Força
Expedicionária Brasileira
1943-1945
O ano de 1943 marcou a reviravolta na
Segunda Guerra Mundial,
com as derrotas do Eixo, e a entrada de esforços brasileiros no
conflito, com mobilização popular e a preparação de uma força
expedicionária. Para mais detalhes destas reviravoltas veremos
alguns trechos de uma obra escrita por uma testemunha presente aos
acontecimentos históricos, um líder antifascista que trabalhou para
mobilizar esforços contra a expansão do nazi-fascismo.
Fonte:
FALCÃO, João. O
Brasil e a 2ª Guerra.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
Capítulo
IX - Mobilização econômica
“Sério problema decorrente
da entrada do Brasil na guerra foi a mobilização econômica, que
não cabia nos quadros de uma administração pública primária e
limitada, como era a do estado ditatorial existente. As questões de
abastecimento e fornecimento de matérias-primas e manufaturadas aos
aliados, principalmente aos Estados Unidos, o problema do transporte
interno e para fora do país, além de tantos outros, levaram o
presidente da República a criar a Comissão de Defesa Econômica, em
outubro de 1942, entregando-a a um homem de sua inteira confiança,
dublê de militar e diplomata, presidente do Conselho do Comércio
Exterior, coronel João Alberto, que passou a ser ‘uma espécie de
Tzar da Economia’, com poderes para regular a produção, a
exportação, a importação, os transportes, a circulação de
mercadorias, os preços e o racionamento.
Antes da criação desse órgão
tão vital, foram tomadas medidas pelo governo em garantia de nossa
autonomia e para ressarcimento dos danos a nós causados pelos
inimigos. Em primeiro lugar, foram incorporados ao patrimônio
nacional os navios do eixo surtos nos nossos portos: oito barcos
italianos e oito da Dinamarca (país ocupado pela Alemanha).
Acrescente-se à lista três barcos alemães e um finlandês.” (p.
129)
Capítulo
X - Povo organiza-se para a guerra
“O Brasil, afinal, iria
engajar-se num conflito das proporções da Segunda Guerra Mundial.
Todos os brasileiros teriam que dele participar. Além das
convocações dos efetivos e dos reservistas das classes armadas,
cabia, também, à população civil sua parcela no esforço de
guerra.
As mulheres organizaram-se
como enfermeiras, havendo vários cursos, coordenados pela Cruz
Vermelha Brasileira, praticando em diferentes hospitais, ou então
nos grupos denominados Defesa Passiva, que tratavam da defesa civil
das cidades. Nas escolas primárias, as unidades de trabalho tinham
por temas a guerra, o soldado, a defesa da pátria, etc. Foram
organizadas as Hortas da Vitória, incutindo no espírito dos jovens
o desejo de participar, de alguma forma, ajudando o abastecimento da
população.
Nas ruas das principais
cidades do país, viam-se, nas calçadas, pilhas enormes de objetos
de metal, que poderiam ser aproveitados ou pela indústria ou pelas
Forças Armadas. Eram as Pirâmides da Vitória. Em toda orla
marítima, foi imposto o blecaute total, nas outras zonas das cidades
as luzes foram diminuídas em intensidade. Nas casas, o consumo de
energia foi restringido. Quem ultrapassasse a cota que lhe cabia
teria a ligação elétrica cancelada. Em vários setores
profissionais foram distribuídos questionários para que as pessoas
informassem suas habilitações: conhecimento de idiomas
estrangeiros, possuidor de automóveis, motocicletas ou bicicletas,
assim como de máquinas de escrever, de costura e fotográfica.”
(p. 135)
“As organizações
patrióticas cresceram extraordinariamente nos tumultuosos dias que
antecederam e sucederam à declaração da guerra [22 de agosto de
1942]. Fortaleceram-se de tal modo, pela justeza de sua linha de
união nacional e de ajuda ao esforço de guerra, que passaram, em
determinado momento, a merecer a confiança do governo da Bahia e a
dividir com ele as ações contra a quinta-coluna e de vigilância
aos alemães e italianos. Com essa finalidade foi organizado um
Comitê de vigilância, secreto, que articulava diretamente com a
Secretaria de Segurança Pública, dela recebendo armas para a
autodefesa de seus componentes. [...]
As primeiras prisões de
súditos do Eixo foram efetuadas por agentes do movimento patriótico:
universitários, profissionais liberais e pessoas que exerciam outras
atividades. A certa altura, antes de terem sido cassadas as
credenciais concedidas pela Polícia, ficamos temerosos quanto à
violência e ao abuso de poder que começaram a ser cometidos conta
familiares dos súditos do Eixo por elementos inescrupulosos que se
envolveram em casos de extorsão e roubo de bens.
Os alemães presos foram
levados para o Quartel da Guarda Civil, com sede na rua Carlos Gomes.
Em janeiro de 1943, essas
prisões atingiram 156 indivíduos, dos quais 141 eram alemães, dez
italianos, dois austríacos, um japonês, um húngaro e um alemão
naturalizado brasileiro. [fonte : A ‘Bahia
na II Guerra Mundial’
– artigo de Consuelo Novaes Sampaio, da Academia de Letras da
Bahia, publicado no jornal A Tarde, Salvador, edição de 06/05/94.]”
(p. 141)
O
Brasil, a União Soviética e as Nações Unidas
“Embora fosse evidente e
inevitável a integração do brasil às Nações Unidas, na
qualidade de país aliado dos Estados Unidos, Inglaterra, Rússia,
China e outros países, esse assunto era um tabu para o anticomunista
governo brasileiro.
Quando, logo após a entrada
do Brasil na guerra, chegaram de Washington sinais de que o governo
soviético estaria interessado em uma reaproximação, o Catete
insistiu em manter ‘uma atitude discreta e reservada’.
Havia, assim, limites à ação
do Itamaraty, que foi obrigado, por exemplo, a instruir diplomatas no
exterior, nesse período, a evitarem quaisquer ‘relações
oficiais’ com colegas soviéticos. Mas Osvaldo Aranha,
compreendendo que o Brasil acabaria sendo obrigado a entender-se com
a Rússia, resolveu ir preparando o terreno. No início de novembro
de 1942, enquanto se travava a gigantesca batalha de Stalingrado,
enviou uma mensagem a Moscou na forma de uma mensagem à sucursal da
TASS, agência noticiosa soviética nos estados Unidos, sobre o
esforço de guerra da URSS :
Como V. sabe, divergimos profundamente da
Rússia sobre todos os aspectos que fazem a união dos povos, a
religião, a economia, a organização política e social. Mas, nesta
hora não podemos ocultar a simpatia e a admiração que nos merece
uma nação agredida, um governo com decisão e um povo em cuja
capacidade de resistência repousa a nossa preparação para
sobreviver.”
O DIP [Departamento
de Imprensa e Propaganda,
criado em 1939] proibiu sua divulgação pela imprensa brasileira,
mas a mensagem foi publicada no exterior.” (pp. 145-46)
“Quando Roosevelt, em
janeiro de 1943, encontrou-se com Vargas, em Natal, o presidente da
nação norte-americana solicitou ao chefe do governo brasileiro a
entrada de nosso país para a Nações Unidas. O Brasil aderiu à
Carta do Atlântico e à Organização das Nações Unidas, em 9 de
abril do mesmo ano, sendo este o ‘primeiro ato político do Estado
Novo de reconhecimento dos valores permanentes da democracia e da
liberdade, que posteriormente iria influir no destino do país’
[fonte: O
globo expedicionário,
Agência Globo Serviços de Imprensa Ltda., Rio de Janeiro, p. 66].”
(pp. 149-150)
Mais no cap. XIV, Encontro
de Getúlio e Roosevelt em Natal,
em janeiro de 1943, “[no dia 28] voltaram ao [navio destroier]
Humboldt
para o jantar. Reunião íntima da qual participaram, além de
Getúlio e Roosevelt, o embaixador Caffery e Harry Hopkins,
assistente do presidente americano. Roosevelt contou a Vargas quais
as resoluções tomadas em [Conferência de] Casablanca:
1º)Ofensiva
no Mediterrâneo, começando por um ataque à Sicília no próximo
verão europeu. Isto visava garantir as linhas de comunicação no
Mediterrâneo, desviar a atenção alemã da frente russa e iniciar a
campanha cujo objetivo era afastar a Itália da guerra.
2º)Congregar
na Inglaterra a maior força possível para invadir o continente
europeu através do Canal da Mancha, logo que a resistência alemã
fosse enfraquecida.
3º)Continuar
com a mais poderosa ofensiva aérea contra a Alemanha, visando à
invasão daquele país.
4º)Intensificar
a campanha anti-submarinas.
5º)Continuar
a sustentar a União Soviética, enviando a maior quantidade possível
de suprimento.
6º)
Manter a campanha contra o Japão dentro de certos limites.
Descarregar a maior ofensiva contra o Japão, logo que a Alemanha
fosse vencida.
7º)Traçar
planos para a recaptura de Burma [ou Birmânia] e para as operações
contra as ilhas Carolinas e Marshall.
[...]
No final das conversações,
foi expedido um comunicado conjunto que tranquilizasse seus povos,
falando no sucesso das operações que se desenvolveram no Norte da
África, o que eliminava a possibilidade de uma ameaça nazista
partida de Dacar contra a liberdade das Américas.” (pp.170-171)
No Cap. XII – O
Brasil quer ir aos campos de batalha
– “Ao iniciar-se 1943, decorridos quatro meses da entrada do
Brasil na guerra, apossou-se do movimento patriótico e antifascista
uma insólita crença na vitória das Nações Unidas, ainda naquele
ano. Quatro grandes temas dominavam as atenções do povo brasileiro:
a abertura da segunda frente, o envio de um corpo expedicionário aos
campos de batalha, a anistia e a vitória final.” (p. 159)
Mas o povo brasileiro vivia
numa contradição, com um governo dividido entre liberais e
socialistas contra direitistas e militaristas, no contexto de um
poder autoritário centralizado na figura ‘paternal’ do ditador
Vargas,
“Vivendo grave e profunda
contradição interna, entre duas correntes antagônicas, o governo
vacilava, não adotava com rapidez as medidas inadiáveis para o
esforço de guerra. Daí a necessidade de o povo voltar às ruas,
para empurrar Getúlio Vargas em direção às forças que apoiavam
os aliados, intensificando as demonstrações de massa para exigir o
envio de tropas brasileiras à frente de batalha. Na verdade, o
movimento patriótico e, particularmente, os comunistas estavam
eufóricos e acreditavam numa próxima vitória. Seria, portanto,
vergonhoso para o Brasil manter-se à margem, além de se tornar
politicamente perigoso, pois poderíamos internamente perder a paz. A
presença de tropas brasileiras nos campos de batalha era fundamental
para assegurar-nos as conquistas democráticas decorrentes da derrota
do nazi-fascismo.
Visando comemorar o primeiro
aniversário do rompimento de relações com o eixo, no dia 28 de
janeiro de 1943, foram organizadas as primeiras manifestações
populares daquele ano, realizando-se no Rio de Janeiro grande
mobilização popular.” (p. 173)
“Com o histórico encontro
de Natal e a estrondosa vitória dos russos em Stalingrado [em
fevereiro de 1943], reacendeu-se a chama da esperança no coração
dos antifascistas de todo o mundo. O movimento patriótico tomou novo
impulso. Na Bahia, decidiu realizar dois grandes atos públicos, nos
dias 2 e 19 de abril. Nessa última data aniversariava o presidente
Vargas.” (p. 175)
“Todos os segmentos sociais
seriam mobilizados. Era preciso abalar as estruturas, sacudir o
governo e libertá-lo das amarras do setor pró-fascista, que ainda
detinha uma parcela significativa do poder e vinha travando o esforço
de guerra.
A data do natalício de
Vargas sempre fora comemorada, em todo o país, pelos áulicos do
governo, mas nesse ano as forças antifascistas tomaram-na em suas
mãos, para fazer dela uma extraordinária manifestação nacional em
favor dos nossos aliados e do envio de um corpo expedicionário para
marcar a presença do Brasil nos campos de batalha.” (p. 176)
“A 1º de maio, foram
realizadas em todo o país manifestações antifascistas, no Dia do
Trabalho. com uma grande concentração na Esplanada do Castelo, no
Rio de Janeiro, 100 mil pessoas prestaram significativa homenagem ao
chefe da nação, que falou ao povo e foi muitas vezes ovacionado.”
(p. 178)
“No dia 11 de maio
realizou-se em frente ao Teatro Municipal do rio um comício monstro
contra a quinta-coluna, o integralismo e o nazi-fascismo.
Organizações estudantis e sindicatos carregavam cartazes que
exaltavam os líderes das Nações Unidas, e outros com os seguintes
dizeres: ‘Abaixo o Integralismo’; ‘morte à Quinta-Coluna’ e
‘Enviemos uma força expedicionária’.” (p. 179)
“Convocação de
reservistas
– Em janeiro de 1943, o Ministério da Guerra decretou a
mobilização geral, convocando os reservistas das classes de 1919 a
1921. Os quartéis encheram-se, pelo Brasil afora, de jovens entre 21
e 23 anos de idade, de todas as camadas sociais, incluindo estudantes
que desfilavam pelas ruas pedindo a guerra.” (p. 187)
“Na verdade, nossas forças
armadas não estavam preparadas para receber dezenas de milhares de
convocados em suas fileiras e dar-lhes um destino adequado,
preparando-os para a guerra moderna. Não havia vontade nem
disposição para isso. Predominava nos altos escalões do Ministério
da Guerra, chefiado por dois generais germanófilos, Eurico Dutra e
Góis Monteiro, o espírito antialiado, isto é, fazer a guerra aqui
mesmo, preparar a defesa do Brasil com armas americanas e jamais
enviar tropas para lutar lá fora, ao lado das Nações Unidas, como
o povo desejava e pedia nas praças públicas.
A convocação fora malfeita,
sem critérios claros e definidos, sem um plano adredemente
preparado. O tratamento aos convocados era, às vezes, hostil e
insultuoso por grande parte de oficiais, sargentos e cabos.” (p.
188)
Continuaremos - na postagem de
agosto – os detalhes do recrutamento e da preparação da força
expedicionária, que seguiria no ano seguinte, 1944, para os campos
de batalha na Europa, quando da ocupação da Itália por forças
Aliadas combatendo os nazi-fascistas.
Fonte:
FALCÃO, João. O
Brasil e a 2ª Guerra.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
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