terça-feira, 18 de junho de 2013

Bombardeio aliado sobre a Alemanha - 1942 / 1943





Bombardeio aliado sobre a Alemanha

1942-43

A arma que permitiu a ofensiva aérea de britânicos e norte-americanos foi o bombardeiro pesado. Na Inglaterra, já se trabalhava nele desde 1924, e os modelos empregados foram quase todos concebidos ou produzidos nos anos 1930. A missão de bombardeiro pesado consiste em penetrar fundo na retaguarda inimiga. Seu peso, como característica, refere-se não somente à capacidade de carga, mas também à grande tancagem, que lhe permite cobrir extensos percursos de ida e de volta. Além disso, requer proteção blindada contra caças e fogo antiaéreo, bem como artilharia de bordo. No final da guerra, o peso máximo de decolagem dos dois melhores bombardeiros pesados, o B-17 norte-americano e o Lancaster britânico, era de 25 toneladas.

As desvantagens do peso se traduzem na velocidade reduzida, na baixa altitude de voo e na pequena flexibilidade de manobra. Quem constrói uma frota nesses moldes, imagina um cenário de guerra que lhe corresponda. Assim, concebe um poder ofensivo capaz de atingir a máxima profundidade possível em território inimigo, julga ser capaz de orientar-se nessas condições e conta com resistências menos eficazes. Bem entendido: voando durante o dia e enxergando seus objetivos, que, embora vistos, podiam não ser atingidos. Nada disso se confirmou, mas correspondia à visão utópica da guerra aérea, anterior ao conflito.

Pacifistas e militaristas incorriam no mesmo erro – o de que, conforme formulara o primeiro-ministro Baldwin, o bombardeiro resolvia a questão. Os Whitley, os Hampden e os Wellington, voando a trezentos ou quatrocentos quilômetros por hora, em uma altitude máxima de sete mil metros, e transportando pouco mais de uma tonelada, serviam, quando muito, a uma eventual dissuasão política, mas nunca ao propósito de fazer com que o adversário desistisse de uma ofensiva militar. Segundo a opinião vigente, compactas formações sobrevoariam o território inimigo, neutralizando sua aviação de caça por intermédio do apoio de fogo maciço e mútuo. [...]

O maior salto na construção de bombardeiros quadrimotores foi dado pelos Estados Unidos, uma potência banhada por dois oceanos e que se opunha veementemente ao bombardeiro de populações civis. Os Boeings B17 – Fortaleza Voadora e B24 – Liberator, bastiões repletos de armamento, eram capazes de atirar em todas as direções, e passaram a fazer, a partir de 1943, com suas assustadoras formações em blocos de três andares, o que os britânicos tinham evitado. O Liberator transportava 2,275 toneladas de carga e 12 tripulantes, sendo armado com dez metralhadoras calibre 12 milímetros.” pp. 30-31

A guerra das máquinas inaugurou nos céus uma nova arena, que reabriu o antigo duelo de homem para homem, a comparação de forças entre caçadores. Neste ponto, o primeiro passo era produzir uma aeronave que abolisse o defeito estrutural dos caças, ou seja, seu pequeno fôlego. Antes do Mustang, nenhum avião de combate tinha condições de transportar o combustível necessário a uma incursão profunda na retaguarda do Reich, o que implicava pouca mobilidade e sensibilidade ao combate aéreo. Até que, em junho de 1944, a Rolls-Royce-Merlin-Motor conseguiu fazer chegar a Berlim um caça semelhante aos alemães Messerschmitt Bf 109 G e Focke Wulf 190 A. [...]” p. 32

Os britânicos levaram mais de três anos – até o outono de 1943, época da Batalha de Berlim [agosto 1943] – para solucionar o problema elementar da guerra aérea, ou seja, o de conduzir os bombardeiros até a posição de tiro. Em 1940, concluiu-se que, durante o dia, o alvo era visível, mas o bombardeiro ficava exposto. No ano seguinte, constatou-se que o bombardeiro, à noite, raramente podia ser visto, mas também nada via. Nessa ocasião, dos quarenta ataques aéreos desferidos contra Hamburgo, vinte acabaram atingindo Lübeck e Kiel. Por serem portos fluviais próximos do litoral, essas três cidades constituíam, em toda a região, os melhores pontos de referência para a navegação. Se encontrar uma cidade já era uma questão de sorte, imagine-se achar um alvo em seu interior. Na melhor hipótese, a cidade era o próprio alvo. Ainda assim, a maioria das bombas caía em terreno aberto.” P. 33

Em janeiro de 1943, pouco antes da Batalha do Ruhr, o ministério responsável pela condução da economia de guerra editou o catálogo supramencionado [The Bomber’s Baedecker – o ‘Guia Baedecker’ dos bombardeiros] que continha o inventário completo de todas as cidades alemãs com mais de 15 mil habitantes. O alvo urbano era assinalado por um círculo com três milhas ou 4,8 quilômetros de raio, a menor unidade de medida utilizada pelo Comando de Bombardeiros, naquela época. As listagens incluíam, em todo o Reich, tudo o que era produzido, armazenado e transportado, tudo o que era povoado, arrebanhado, defendido e entrincheirado, tudo o que abrigava matéria-prima, conhecimento, tesouros artísticos e obras sacras.” p. 36

O vale do Ruhr, com suas cidades superpostas, é um alvo, por si só, mas Essen, tendo ao centro as fábricas da Krupp, exercia um fascínio à parte. Entre dezembro de 1941 e fevereiro de 1942, o Comando de Bombardeiros limitou suas ações a 43 ataques noturnos, pois aguardava os equipamentos GEE [tecnologia de radar]. Depois disso, durante quatro semanas e meia, nos meses de março e abril, 1.500 bombardeiros se lançaram sobre o Ruhr, com a missão de aniquilar Essen.” P. 39

No início de 1942, o Comando de Bombardeiros possuía menos de quatrocentas aeronaves, às quais se juntaram, em agosto de 1943, no início da Batalha de Berlim, outras 1.670. No segundo semestre de 1943,, os norte-americanos contribuíram, em julho, com 1.823 unidades prontas para o combate; no final do ano, foram mais 2.893. o cinturão [de radares defensivos] de Kammhuber não podia suportar tamanho impacto, ainda que envolvesse toda a Alemanha. No ano de 1943, os pilotos britânicos realizaram 36 mil sortidas noturnas, contra 12 mil diurnas dos norte-americanos. Nesse contexto, a aviação de caça alemã precisava de uma defesa mais flexível, baseada na competência e na esperteza dos seus pilotos. [...]” p. 45

[...] Nessa fase de livre atuação da caça, o comando de bombardeiros – pela segunda vez, desde maio de 1941 – e a VIII Força Aérea dos EUA já conheciam, de antemão, os resultados que suas armas alcançariam. Entre 1942 e 1944, os norte-americanos produziram 76.985 aeronaves; os britânicos fabricaram 26.263, em 1943, e 26.46, no ano seguinte. Todavia era impossível recriar centenas de milhares de novos tripulantes, instruindo-os de às pressas e enviando-os, despreparados, para o combate. Durante toda a guerra, o Comando de Bombardeiros empregou em voo 125 mil homens, dos quais perdeu 73.741, entre mortos, feridos e prisioneiros. Para o Comando de Bombardeiros, 1943 foi o pior de todos os anos, com 14 mil baixas. Segundo as estatísticas vigentes, esse número ultrapassava de muito os limites do aceitável.” p. 46

Os coeficientes de perdas referentes aos tripulantes aéreos foram muito superiores aos registrados entre as populações atingidas. Para um efetivo de 125 mil homens, o Comando de Bombardeiros sofreu 55 mil baixas, ou seja, 44 por cento. O número de mortos que gerou é incerto; os dados variam entre 420 mil e 570 mil. Tomando-se pela média, 1,5 por cento da população urbana foi dizimada.

A comparação, todavia, não faz sentido, haja vista que as tripulações foram mortas no combate contra forças militares oponentes – os caças e a artilharia antiaérea. Voluntária ou não, a tropa agiu segundo os costumes ditados pela guerra. Os habitantes locais lutaram pela própria sobrevivência, mas não combateram ninguém, pois não tinham vontade nem equipamento para tanto; além do mais, inexistia, até então, qualquer costume de guerra que lhes atribuísse o poder das armas.” p. 61

[Um ‘bombardeio moral’? desde 1941...] “A princípio, uma bomba não pode destruir o moral de ninguém. Ela destrói materiais diversos, pedras, estruturas e corpos. Um corpo destruído não possui mais moral. Contudo a morte de uns pode salvar o moral de outros; o segundo só se mantém até a chegada da primeira. Nesse contexto, o destino do próximo está nas mãos de cada um, a quem o matador concede o direito de escolha. O conceito de moral que vale é aquele ditado pelo senhor do processo, porém os britânicos ainda não davam a impressão de dominá-lo. Muito pelo contrário.

Durante o ataque às fontes de combustível, de fevereiro a março de 1941, os ingleses perderam, em voos noturnos, 26 aeronaves; em compensação, entre julho e novembro, na ofensiva contra os transportes, o prejuízo chegou a 414 tripulações. Isso equivalia ao recompletamento de todo o efetivo do Comando de Bombardeiros a cada oito meses, pelo menos. Toda perda é suportável enquanto gera algum dividendo. O Comando de Bombardeiros, no entanto, impunha, a si próprio, danos maiores do que os causados ao inimigo.” p. 79



Artilharia antiaérea


O mesmo acontecia em relação à artilharia antiaérea, que produzia menos danos do que os caças, mas infundia mais terror. O canhão-padrão, de 88 milímetros, lançava uma granada de oito quilos a 6,5 quilômetros de altura. Ao explodir a munição se fragmentava em 1.500 estilhaços dentados, que se espalhavam, com alta velocidade, em todas as direções. A dez metros do ponto de detonação, uma aeronave podia ser derrubada; a 180, seriamente avariada.
[...]

O espetáculo teatral proporcionado pela artilharia antiaérea impressionava tanto as cidades defendidas quanto as frotas de bombardeiros atacantes. Seus atores eram os holofotes e os canhões. Como sempre, a luz, em foco dirigido, era o mensageiro da morte. Em 1943, uma bateria completa reunia até setenta refletores e 160 canhões. O refletor-padrão, com um metro e meio de diâmetro, atingia a altitude de 13 quilômetros, com uma intensidade de 1,3 bilhão de candelas. Tal equipamento constituía, por si só, uma poderosa arma, haja vista que a aeronave, uma vez enquadrada, não conseguia mais realizar um lançamento preciso.” pp. 52-53


Mil aviões contra Colônia [Cologne/Köln]


No dia 30 [maio 1942], a decisão foi tomada, e a ordem de operações chegou: Colônia. A natureza s encarregara de sinalizá-la, às margens do Reno.
Partindo do norte, os bombardeiros voaram contra o vento, em direção ao sul. Cada duas aeronaves foram guiadas por um GEE. As tripulações mais bem adestradas na busca de alvos seguiram na frente, lançando artefatos luminosos. Para o bombardeio, foi estabelecido o incrível prazo de noventa minutos; a cada cinco segundos, um bombardeiro sobrevoava a cidade.

Lançadas em grande quantidade, as leves e pequenas bombas incendiárias produzem milhões de focos isolados, que se tornam embriões de incêndios, ainda que apenas um punhado delas se inflame. Se, além disso, a munição fragmentária impede que alguém os apague, o fogo logo torna conta de uma grande superfície.

Não foi exatamente assim. Doze mil focos isolados se uniram, formando 1.700 grandes incêndios. Todavia, a rede hidráulica permaneceu intacta. Cento e cinquenta bombeiros de Düsseldorf, Duisburg e Bonn vieram em socorro, instalando mangueiras entre os hidrantes e os corredores residenciais; tubos gigantescos mergulharam no Reno, sugando milhões de metros cúbicos de água, bombeados ao longo de quilômetros, com o auxílio de compressores, até as áreas atingidas. O que ocorrera em Lübeck [em 29 março 1942] não iria repetir-se. Colônia, uma cidade moderna, de ruas amplas, soube defender-se.

As baterias e projetores da artilharia antiaérea impuseram ao atacante 3,9 por cento de perdas, o maior coeficiente até então registrado, porém suportado com alívio. Tinha valido a pena. O ataque de mil bombardeiros significava uma enorme conquista no campo da tecnologia bélica, revelando a capacidade de uma força armada. Com isso, o Comando de Bombardeiros mostrava aos céticos que sua campanha era capaz de evoluir para uma guerra com características próprias. A Inglaterra logo passaria à condição de condutora da guerra, deixando de ser uma simples vítima com alta capacidade de absorção. É tempo de retirar as luvas, observou Churchill, comunicando ao Parlamento que, no decorrer daquele ano [1942], todas as cidades, os portos e os centros de produção bélica da Alemanha ‘seriam submetidos a uma prova de fogo em continuidade, potência e amplitude jamais experimentadas por qualquer outro país’.

Como traduzir, em palavras, o que daí resultou? As tripulações de bombardeiros informaram às usas bases que, no 55º minuto, sentiam-se como se estivessem sobre um vulcão em erupção. A imprensa nazista investiu contra ‘o bando de assassinos britânicos que fazem guerra contra pessoas indefesas’. Seriam bestas, e não mais seres humanos.

Pela manhã, enquanto uma causticante fumaça ainda cobria toda a cidade, queimando os olhos e penetrando as roupas, todos aqueles que, conforme relatou o Kölner Zeitung, também severamente atingido, ‘sobreviveram à noite e contemplaram a cidade, ao amanhecer, tiveram a plena consciência de que jamais haveriam de rever a sua antiga Colônia’. Três mil e trezentos prédios foram destruídos, e 9.500, danificados, o que não significava, para uma cidade de 772 mil habitantes, um grande prejuízo. Ao todo, foram necessários mais 262 ataques aéreos, para finalmente acabar com 95 por cento da velha cidade.

[...]

O ataque dos mil bombardeiros resultou em 480 mortos e cinco mil feridos, cuja grande maioria constituiu-se de pessoas que permaneceram fora dos porões existentes nos blocos residenciais, que ofereciam relativa proteção. Ainda que excedessem todos os limites das campanhas anteriores, esses números não satisfizeram os britânicos, que contavam com 6 mil mortos. Uma cifra de quatro dígitos seria bem mais adequada às dimensões da [operação] Millenium [uma frota de mil aeronaves, 6.500 aviadores, com 1.350 bombas de fragmentação, 460 mil incendiárias, ver p. 84].” pp. 84-86


Batalha do Ruhr


Eficácia, do ponto de vista militar, significava destruir uma cidade, com tudo aquilo que nela vivia, trabalhava ou era produzido. A Batalha do Ruhr [março a julho 1942], o projeto dos trezentos metros de precisão estabelecidos em [conferência de] Casablanca, causou a morte de 21 mil pessoas. as cidades incendiadas, Düsseldorf, Krefeld, Remscheid e Wuppertal, registraram, cada qual, milhares de óbitos. Após o último ataque da campanha, na noite de 30 para 31 de julho, 11 mil das 14 mil casas de Remscheid haviam sido destruídas ou danificadas; 273 aeronaves tinham aniquilado 83 por cento da superfície de uma cidade com 95 mil habitantes. Silenciadas pelas fitas de estanho, as guarnições da artilharia antiaérea viram, de longe, a cidade ser consumida pelas chamas. Ao soar o final do alerta, às 22h45, a multidão abandonou os porões, deparando-se com um panorama de ruínas no qual ainda não era possível avaliar o grau da destruição. O material combustível não concluíra a sua tarefa, e a cidade continuava envolta pelas chamas, uma hora e meia após a saída do Comando de Bombardeiros.

As notícias publicadas na imprensa britânica, como a manchete do Times de 23 de junho de 1943, ‘Bombardeiros noturnos dizimam Krefeld’, desmentiam as informações do governo sobre os objetivos bombardeados. A cidade teria sido alvo de cinco bombas de quatro toneladas por minuto, durante três quartos de hora, e a fumaça negra que a encobria teria quilômetros de extensão e até 4.500 metros de altura. No dia seguinte, os leitores já sabiam que a destruição não dizia respeito a alvos, mas sim a cidades.

No âmbito do Comando de Bombardeiros, os fatos eram tratados de forma nua e crua. No Immediate Assessment of Damage, o relatório de danos produzido logo após a análise das fotos, o balanço do ataque a Krefeld em 22 de junho de 1943 registrava 25 mil casas destruídas, 87 mil pessoas desabrigadas e 1.450 mortas, sendo 850 por bombas de fragmentação e seiscentas por bombas incendiárias. As baixas deviam-se, indiscutivelmente, ao sucesso da operação. Os cálculos eram exagerados, chegando a causar espanto, por suas dimensões. Naquela noite, Krefeld perdeu 1.056 habitantes, e o incêndio consumiu totalmente uma superfície de 3,75 quilômetros quadrados, reduzindo a cinzas 47 por cento da área construída. ” pp. 93-94


Fonte: FRIEDRICH, Jörg. O Incêndio. [Der Brand] Trad. Roberto Rodrigues. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.


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