony. Stalingrado. O Cerco Fatal. Trad. Alda Porto. Record, 2005.


seleção / notas by LdeM



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