quinta-feira, 27 de junho de 2013

Discurso de Thomas Mann elogia a Rosa Branca



imagem: panfleto distribuído pelos jovens da Rosa Branca (Weisse Rose)



Thomas Mann


Discursos contra Hitler


BBC


27 de junho de 1943


Ouvintes alemães!


Nós, europeus, mesmo quando estamos a ponto de obter a cidadania no Novo Mundo, queremos nos sentir orgulhosos de nossa velha Europa. É um continente realmente admirável ! Seria muito mais fácil e confortável para seus povos conformar-se com a infame ‘Nova Ordem’ de Hitler, entregar-se à escravidão, colaborar com a ‘Alemanha dos nazis’, como agora é chamada. Mas isso eles não fizeram.


Os anos repletos do mais brutal terror, de martírio e execuções, não foram suficientes para quebrar sua resistência. Ao contrário, eles a tornaram ainda mais forte, e a ‘Europa unida para a defesa de seus bens sagrados contra a invasão dos estrangeiros’ é a mais miserável das mentiras nazistas. Os estrangeiros, contra os quais os bens sagrados deviam ser protegidos, são eles, os nazistas, e ninguém mais. Apenas uma parte pequena e corrupta da classe superior, uma corja de traidores para quem nada é mais sagrado que o dinheiro e as vantagens, trabalha com eles. Os povos se negam a isso, e quanto mais evidente se mostra a vitória dos Aliados, mais cresce sua revolta contra o que lhes parece insuportável.
Sete milhões de pessoas foram deportadas para campos de trabalhar forçados, cerca de um milhão foram executadas ou assassinados e 10 mil suportam o inferno dos campos de concentração. Isso de nada adianta – a luta desigual e heroica continua.


Sabem vocês, alemães, que foram mortos pelo menos 150 mil homens das tropas alemãs e italianas nos países ocupados? Sabem que pelo menos 250 quisling – é esse agora o substantivo coletivo para os nativos que colaboram com Hitler – foram mortos nos países da Europa? Através da sabotagem, a produção de guerra para o Eixo em muitas regiões foi reduzida em 30%. É esse o trabalho de organizações clandestinas que, anônimas, inglórias, dão a vida para ajudar na fuga de presos, na destruição de material de guerra e, através de publicações ilegais, na manutenção do espírito de resistência do povo – jornais cuja tiragem chega às vezes a 100 mil exemplares.
Por isso digo: honrados sejam os povos da Europa! E eu ainda acrescento algo que, nesse momento, pode soar estranho a muitos do que me ouvem: honrado seja o povo alemão, e digno de nossa compaixão! A teoria de que entre ele o nazismo não se pode estabelecer diferença, de que alemão e nacional-socialista são uma e a mesma coisa, é por vezes defendida nos países aliados com algum espírito; mas ela é insustentável e não consegue se impor. Muitos fatos falam contra isso: a Alemanha se defendeu e continua a se defender, tão bem quanto os outros. O que acontece clandestinamente agora nos países subjugados é mais ou menos uma repetição do que aconteceu na Alemanha há dez anos e utiliza em parte as experiências dos ilegais alemães.


Quem conhece o número daqueles que, no Estado de Himmler, pagaram seu idealismo, sua fé inabalável na justiça e na liberdade, com o martírio e a morte? Com a eclosão da guerra, havia na Alemanha 200 mil prisioneiros políticos, e na imprensa alemã crescia sem parar a publicação de sentenças de morte e penas de prisão por alta traição, sabotagem etc. – e esses são apenas os casos reconhecidos e aqueles que foram apanhados. Essa é a Alemanha que segue unida o seu líder!
Neste verão, o mundo se comoveu profundamente com os acontecimentos na Universidade de Munique, cujas notícias nos chegaram pelos jornais suíços e suecos, primeiro sem muita clareza, e logo com detalhes cada vez mais impactantes. Sabemos agora de Hans Scholl, o sobrevivente de Stalingrado, e de sua irmã, de Christoph Probst, do professor Huber e de todos os outros; da revolta dos estudantes na Páscoa contra o discurso obsceno de um Bonzo nazista no auditorium maximum, de seu martírio, dos folhetos que ele distribuíam e nos quais há palavras que reparam muito daquilo que em certos anos infelizes foi cometido nas universidades alemãs contra o espírito de liberdade alemão. É, foi aflitiva essa predisposição da juventude alemã – justamente da juventude – para a revolução mentirosa do nacional-socialismo. Agora seus olhos se abriram e por isso eles põem a cabeça jovem sobre o cepo do carrasco, para a glória da Alemanha – colocam-na aí depois de dizer na cara dos juízes nazistas: ‘Logo vocês estarão aqui, onde agora estou’, depois de testemunhar diante da morte: ‘Nasce uma nova fé na liberdade e na honra!’


Corajosa e magnífica juventude! Vocês não terão morrido à toa, não serão esquecidos. Os nazistas erigiram monumentos para arruaceiros imundos e criminosos comuns – a revolução alemã, a verdadeira, vai derrubá-los e eternizará em seu lugar o nome daqueles que, quando a noite ainda escurecia a Europa e a Alemanha, anunciaram: ‘Nasce uma nova fé na liberdade e na honra!’” [pp. 142-145]


Fonte: MANN, Thomas. Ouvintes alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945). (Deutsche hörer!) Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Invasão Aliada da Sicília - 1943 - preparativos









Invasão Aliada da Sicília
julho 1943

(Operação Husky)

Preparativos para o ataque ao continente europeu


No início de 1943, estava muito claro para os Aliados que não era viável tentar abrir uma segunda frente por meio de uma invasão da França ainda naquele ano. Mas, depois da derrota do Eixo no norte da África, surgiram as condições para tentar um ataque a partir do sul da Itália”


A situação no norte da África, no início de 1943, era clara. A evidente derrota do Eixo apresentava aos Aliados a possibilidade de atacar o sul da Itália a partir do continente africano, com as tropas ali disponíveis. Além de abrir uma segunda frente, ainda que limitada, seria possível fazer que, em meio à crescente pressão. Mussolini abandonasse o pacto do Eixo.

Uma vez tomada a decisão política de atacar a ilha da Sicília, os Aliados começaram a preparar aquela que se converteria na maior operação anfíbia da guerra. Seriam empregados dois Exércitos nessa invasão: o 7º Exército norte-americano, comandado por George Patton, e o 8º Exército britânico, liderado por Bernard Montgomery. No comando geral, responsável por toda a operação terrestre e no comando também do 15º Grupo de Exércitos, estava o general britânico Harold Alexander. Acima deste general, no comando máximo, estava o norte-americano Dwight Eisenhower, nomeado comandante em chefe aliado após uma brilhante carreira político-militar, e protegido pelo general George Marshall, chefe do Estado-Maior norte-americano. Após muitas discussões, prevaleceu o plano concebido por Montgomery.


Patton, o comandante do 7º Exército (cerca de 80 mil homens), teria a missão de atacar a ilha a partir do sul, enquanto os soldados britânicos do 8º Exército de Montgomery o fariam a partir do leste. O comando de todas as tropas terrestres, como já mencionado, estava a cargo de Alexander. Os norte-americanos desembarcariam em Scoglitti e Gela e deveriam capturar, em seguida, o pequeno porto de Licata e três aeródromos nas proximidades. Entre os dois exércitos, haveria uma frente de cerca de 120 quilômetros, e eles seriam apoiados pela 82ª Divisão Aerotransportada norte-americana, comandada por Matthew Ridgway. Os paraquedistas da 82ª Divisão pousariam vários quilômetros para o interior, a fim de proteger os flancos e evitar possíveis contra-ataques contra as cabeças de praia.” p. 35


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Enquanto isso, os defensores preparavam-se para a iminente invasão. Apesar das tentativas aliadas de despistar o inimigo e camuflar sua ação, suas intenções começavam a ficar evidentes e eles só podiam contar com a surpresa tática. No comando das forças do eixo na ilha estava o general italiano Alfredo Guzzoni, que contava com cerca de 180 mil soldados italianos e 40 mil alemães. Guzzoni enfrentava problemas realmente sérios, pois não possuía a força necessária para fender os quase mil quilômetros de costa da ilha. Mas o pior eram as desavenças existentes entre ele e Albert Kesselring, o comandante supremo no Mediterrâneo naquele momento, sobre a melhor maneira de defender a ilha.” p. 36b-37


fonte: Coleção 70º aniversário da 2ª guerra Mundial, v. 19. 1943 – Hora da Virada: Aliados desembarcam na Itália . Trad. Fernanda Teixeira Ribeiro e Mario Miguel Fernandez Escalera. São Paulo: Abril Coleções, 2009.




terça-feira, 18 de junho de 2013

Bombardeio aliado sobre a Alemanha - 1942 / 1943





Bombardeio aliado sobre a Alemanha

1942-43

A arma que permitiu a ofensiva aérea de britânicos e norte-americanos foi o bombardeiro pesado. Na Inglaterra, já se trabalhava nele desde 1924, e os modelos empregados foram quase todos concebidos ou produzidos nos anos 1930. A missão de bombardeiro pesado consiste em penetrar fundo na retaguarda inimiga. Seu peso, como característica, refere-se não somente à capacidade de carga, mas também à grande tancagem, que lhe permite cobrir extensos percursos de ida e de volta. Além disso, requer proteção blindada contra caças e fogo antiaéreo, bem como artilharia de bordo. No final da guerra, o peso máximo de decolagem dos dois melhores bombardeiros pesados, o B-17 norte-americano e o Lancaster britânico, era de 25 toneladas.

As desvantagens do peso se traduzem na velocidade reduzida, na baixa altitude de voo e na pequena flexibilidade de manobra. Quem constrói uma frota nesses moldes, imagina um cenário de guerra que lhe corresponda. Assim, concebe um poder ofensivo capaz de atingir a máxima profundidade possível em território inimigo, julga ser capaz de orientar-se nessas condições e conta com resistências menos eficazes. Bem entendido: voando durante o dia e enxergando seus objetivos, que, embora vistos, podiam não ser atingidos. Nada disso se confirmou, mas correspondia à visão utópica da guerra aérea, anterior ao conflito.

Pacifistas e militaristas incorriam no mesmo erro – o de que, conforme formulara o primeiro-ministro Baldwin, o bombardeiro resolvia a questão. Os Whitley, os Hampden e os Wellington, voando a trezentos ou quatrocentos quilômetros por hora, em uma altitude máxima de sete mil metros, e transportando pouco mais de uma tonelada, serviam, quando muito, a uma eventual dissuasão política, mas nunca ao propósito de fazer com que o adversário desistisse de uma ofensiva militar. Segundo a opinião vigente, compactas formações sobrevoariam o território inimigo, neutralizando sua aviação de caça por intermédio do apoio de fogo maciço e mútuo. [...]

O maior salto na construção de bombardeiros quadrimotores foi dado pelos Estados Unidos, uma potência banhada por dois oceanos e que se opunha veementemente ao bombardeiro de populações civis. Os Boeings B17 – Fortaleza Voadora e B24 – Liberator, bastiões repletos de armamento, eram capazes de atirar em todas as direções, e passaram a fazer, a partir de 1943, com suas assustadoras formações em blocos de três andares, o que os britânicos tinham evitado. O Liberator transportava 2,275 toneladas de carga e 12 tripulantes, sendo armado com dez metralhadoras calibre 12 milímetros.” pp. 30-31

A guerra das máquinas inaugurou nos céus uma nova arena, que reabriu o antigo duelo de homem para homem, a comparação de forças entre caçadores. Neste ponto, o primeiro passo era produzir uma aeronave que abolisse o defeito estrutural dos caças, ou seja, seu pequeno fôlego. Antes do Mustang, nenhum avião de combate tinha condições de transportar o combustível necessário a uma incursão profunda na retaguarda do Reich, o que implicava pouca mobilidade e sensibilidade ao combate aéreo. Até que, em junho de 1944, a Rolls-Royce-Merlin-Motor conseguiu fazer chegar a Berlim um caça semelhante aos alemães Messerschmitt Bf 109 G e Focke Wulf 190 A. [...]” p. 32

Os britânicos levaram mais de três anos – até o outono de 1943, época da Batalha de Berlim [agosto 1943] – para solucionar o problema elementar da guerra aérea, ou seja, o de conduzir os bombardeiros até a posição de tiro. Em 1940, concluiu-se que, durante o dia, o alvo era visível, mas o bombardeiro ficava exposto. No ano seguinte, constatou-se que o bombardeiro, à noite, raramente podia ser visto, mas também nada via. Nessa ocasião, dos quarenta ataques aéreos desferidos contra Hamburgo, vinte acabaram atingindo Lübeck e Kiel. Por serem portos fluviais próximos do litoral, essas três cidades constituíam, em toda a região, os melhores pontos de referência para a navegação. Se encontrar uma cidade já era uma questão de sorte, imagine-se achar um alvo em seu interior. Na melhor hipótese, a cidade era o próprio alvo. Ainda assim, a maioria das bombas caía em terreno aberto.” P. 33

Em janeiro de 1943, pouco antes da Batalha do Ruhr, o ministério responsável pela condução da economia de guerra editou o catálogo supramencionado [The Bomber’s Baedecker – o ‘Guia Baedecker’ dos bombardeiros] que continha o inventário completo de todas as cidades alemãs com mais de 15 mil habitantes. O alvo urbano era assinalado por um círculo com três milhas ou 4,8 quilômetros de raio, a menor unidade de medida utilizada pelo Comando de Bombardeiros, naquela época. As listagens incluíam, em todo o Reich, tudo o que era produzido, armazenado e transportado, tudo o que era povoado, arrebanhado, defendido e entrincheirado, tudo o que abrigava matéria-prima, conhecimento, tesouros artísticos e obras sacras.” p. 36

O vale do Ruhr, com suas cidades superpostas, é um alvo, por si só, mas Essen, tendo ao centro as fábricas da Krupp, exercia um fascínio à parte. Entre dezembro de 1941 e fevereiro de 1942, o Comando de Bombardeiros limitou suas ações a 43 ataques noturnos, pois aguardava os equipamentos GEE [tecnologia de radar]. Depois disso, durante quatro semanas e meia, nos meses de março e abril, 1.500 bombardeiros se lançaram sobre o Ruhr, com a missão de aniquilar Essen.” P. 39

No início de 1942, o Comando de Bombardeiros possuía menos de quatrocentas aeronaves, às quais se juntaram, em agosto de 1943, no início da Batalha de Berlim, outras 1.670. No segundo semestre de 1943,, os norte-americanos contribuíram, em julho, com 1.823 unidades prontas para o combate; no final do ano, foram mais 2.893. o cinturão [de radares defensivos] de Kammhuber não podia suportar tamanho impacto, ainda que envolvesse toda a Alemanha. No ano de 1943, os pilotos britânicos realizaram 36 mil sortidas noturnas, contra 12 mil diurnas dos norte-americanos. Nesse contexto, a aviação de caça alemã precisava de uma defesa mais flexível, baseada na competência e na esperteza dos seus pilotos. [...]” p. 45

[...] Nessa fase de livre atuação da caça, o comando de bombardeiros – pela segunda vez, desde maio de 1941 – e a VIII Força Aérea dos EUA já conheciam, de antemão, os resultados que suas armas alcançariam. Entre 1942 e 1944, os norte-americanos produziram 76.985 aeronaves; os britânicos fabricaram 26.263, em 1943, e 26.46, no ano seguinte. Todavia era impossível recriar centenas de milhares de novos tripulantes, instruindo-os de às pressas e enviando-os, despreparados, para o combate. Durante toda a guerra, o Comando de Bombardeiros empregou em voo 125 mil homens, dos quais perdeu 73.741, entre mortos, feridos e prisioneiros. Para o Comando de Bombardeiros, 1943 foi o pior de todos os anos, com 14 mil baixas. Segundo as estatísticas vigentes, esse número ultrapassava de muito os limites do aceitável.” p. 46

Os coeficientes de perdas referentes aos tripulantes aéreos foram muito superiores aos registrados entre as populações atingidas. Para um efetivo de 125 mil homens, o Comando de Bombardeiros sofreu 55 mil baixas, ou seja, 44 por cento. O número de mortos que gerou é incerto; os dados variam entre 420 mil e 570 mil. Tomando-se pela média, 1,5 por cento da população urbana foi dizimada.

A comparação, todavia, não faz sentido, haja vista que as tripulações foram mortas no combate contra forças militares oponentes – os caças e a artilharia antiaérea. Voluntária ou não, a tropa agiu segundo os costumes ditados pela guerra. Os habitantes locais lutaram pela própria sobrevivência, mas não combateram ninguém, pois não tinham vontade nem equipamento para tanto; além do mais, inexistia, até então, qualquer costume de guerra que lhes atribuísse o poder das armas.” p. 61

[Um ‘bombardeio moral’? desde 1941...] “A princípio, uma bomba não pode destruir o moral de ninguém. Ela destrói materiais diversos, pedras, estruturas e corpos. Um corpo destruído não possui mais moral. Contudo a morte de uns pode salvar o moral de outros; o segundo só se mantém até a chegada da primeira. Nesse contexto, o destino do próximo está nas mãos de cada um, a quem o matador concede o direito de escolha. O conceito de moral que vale é aquele ditado pelo senhor do processo, porém os britânicos ainda não davam a impressão de dominá-lo. Muito pelo contrário.

Durante o ataque às fontes de combustível, de fevereiro a março de 1941, os ingleses perderam, em voos noturnos, 26 aeronaves; em compensação, entre julho e novembro, na ofensiva contra os transportes, o prejuízo chegou a 414 tripulações. Isso equivalia ao recompletamento de todo o efetivo do Comando de Bombardeiros a cada oito meses, pelo menos. Toda perda é suportável enquanto gera algum dividendo. O Comando de Bombardeiros, no entanto, impunha, a si próprio, danos maiores do que os causados ao inimigo.” p. 79



Artilharia antiaérea


O mesmo acontecia em relação à artilharia antiaérea, que produzia menos danos do que os caças, mas infundia mais terror. O canhão-padrão, de 88 milímetros, lançava uma granada de oito quilos a 6,5 quilômetros de altura. Ao explodir a munição se fragmentava em 1.500 estilhaços dentados, que se espalhavam, com alta velocidade, em todas as direções. A dez metros do ponto de detonação, uma aeronave podia ser derrubada; a 180, seriamente avariada.
[...]

O espetáculo teatral proporcionado pela artilharia antiaérea impressionava tanto as cidades defendidas quanto as frotas de bombardeiros atacantes. Seus atores eram os holofotes e os canhões. Como sempre, a luz, em foco dirigido, era o mensageiro da morte. Em 1943, uma bateria completa reunia até setenta refletores e 160 canhões. O refletor-padrão, com um metro e meio de diâmetro, atingia a altitude de 13 quilômetros, com uma intensidade de 1,3 bilhão de candelas. Tal equipamento constituía, por si só, uma poderosa arma, haja vista que a aeronave, uma vez enquadrada, não conseguia mais realizar um lançamento preciso.” pp. 52-53


Mil aviões contra Colônia [Cologne/Köln]


No dia 30 [maio 1942], a decisão foi tomada, e a ordem de operações chegou: Colônia. A natureza s encarregara de sinalizá-la, às margens do Reno.
Partindo do norte, os bombardeiros voaram contra o vento, em direção ao sul. Cada duas aeronaves foram guiadas por um GEE. As tripulações mais bem adestradas na busca de alvos seguiram na frente, lançando artefatos luminosos. Para o bombardeio, foi estabelecido o incrível prazo de noventa minutos; a cada cinco segundos, um bombardeiro sobrevoava a cidade.

Lançadas em grande quantidade, as leves e pequenas bombas incendiárias produzem milhões de focos isolados, que se tornam embriões de incêndios, ainda que apenas um punhado delas se inflame. Se, além disso, a munição fragmentária impede que alguém os apague, o fogo logo torna conta de uma grande superfície.

Não foi exatamente assim. Doze mil focos isolados se uniram, formando 1.700 grandes incêndios. Todavia, a rede hidráulica permaneceu intacta. Cento e cinquenta bombeiros de Düsseldorf, Duisburg e Bonn vieram em socorro, instalando mangueiras entre os hidrantes e os corredores residenciais; tubos gigantescos mergulharam no Reno, sugando milhões de metros cúbicos de água, bombeados ao longo de quilômetros, com o auxílio de compressores, até as áreas atingidas. O que ocorrera em Lübeck [em 29 março 1942] não iria repetir-se. Colônia, uma cidade moderna, de ruas amplas, soube defender-se.

As baterias e projetores da artilharia antiaérea impuseram ao atacante 3,9 por cento de perdas, o maior coeficiente até então registrado, porém suportado com alívio. Tinha valido a pena. O ataque de mil bombardeiros significava uma enorme conquista no campo da tecnologia bélica, revelando a capacidade de uma força armada. Com isso, o Comando de Bombardeiros mostrava aos céticos que sua campanha era capaz de evoluir para uma guerra com características próprias. A Inglaterra logo passaria à condição de condutora da guerra, deixando de ser uma simples vítima com alta capacidade de absorção. É tempo de retirar as luvas, observou Churchill, comunicando ao Parlamento que, no decorrer daquele ano [1942], todas as cidades, os portos e os centros de produção bélica da Alemanha ‘seriam submetidos a uma prova de fogo em continuidade, potência e amplitude jamais experimentadas por qualquer outro país’.

Como traduzir, em palavras, o que daí resultou? As tripulações de bombardeiros informaram às usas bases que, no 55º minuto, sentiam-se como se estivessem sobre um vulcão em erupção. A imprensa nazista investiu contra ‘o bando de assassinos britânicos que fazem guerra contra pessoas indefesas’. Seriam bestas, e não mais seres humanos.

Pela manhã, enquanto uma causticante fumaça ainda cobria toda a cidade, queimando os olhos e penetrando as roupas, todos aqueles que, conforme relatou o Kölner Zeitung, também severamente atingido, ‘sobreviveram à noite e contemplaram a cidade, ao amanhecer, tiveram a plena consciência de que jamais haveriam de rever a sua antiga Colônia’. Três mil e trezentos prédios foram destruídos, e 9.500, danificados, o que não significava, para uma cidade de 772 mil habitantes, um grande prejuízo. Ao todo, foram necessários mais 262 ataques aéreos, para finalmente acabar com 95 por cento da velha cidade.

[...]

O ataque dos mil bombardeiros resultou em 480 mortos e cinco mil feridos, cuja grande maioria constituiu-se de pessoas que permaneceram fora dos porões existentes nos blocos residenciais, que ofereciam relativa proteção. Ainda que excedessem todos os limites das campanhas anteriores, esses números não satisfizeram os britânicos, que contavam com 6 mil mortos. Uma cifra de quatro dígitos seria bem mais adequada às dimensões da [operação] Millenium [uma frota de mil aeronaves, 6.500 aviadores, com 1.350 bombas de fragmentação, 460 mil incendiárias, ver p. 84].” pp. 84-86


Batalha do Ruhr


Eficácia, do ponto de vista militar, significava destruir uma cidade, com tudo aquilo que nela vivia, trabalhava ou era produzido. A Batalha do Ruhr [março a julho 1942], o projeto dos trezentos metros de precisão estabelecidos em [conferência de] Casablanca, causou a morte de 21 mil pessoas. as cidades incendiadas, Düsseldorf, Krefeld, Remscheid e Wuppertal, registraram, cada qual, milhares de óbitos. Após o último ataque da campanha, na noite de 30 para 31 de julho, 11 mil das 14 mil casas de Remscheid haviam sido destruídas ou danificadas; 273 aeronaves tinham aniquilado 83 por cento da superfície de uma cidade com 95 mil habitantes. Silenciadas pelas fitas de estanho, as guarnições da artilharia antiaérea viram, de longe, a cidade ser consumida pelas chamas. Ao soar o final do alerta, às 22h45, a multidão abandonou os porões, deparando-se com um panorama de ruínas no qual ainda não era possível avaliar o grau da destruição. O material combustível não concluíra a sua tarefa, e a cidade continuava envolta pelas chamas, uma hora e meia após a saída do Comando de Bombardeiros.

As notícias publicadas na imprensa britânica, como a manchete do Times de 23 de junho de 1943, ‘Bombardeiros noturnos dizimam Krefeld’, desmentiam as informações do governo sobre os objetivos bombardeados. A cidade teria sido alvo de cinco bombas de quatro toneladas por minuto, durante três quartos de hora, e a fumaça negra que a encobria teria quilômetros de extensão e até 4.500 metros de altura. No dia seguinte, os leitores já sabiam que a destruição não dizia respeito a alvos, mas sim a cidades.

No âmbito do Comando de Bombardeiros, os fatos eram tratados de forma nua e crua. No Immediate Assessment of Damage, o relatório de danos produzido logo após a análise das fotos, o balanço do ataque a Krefeld em 22 de junho de 1943 registrava 25 mil casas destruídas, 87 mil pessoas desabrigadas e 1.450 mortas, sendo 850 por bombas de fragmentação e seiscentas por bombas incendiárias. As baixas deviam-se, indiscutivelmente, ao sucesso da operação. Os cálculos eram exagerados, chegando a causar espanto, por suas dimensões. Naquela noite, Krefeld perdeu 1.056 habitantes, e o incêndio consumiu totalmente uma superfície de 3,75 quilômetros quadrados, reduzindo a cinzas 47 por cento da área construída. ” pp. 93-94


Fonte: FRIEDRICH, Jörg. O Incêndio. [Der Brand] Trad. Roberto Rodrigues. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.


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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Levante do Gueto de Varsóvia 1943






Holocausto


Levante do Gueto de Varsóvia

abril – maio 1943


“O levante do Gueto de Varsóvia não ficou sendo um ato isolado. Os guetos de Bialistok, Vilna, Luck, Cracovia, Czestechow e Bendzin, também foram palcos de levantes que terminaram com a aniquilação dos referidos guetos. Os judeus também se manifestaram de outras formas contra os nazistas, quando incendiaram, nas cidades de Dwinsk e Tukzin, os guetos, preferindo morrer entre as chamas, do que caírem vivos nas mãos dos carrascos nazistas.

Desses guetos houve, milagrosamente, sobreviventes que escaparam para contar os horrores vividos. Entretanto, em quantos outros guetos onde ocorreram levantes e ninguém se salvou, nunca se saberá.

Nos campos de concentração e extermínio também houve levantes: Treblinka (2 de agosto 1943), Sabibor (14 outubro, 1943), Auschwitz (7 outubro, 1944), e Manthausen (20 fevereiro, 1945). mas, o símbolo da Resistência e do heroísmo dos judeus ficará, para sempre na história: o levante do Gueto de Varsóvia.

Dos 500 mil judeus ali encarcerados, em 10 de novembro de 1940, sobreviveram somente 60 mil, na primavera de 1943. durante 29 meses morreram, de fome ou foram exterminados, em Treblinka, 440 mil.

Nas vésperas da Páscoa judaica, em 19 de abril de 1943, Himmler ordenou que acelerassem a liquidação do Gueto de Varsóvia. Os comandos alemães entraram, como de hábito, nesse dia, para levar mais um transporte a Treblinka. Desta vez, porém, tudo foi diferente: os alemães foram recebidos a bala e muitos tombaram mortos e feridos. A batalha desesperada começou.

Comandados por Mordechai Anielewicz (1919-1943), os judeus de todos os movimentos e organizações sionistas, reuniram-se para lutar.

Lutaram não por si, pois não tinham nenhuma possibilidade de vencer ou escapar. Sabiam disso. Mas, lutaram para preservar a sua dignidade e resguardar a moral do povo judeu.

Lutaram para demonstrar que o espírito de seus antepassados longínquos, quando viviam em sua própria Pátria, não estava morto.

Lutaram e com a sua luta despertaram o Leão de Jehuda, adormecido durante milênios, e o sangue dos Macabeus recomeçou a circular em suas veias.

Lutaram como leões. Com armas improvisadas ou obsoletas enfrentaram os tanques. Com facas enfrentavam as metralhadoras. Com barras de ferro os lança-chamas. Mas não se rendiam. Defendiam prédio por prédio. Transformavam cada pavimento num campo de batalha.

Os aviões da Luftwaffe despejavam bombas incendiárias e os tanques com lança-chamas transformavam o Gueto num mar de fogo. Mas eles não se rendiam...

Lutaram enquanto prédio por prédio era queimado. Entre o fogo, corriam de um para o outro pavimento e quando não tinham maus para onde ir pulavam morrendo esmagados nas calçadas, para não render-se aos seus inimigos.

Com o seu sangue escreveram a história.

Com a sua luta contribuíram para uma vida melhor de um povo, tanto dos sobreviventes na Europa, como daqueles que estavam longe das atrocidades. Deram o exemplo, com a sua coragem, o seu heroísmo, a sua morte …




[Heróis do Levante do Gueto]

Abram Szajdmil (1904-1943), um dos líderes do levante. Tombou em 22 de abril de 1943.

Michel Klepfisz (1913-1943) morto em 20-4-43

Jakub Prasskier, líder de uma unidade da Juventude Sionista que lutou no Gueto. Tombou em 1943.

Michel Rozenfeld (1916-1943) lutou no levante, um dos poucos que conseguiram escapar para lutar ao lado dos partizanos. Tombou nas florestas em agosto de 1943

Mordechai Anielewicz (1919-1943) – Líder, durante o levante do Gueto de Varsóvia. E 1939, preso pelos soviéticos, por organizar a emigração dos judeus à palestina. Após a sua libertação, em 1940, dirigiu-se para a parte da Polônia ocupada pelos alemães, a fim de organizar a resistência. Comandante supremo dos combatentes do Gueto de Varsóvia em 1942. morto durante o combate.





28 dias durou a luta no Gueto.

Um dia a mais do que a Polônia resistiu ao ser invadida.

Uma semana a menos do que, a Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França resistiram a 'blitz' nazista (10-5-1940 – 14-6-1940).

28 dias de luta sem prisioneiros; sem Convenção de Genebra, sem aliados.

Conforme o relatório do General Jurgen Stroop, comandante da SS, da Wehrmacht e blindados, incumbido de sufocar o Levante, os alemães tiveram 300 baixas, entre mortos e feridos.

Um número insignificante, comparando-se com 56.065 judeus mortos no Levante.

Em números, insignificante, mas em heroísmo, um prestígio extraordinário.

O Levante do Gueto de Varsóvia foi o primeiro Levante armado em toda a Europa ocupada. Outros levantes ocorreram, mas muito depois. Ocorreram quando as forças nazistas, batidas, estavam em retirada.

A revolta do Gueto de Varsóvia ocorreu no auge do poderio nazista e quem sabe que, se a mesma rebelião fosse feita, não pelos judeus, mas por outros povos escravizados, não se propagaria por outras nações subjugadas por Hitler?...

Quem sabe, se durante o Levante, os poloneses não tivessem ficado inertes e como simples espectadores, a história não tomaria outro rumo?



Uma centena de judeus escapou pelos esgotos e formou, nas florestas, grupos de guerrilheiros que continuaram lutando. Alguns tombaram, mas outros se salvaram e puderam contar, relatar a luta heroica, a luta solidária, desesperada, magnífica, de um punhado de rapazes e moças, autênticos de um povo, que nunca sonharam em ser heróis, mas tornaram-se heróis. Pelas suas qualidades extraordinárias, suas proezas, suas virtudes e coragem, ficarão na história, como um símbolo do sofrimento e holocausto do povo judaico.” pp. 101-107


fonte: ABRAHAM, Ben. Holocausto. São Paulo, WG Comunicações e Produções, 1976.



seleção: LdeM



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segunda-feira, 3 de junho de 2013

FEB - Força Expedicionária Brasileira - preâmbulos






Força Expedicionária Brasileira

1943-1945


O ano de 1943 marcou a reviravolta na Segunda Guerra Mundial, com as derrotas do Eixo, e a entrada de esforços brasileiros no conflito, com mobilização popular e a preparação de uma força expedicionária. Para mais detalhes destas reviravoltas veremos alguns trechos de uma obra escrita por uma testemunha presente aos acontecimentos históricos, um líder antifascista que trabalhou para mobilizar esforços contra a expansão do nazi-fascismo.



Fonte: FALCÃO, João. O Brasil e a 2ª Guerra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.


Capítulo IX - Mobilização econômica

Sério problema decorrente da entrada do Brasil na guerra foi a mobilização econômica, que não cabia nos quadros de uma administração pública primária e limitada, como era a do estado ditatorial existente. As questões de abastecimento e fornecimento de matérias-primas e manufaturadas aos aliados, principalmente aos Estados Unidos, o problema do transporte interno e para fora do país, além de tantos outros, levaram o presidente da República a criar a Comissão de Defesa Econômica, em outubro de 1942, entregando-a a um homem de sua inteira confiança, dublê de militar e diplomata, presidente do Conselho do Comércio Exterior, coronel João Alberto, que passou a ser ‘uma espécie de Tzar da Economia’, com poderes para regular a produção, a exportação, a importação, os transportes, a circulação de mercadorias, os preços e o racionamento.

Antes da criação desse órgão tão vital, foram tomadas medidas pelo governo em garantia de nossa autonomia e para ressarcimento dos danos a nós causados pelos inimigos. Em primeiro lugar, foram incorporados ao patrimônio nacional os navios do eixo surtos nos nossos portos: oito barcos italianos e oito da Dinamarca (país ocupado pela Alemanha). Acrescente-se à lista três barcos alemães e um finlandês.” (p. 129)


Capítulo X - Povo organiza-se para a guerra

O Brasil, afinal, iria engajar-se num conflito das proporções da Segunda Guerra Mundial. Todos os brasileiros teriam que dele participar. Além das convocações dos efetivos e dos reservistas das classes armadas, cabia, também, à população civil sua parcela no esforço de guerra.

As mulheres organizaram-se como enfermeiras, havendo vários cursos, coordenados pela Cruz Vermelha Brasileira, praticando em diferentes hospitais, ou então nos grupos denominados Defesa Passiva, que tratavam da defesa civil das cidades. Nas escolas primárias, as unidades de trabalho tinham por temas a guerra, o soldado, a defesa da pátria, etc. Foram organizadas as Hortas da Vitória, incutindo no espírito dos jovens o desejo de participar, de alguma forma, ajudando o abastecimento da população.

Nas ruas das principais cidades do país, viam-se, nas calçadas, pilhas enormes de objetos de metal, que poderiam ser aproveitados ou pela indústria ou pelas Forças Armadas. Eram as Pirâmides da Vitória. Em toda orla marítima, foi imposto o blecaute total, nas outras zonas das cidades as luzes foram diminuídas em intensidade. Nas casas, o consumo de energia foi restringido. Quem ultrapassasse a cota que lhe cabia teria a ligação elétrica cancelada. Em vários setores profissionais foram distribuídos questionários para que as pessoas informassem suas habilitações: conhecimento de idiomas estrangeiros, possuidor de automóveis, motocicletas ou bicicletas, assim como de máquinas de escrever, de costura e fotográfica.” (p. 135)

As organizações patrióticas cresceram extraordinariamente nos tumultuosos dias que antecederam e sucederam à declaração da guerra [22 de agosto de 1942]. Fortaleceram-se de tal modo, pela justeza de sua linha de união nacional e de ajuda ao esforço de guerra, que passaram, em determinado momento, a merecer a confiança do governo da Bahia e a dividir com ele as ações contra a quinta-coluna e de vigilância aos alemães e italianos. Com essa finalidade foi organizado um Comitê de vigilância, secreto, que articulava diretamente com a Secretaria de Segurança Pública, dela recebendo armas para a autodefesa de seus componentes. [...]

As primeiras prisões de súditos do Eixo foram efetuadas por agentes do movimento patriótico: universitários, profissionais liberais e pessoas que exerciam outras atividades. A certa altura, antes de terem sido cassadas as credenciais concedidas pela Polícia, ficamos temerosos quanto à violência e ao abuso de poder que começaram a ser cometidos conta familiares dos súditos do Eixo por elementos inescrupulosos que se envolveram em casos de extorsão e roubo de bens.

Os alemães presos foram levados para o Quartel da Guarda Civil, com sede na rua Carlos Gomes.

Em janeiro de 1943, essas prisões atingiram 156 indivíduos, dos quais 141 eram alemães, dez italianos, dois austríacos, um japonês, um húngaro e um alemão naturalizado brasileiro. [fonte : A ‘Bahia na II Guerra Mundial’ – artigo de Consuelo Novaes Sampaio, da Academia de Letras da Bahia, publicado no jornal A Tarde, Salvador, edição de 06/05/94.]” (p. 141)


O Brasil, a União Soviética e as Nações Unidas

Embora fosse evidente e inevitável a integração do brasil às Nações Unidas, na qualidade de país aliado dos Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, China e outros países, esse assunto era um tabu para o anticomunista governo brasileiro.

Quando, logo após a entrada do Brasil na guerra, chegaram de Washington sinais de que o governo soviético estaria interessado em uma reaproximação, o Catete insistiu em manter ‘uma atitude discreta e reservada’.

Havia, assim, limites à ação do Itamaraty, que foi obrigado, por exemplo, a instruir diplomatas no exterior, nesse período, a evitarem quaisquer ‘relações oficiais’ com colegas soviéticos. Mas Osvaldo Aranha, compreendendo que o Brasil acabaria sendo obrigado a entender-se com a Rússia, resolveu ir preparando o terreno. No início de novembro de 1942, enquanto se travava a gigantesca batalha de Stalingrado, enviou uma mensagem a Moscou na forma de uma mensagem à sucursal da TASS, agência noticiosa soviética nos estados Unidos, sobre o esforço de guerra da URSS :

Como V. sabe, divergimos profundamente da Rússia sobre todos os aspectos que fazem a união dos povos, a religião, a economia, a organização política e social. Mas, nesta hora não podemos ocultar a simpatia e a admiração que nos merece uma nação agredida, um governo com decisão e um povo em cuja capacidade de resistência repousa a nossa preparação para sobreviver.”

O DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda, criado em 1939] proibiu sua divulgação pela imprensa brasileira, mas a mensagem foi publicada no exterior.” (pp. 145-46)

Quando Roosevelt, em janeiro de 1943, encontrou-se com Vargas, em Natal, o presidente da nação norte-americana solicitou ao chefe do governo brasileiro a entrada de nosso país para a Nações Unidas. O Brasil aderiu à Carta do Atlântico e à Organização das Nações Unidas, em 9 de abril do mesmo ano, sendo este o ‘primeiro ato político do Estado Novo de reconhecimento dos valores permanentes da democracia e da liberdade, que posteriormente iria influir no destino do país’ [fonte: O globo expedicionário, Agência Globo Serviços de Imprensa Ltda., Rio de Janeiro, p. 66].” (pp. 149-150)

Mais no cap. XIV, Encontro de Getúlio e Roosevelt em Natal, em janeiro de 1943, “[no dia 28] voltaram ao [navio destroier] Humboldt para o jantar. Reunião íntima da qual participaram, além de Getúlio e Roosevelt, o embaixador Caffery e Harry Hopkins, assistente do presidente americano. Roosevelt contou a Vargas quais as resoluções tomadas em [Conferência de] Casablanca:

1º)Ofensiva no Mediterrâneo, começando por um ataque à Sicília no próximo verão europeu. Isto visava garantir as linhas de comunicação no Mediterrâneo, desviar a atenção alemã da frente russa e iniciar a campanha cujo objetivo era afastar a Itália da guerra.

2º)Congregar na Inglaterra a maior força possível para invadir o continente europeu através do Canal da Mancha, logo que a resistência alemã fosse enfraquecida.

3º)Continuar com a mais poderosa ofensiva aérea contra a Alemanha, visando à invasão daquele país.

4º)Intensificar a campanha anti-submarinas.

5º)Continuar a sustentar a União Soviética, enviando a maior quantidade possível de suprimento.

6º) Manter a campanha contra o Japão dentro de certos limites. Descarregar a maior ofensiva contra o Japão, logo que a Alemanha fosse vencida.

7º)Traçar planos para a recaptura de Burma [ou Birmânia] e para as operações contra as ilhas Carolinas e Marshall.

[...]

No final das conversações, foi expedido um comunicado conjunto que tranquilizasse seus povos, falando no sucesso das operações que se desenvolveram no Norte da África, o que eliminava a possibilidade de uma ameaça nazista partida de Dacar contra a liberdade das Américas.” (pp.170-171)

No Cap. XII – O Brasil quer ir aos campos de batalha – “Ao iniciar-se 1943, decorridos quatro meses da entrada do Brasil na guerra, apossou-se do movimento patriótico e antifascista uma insólita crença na vitória das Nações Unidas, ainda naquele ano. Quatro grandes temas dominavam as atenções do povo brasileiro: a abertura da segunda frente, o envio de um corpo expedicionário aos campos de batalha, a anistia e a vitória final.” (p. 159)

Mas o povo brasileiro vivia numa contradição, com um governo dividido entre liberais e socialistas contra direitistas e militaristas, no contexto de um poder autoritário centralizado na figura ‘paternal’ do ditador Vargas,

Vivendo grave e profunda contradição interna, entre duas correntes antagônicas, o governo vacilava, não adotava com rapidez as medidas inadiáveis para o esforço de guerra. Daí a necessidade de o povo voltar às ruas, para empurrar Getúlio Vargas em direção às forças que apoiavam os aliados, intensificando as demonstrações de massa para exigir o envio de tropas brasileiras à frente de batalha. Na verdade, o movimento patriótico e, particularmente, os comunistas estavam eufóricos e acreditavam numa próxima vitória. Seria, portanto, vergonhoso para o Brasil manter-se à margem, além de se tornar politicamente perigoso, pois poderíamos internamente perder a paz. A presença de tropas brasileiras nos campos de batalha era fundamental para assegurar-nos as conquistas democráticas decorrentes da derrota do nazi-fascismo.

Visando comemorar o primeiro aniversário do rompimento de relações com o eixo, no dia 28 de janeiro de 1943, foram organizadas as primeiras manifestações populares daquele ano, realizando-se no Rio de Janeiro grande mobilização popular.” (p. 173)

Com o histórico encontro de Natal e a estrondosa vitória dos russos em Stalingrado [em fevereiro de 1943], reacendeu-se a chama da esperança no coração dos antifascistas de todo o mundo. O movimento patriótico tomou novo impulso. Na Bahia, decidiu realizar dois grandes atos públicos, nos dias 2 e 19 de abril. Nessa última data aniversariava o presidente Vargas.” (p. 175)

Todos os segmentos sociais seriam mobilizados. Era preciso abalar as estruturas, sacudir o governo e libertá-lo das amarras do setor pró-fascista, que ainda detinha uma parcela significativa do poder e vinha travando o esforço de guerra.

A data do natalício de Vargas sempre fora comemorada, em todo o país, pelos áulicos do governo, mas nesse ano as forças antifascistas tomaram-na em suas mãos, para fazer dela uma extraordinária manifestação nacional em favor dos nossos aliados e do envio de um corpo expedicionário para marcar a presença do Brasil nos campos de batalha.” (p. 176)

A 1º de maio, foram realizadas em todo o país manifestações antifascistas, no Dia do Trabalho. com uma grande concentração na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, 100 mil pessoas prestaram significativa homenagem ao chefe da nação, que falou ao povo e foi muitas vezes ovacionado.” (p. 178)

No dia 11 de maio realizou-se em frente ao Teatro Municipal do rio um comício monstro contra a quinta-coluna, o integralismo e o nazi-fascismo. Organizações estudantis e sindicatos carregavam cartazes que exaltavam os líderes das Nações Unidas, e outros com os seguintes dizeres: ‘Abaixo o Integralismo’; ‘morte à Quinta-Coluna’ e ‘Enviemos uma força expedicionária’.” (p. 179)


Convocação de reservistas – Em janeiro de 1943, o Ministério da Guerra decretou a mobilização geral, convocando os reservistas das classes de 1919 a 1921. Os quartéis encheram-se, pelo Brasil afora, de jovens entre 21 e 23 anos de idade, de todas as camadas sociais, incluindo estudantes que desfilavam pelas ruas pedindo a guerra.” (p. 187)

Na verdade, nossas forças armadas não estavam preparadas para receber dezenas de milhares de convocados em suas fileiras e dar-lhes um destino adequado, preparando-os para a guerra moderna. Não havia vontade nem disposição para isso. Predominava nos altos escalões do Ministério da Guerra, chefiado por dois generais germanófilos, Eurico Dutra e Góis Monteiro, o espírito antialiado, isto é, fazer a guerra aqui mesmo, preparar a defesa do Brasil com armas americanas e jamais enviar tropas para lutar lá fora, ao lado das Nações Unidas, como o povo desejava e pedia nas praças públicas.

A convocação fora malfeita, sem critérios claros e definidos, sem um plano adredemente preparado. O tratamento aos convocados era, às vezes, hostil e insultuoso por grande parte de oficiais, sargentos e cabos.” (p. 188)



Continuaremos - na postagem de agosto – os detalhes do recrutamento e da preparação da força expedicionária, que seguiria no ano seguinte, 1944, para os campos de batalha na Europa, quando da ocupação da Itália por forças Aliadas combatendo os nazi-fascistas.



Fonte: FALCÃO, João. O Brasil e a 2ª Guerra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.




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