imagem: panfleto distribuído pelos jovens da Rosa Branca (Weisse Rose)
Thomas
Mann
Discursos
contra Hitler
BBC
27
de junho de 1943
“Ouvintes
alemães!
Nós,
europeus, mesmo quando estamos a ponto de obter a cidadania no Novo
Mundo, queremos nos sentir orgulhosos de nossa velha Europa. É um
continente realmente admirável ! Seria muito mais fácil e
confortável para seus povos conformar-se com a infame ‘Nova Ordem’
de Hitler, entregar-se à escravidão, colaborar com a ‘Alemanha
dos nazis’, como agora é chamada. Mas isso eles não fizeram.
Os
anos repletos do mais brutal terror, de martírio e execuções, não
foram suficientes para quebrar sua resistência. Ao contrário, eles
a tornaram ainda mais forte, e a ‘Europa unida para a defesa de
seus bens sagrados contra a invasão dos estrangeiros’ é a mais
miserável das mentiras nazistas. Os estrangeiros, contra os quais os
bens sagrados deviam ser protegidos, são eles, os nazistas, e
ninguém mais. Apenas uma parte pequena e corrupta da classe
superior, uma corja de traidores para quem nada é mais sagrado que o
dinheiro e as vantagens, trabalha com eles. Os povos se negam a isso,
e quanto mais evidente se mostra a vitória dos Aliados, mais cresce
sua revolta contra o que lhes parece insuportável.
Sete
milhões de pessoas foram deportadas para campos de trabalhar
forçados, cerca de um milhão foram executadas ou assassinados e 10
mil suportam o inferno dos campos de concentração. Isso de nada
adianta – a luta desigual e heroica continua.
Sabem
vocês, alemães, que foram mortos pelo menos 150 mil homens das
tropas alemãs e italianas nos países ocupados? Sabem que pelo menos
250 quisling
– é esse agora o substantivo coletivo para os nativos que
colaboram com Hitler – foram mortos nos países da Europa? Através
da sabotagem, a produção de guerra para o Eixo em muitas regiões
foi reduzida em 30%. É esse o trabalho de organizações
clandestinas que, anônimas, inglórias, dão a vida para ajudar na
fuga de presos, na destruição de material de guerra e, através de
publicações ilegais, na manutenção do espírito de resistência
do povo – jornais cuja tiragem chega às vezes a 100 mil
exemplares.
Por
isso digo: honrados sejam os povos da Europa! E eu ainda acrescento
algo que, nesse momento, pode soar estranho a muitos do que me ouvem:
honrado seja o povo alemão, e digno de nossa compaixão! A teoria de
que entre ele o nazismo não se pode estabelecer diferença, de que
alemão e nacional-socialista são uma e a mesma coisa, é por vezes
defendida nos países aliados com algum espírito; mas ela é
insustentável e não consegue se impor. Muitos fatos falam contra
isso: a Alemanha se defendeu e continua a se defender, tão bem
quanto os outros. O que acontece clandestinamente agora nos países
subjugados é mais ou menos uma repetição do que aconteceu na
Alemanha há dez anos e utiliza em parte as experiências dos ilegais
alemães.
Quem
conhece o número daqueles que, no Estado de Himmler, pagaram seu
idealismo, sua fé inabalável na justiça e na liberdade, com o
martírio e a morte? Com a eclosão da guerra, havia na Alemanha 200
mil prisioneiros políticos, e na imprensa alemã crescia sem parar a
publicação de sentenças de morte e penas de prisão por alta
traição, sabotagem etc. – e esses são apenas os casos
reconhecidos e aqueles que foram apanhados. Essa é a Alemanha que
segue unida o seu líder!
Neste
verão, o mundo se comoveu profundamente com os acontecimentos na
Universidade de Munique, cujas notícias nos chegaram pelos jornais
suíços e suecos, primeiro sem muita clareza, e logo com detalhes
cada vez mais impactantes. Sabemos agora de Hans Scholl, o
sobrevivente de Stalingrado, e de sua irmã, de Christoph Probst, do
professor Huber e de todos os outros; da revolta dos estudantes na
Páscoa contra o discurso obsceno de um Bonzo nazista no auditorium
maximum, de
seu martírio, dos folhetos que ele distribuíam e nos quais há
palavras que reparam muito daquilo que em certos anos infelizes foi
cometido nas universidades alemãs contra o espírito de liberdade
alemão. É, foi aflitiva essa predisposição da juventude alemã –
justamente da juventude – para a revolução mentirosa do
nacional-socialismo. Agora seus olhos se abriram e por isso eles põem
a cabeça jovem sobre o cepo do carrasco, para a glória da Alemanha
– colocam-na aí depois de dizer na cara dos juízes nazistas:
‘Logo vocês estarão aqui, onde agora estou’, depois de
testemunhar diante da morte: ‘Nasce uma nova fé na liberdade e na
honra!’
Corajosa
e magnífica juventude! Vocês não terão morrido à toa, não serão
esquecidos. Os nazistas erigiram monumentos para arruaceiros imundos
e criminosos comuns – a revolução alemã, a verdadeira, vai
derrubá-los e eternizará em seu lugar o nome daqueles que, quando a
noite ainda escurecia a Europa e a Alemanha, anunciaram: ‘Nasce uma
nova fé na liberdade e na honra!’” [pp. 142-145]
Fonte:
MANN, Thomas. Ouvintes
alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945).
(Deutsche
hörer!)
Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009.
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