Relações
entre Papado e Nazismo
fonte:
CORNWELL, John. Papa de Hitler – A História Secreta de Pio XII
. (Hitler's Pope: the secret history of Pius XII. 1999) Trad.
A . B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000
Inquieto
com as acusações da conivência de Eugenio Pacelli, o Papa Pio XII,
com o regime hitlerista, o professor e jornalista britânico John
Cornwell solicitou aos Arquivos do Vaticano uma série de documentos
da época de atuação do secretário e depois Papa, Pacelli no
intuito de melhor averiguar as ações e negociações do líder
eclesiástico. O propósito de Cornwell, enquanto católico, segundo
se explica no Prefácio, era esclarecer os fatos e mostrar a face
real (e não preconceituosa) de Pacelli. Mas o estudioso viu num
'choque moral', pois
“o material que eu
recolhera, assumindo a mais ampla visão da vida de Pacelli, não
servia para inocentá-lo; em vez disso, consolidava as acusações.
Minha pesquisa, abrangendo a carreira de Pacelli desde o início do
século, contava a história de manobras sem precedentes para a
conquista do poder papal, que levaram a Igreja católica, em 1933, a
uma cumplicidade com as forças mais sinistras de nossa era. Além
disso, descobri evidências de que Pacelli num estágio inicial de
sua carreira, deixou transparecer uma inegável antipatia contra os
judeus; e de que sua diplomacia na Alemanha na década de 1930
resultara na traição das associações políticas católicas que
poderiam ter desafiado o regime de Hitler e impedido a Solução
Final. Eugenio Pacelli não foi nenhum monstro; seu caso é mais
complexo do que isso, mais trágico.” (p. 10)
Vejamos
mais trechos da obra polêmica de Cornwell, que contextualiza o
secretário ambicioso no seio do poder papal,
“Em 1933, [Eugênio]
Pacelli encontrou um acessível parceiro de negociação para sua
Concordata do Reich na pessoa de Adolf Hitler. O tratado firmado
pelos dois autorizava o papado a impor as novas leis canônicas aos
católicos alemães, além de conceder generosos privilégios ao
clero e às escolas católicas. Em troca, a Igreja católica na
Alemanha, seu partido político com representação parlamentar e
suas centenas de associações e jornais abstinham-se
'voluntariamente', seguindo a iniciativa de Pacelli, de qualquer ação
social e política. A renúncia à ação política pelo catolicismo
alemão em 1933, negociada e imposta pelo Vaticano por Pacelli, com a
concordância do papa Pio XI, permitiu que o nazismo pudesse se
elevar sem qualquer oposição da mais poderosa comunidade católica
do mundo. Foi o contrário do que ocorrera 60 anos antes, quando os
católicos alemães combateram e derrotaram as perseguições do
Kulturkampf de Bismarck. (ver info) Como o próprio Hitler
gabou-se numa reunião ministerial a 14 de julho de 1933, a garantia
de não-intervenção de Pacelli deixava o regime livre para resolver
a questão judaica. Segundo as atas da reunião, '[Hitler] expressou
a opinião de que só se podia considerar isso como uma grande
realização. A concordata proporcionava uma oportunidade à Alemanha
e criava uma área de confiança bastante significativa na luta em
desenvolvimento contra o judaísmo internacional'. A percepção do
endosso papal ao nazismo, na Alemanha e no exterior, ajudou a selar o
destino da Europa.” p. 18
O
trabalho de Pacelli nos bastidores do Vaticano foi no sentido de
unificar poder das lideranças católicas num aumento do poder papal,
com o decreto da Infalibilidade, em novo Código de Direito Canônico,
que concentrou o poder de modo absolutista, ao contrário do que
desejavam os democratas-cristãos (chamados de 'modernistas' por
tentarem conciliar catolicismo e democracia, e combatidos pelo Papa
Pio X, defensor da ortodoxia tradicionalista) favoráveis a uma
distribuição do poder entre os bispos de cada nação. Com a
atuação de Pacelli o absolutismo papal, hierárquico e
centralizado, onde os bispos eram nomeados, prevaleceu sobre a
democracia no catolicismo.
Pacelli,
enquanto secretário, enfrentou as questões religiosas e
anticlericalismo na França, articulou uma concordata com os
católicos sérvios (que muito desagradou aos líderes do Império
Austro-Húngaro). Sobre o acordo que provocou os ânimos de
sérvios e ira de austríacos (o que levou a Primeira Grande
Guerra em 1914) diz o autor Cornwell,
“O que fica patente desse
episódio é o impacto potencialmente negativo da diplomacia do
Vaticano nas relações culturais e políticas, seu poder de provocar
desânimo e insegurança, sua sua intenção de complicar ainda mais
e perturbar as crescentes tensões entre os países. A Santa Sé, é
mais do que foi evidente, não foi uma mera espectadora espiritual,
interessada exclusivamente no bem-estar dos católicos da Sérvia,
mas sim uma participante ativa no cenário internacional, com suas
próprias ambições e objetivos a longo prazo.” pp. 71-72
Trabalhando
na diplomacia do Vaticano, então com o titulo de Núncio Apostólico,
Pacelli se envolveu nas negociações do plano de paz durante a
Primeira Grande Guerra no contexto do Império Alemão em
decadência, tendo audiências com o próprio Kaiser Wilhelm
II. Com o sucesso da atuação na Alemanha, segundo Cornwell
(“Pacelli viajou incansável por toda a Alemanha durante os
últimos 12 meses de guerra, levando alimentos e roupas para os
famintos 'de todas as religiões', em nome da Santa Sé.” (p.
83), no contexto do colapso do Império e as tentativas de governos
comunistas (ver a República Soviética da Baviera, proclamada em
Munique), Pacelli recebeu aprovação do Vaticano, uma Nunciatura na
Prússia, durante a nova República de Weimar (erguida nas
cinzas do Reich) a subir na carreira, de concordata em
concordata, sendo Cardeal Secretário de Estado (em 1929) e
Camerlengo no pontificado de Pio XI (em 1935). Lembrar que, em 1929,
é assinado o Tratado de Latrão entre a Santa Sé e o governo
fascista italiano de Benito Musssolini.
Em
toda a sua carreira Pacelli mostrava suspeita (quando não
menosprezo) pelos judeus, ora ligados ao bolchevismo ora a usura
capitalista. Para o Núncio a atuação dos judeus era sempre no
sentido de destruir a 'civilização cristã', daí o apoio judaico à
bolchevização do mundo. (Era a mesma 'ambiguidade' dos nazistas ao
ligarem os judeus ora ao comunismo ora ao capitalismo, mas sempre na
condição de inimigos). Principalmente, Pacelli foi responsável
pela neutralização do Partido do Centro – democrata-cristão –,
em participação no governo junto com social-democratas, o que
mostra o quanto atuava independente do Vaticano.
“A aquiescência do povo
alemão diante do nazismo não pode ser compreendida em sua
totalidade sem se levar em consideração o longo caminho iniciado em
1920, para a Concordata do Reich, de 1933, o papel fundamental
de Pacelli e os motivos de Hitler para assiná-lo. As negociações
foram conduzidas exclusivamente por Pacelli, em nome do papa, por
cima das cabeças dos fiéis, do clero e dos bispos alemães. (quando
Hitler se tornou o parceiro de Pacelli nas negociações, a
concordata passou a ser o supremo ato de dois autoritários, enquanto
os supostos beneficiados saíam enfraquecidos e neutralizados.)” p.
98
e
“Treze anos depois [1933],
um homem, Adolf Hitler, haveria de se interpor entre Pacelli e seu
sonho de uma superconcordata, que imporia a plena força da lei
canônica a todos os católicos da Alemanha. Antecipando essa
negociação final, a principal condição imposta por Hitler em 1933
foi nada menos que o afastamento voluntário dos católicos alemães
da ação social e política como católicos, inclusive a dispersão
voluntária do Partido do Centro, que àquela altura era o único
partido democrático viável que ainda sobrevivia no país. Essa
abdicação do catolicismo político seria implementada pelo próprio
Pacelli (que já se tornara então cardeal-secretário de Estado no
Vaticano), usando os consideráveis poderes de persuasão à sua
disposição.” p. 99
Era clara a
preocupação de Hitler com a atuação política do catolicismo
alemão, “Adolf Hitler reconheceu logo num estágio inicial o
potencial para a resistência católica ao nacional-socialismo. Em
Mein Kampf, ele escreveu que uma confrontação com a Igreja
católica na Alemanha seria desastrosa. Durante seus dias de
vagabundo em Viena, recordou ele, ponderara sobre as consequências
inúteis da Kulturkampf e concluíra sobre a importância de
traçar uma distinção rigorosa entre o catolicismo político e o
catolicismo religioso. […] numa circular do partido [NSDAP]
distribuída em 1927, ele determinou que todas as declarações sobre
religião estavam proibidas por razões táticas.” (p. 121)
Pois
Hitler sabia que os ideais nazistas estavam em clamoroso contraste
com o cristianismo – contraste este que as igrejas cristãs só
perceberam mais tarde. Mitologia pagã, eugenia, guerra total,
extermínio de populações inteiras, como tudo isso poderia ser
realizado por um povo cristão? Muitos líderes cristãos resistiram
ao nazismo quando perceberam que este não era um 'refúgio' contra o
ateísmo bolchevique. (Os bolcheviques, desde o princípio, haviam se
declarado contra as religiões institucionalizadas, que alimentavam a
alienação das massas populares.) Mas Hitler pregava o amor ao
próximo e a tolerância? Ao contrário: proclamava guerra e
perseguição política e racial.
Em
outro momento continuaremos com esta exposição sobre as relações
entre o Papa Pio XII e o Führer, entre o poder papal e o
poder nazi-facista.
fonte:
CORNWELL, John. Papa de Hitler – A História Secreta de Pio XII
. (Hitler's Pope: the secret history of Pius XII. 1999) Trad.
A . B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000
seleção
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info
Tratado
de Latrão (1929)
a
concordata com os
nazistas
(atualmente
ainda válida)
sobre
a peça teatral “O Representante” ou
“O
Vigário” (Der Stellvertreter, 1963)
do
alemão Rolf Hochhuth (1931-)
filme
baseado na peça:
movie
“Amen” / 2002
sobre
a Kulturkampf na era de Bismarck
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