quinta-feira, 27 de junho de 2013

Discurso de Thomas Mann elogia a Rosa Branca



imagem: panfleto distribuído pelos jovens da Rosa Branca (Weisse Rose)



Thomas Mann


Discursos contra Hitler


BBC


27 de junho de 1943


Ouvintes alemães!


Nós, europeus, mesmo quando estamos a ponto de obter a cidadania no Novo Mundo, queremos nos sentir orgulhosos de nossa velha Europa. É um continente realmente admirável ! Seria muito mais fácil e confortável para seus povos conformar-se com a infame ‘Nova Ordem’ de Hitler, entregar-se à escravidão, colaborar com a ‘Alemanha dos nazis’, como agora é chamada. Mas isso eles não fizeram.


Os anos repletos do mais brutal terror, de martírio e execuções, não foram suficientes para quebrar sua resistência. Ao contrário, eles a tornaram ainda mais forte, e a ‘Europa unida para a defesa de seus bens sagrados contra a invasão dos estrangeiros’ é a mais miserável das mentiras nazistas. Os estrangeiros, contra os quais os bens sagrados deviam ser protegidos, são eles, os nazistas, e ninguém mais. Apenas uma parte pequena e corrupta da classe superior, uma corja de traidores para quem nada é mais sagrado que o dinheiro e as vantagens, trabalha com eles. Os povos se negam a isso, e quanto mais evidente se mostra a vitória dos Aliados, mais cresce sua revolta contra o que lhes parece insuportável.
Sete milhões de pessoas foram deportadas para campos de trabalhar forçados, cerca de um milhão foram executadas ou assassinados e 10 mil suportam o inferno dos campos de concentração. Isso de nada adianta – a luta desigual e heroica continua.


Sabem vocês, alemães, que foram mortos pelo menos 150 mil homens das tropas alemãs e italianas nos países ocupados? Sabem que pelo menos 250 quisling – é esse agora o substantivo coletivo para os nativos que colaboram com Hitler – foram mortos nos países da Europa? Através da sabotagem, a produção de guerra para o Eixo em muitas regiões foi reduzida em 30%. É esse o trabalho de organizações clandestinas que, anônimas, inglórias, dão a vida para ajudar na fuga de presos, na destruição de material de guerra e, através de publicações ilegais, na manutenção do espírito de resistência do povo – jornais cuja tiragem chega às vezes a 100 mil exemplares.
Por isso digo: honrados sejam os povos da Europa! E eu ainda acrescento algo que, nesse momento, pode soar estranho a muitos do que me ouvem: honrado seja o povo alemão, e digno de nossa compaixão! A teoria de que entre ele o nazismo não se pode estabelecer diferença, de que alemão e nacional-socialista são uma e a mesma coisa, é por vezes defendida nos países aliados com algum espírito; mas ela é insustentável e não consegue se impor. Muitos fatos falam contra isso: a Alemanha se defendeu e continua a se defender, tão bem quanto os outros. O que acontece clandestinamente agora nos países subjugados é mais ou menos uma repetição do que aconteceu na Alemanha há dez anos e utiliza em parte as experiências dos ilegais alemães.


Quem conhece o número daqueles que, no Estado de Himmler, pagaram seu idealismo, sua fé inabalável na justiça e na liberdade, com o martírio e a morte? Com a eclosão da guerra, havia na Alemanha 200 mil prisioneiros políticos, e na imprensa alemã crescia sem parar a publicação de sentenças de morte e penas de prisão por alta traição, sabotagem etc. – e esses são apenas os casos reconhecidos e aqueles que foram apanhados. Essa é a Alemanha que segue unida o seu líder!
Neste verão, o mundo se comoveu profundamente com os acontecimentos na Universidade de Munique, cujas notícias nos chegaram pelos jornais suíços e suecos, primeiro sem muita clareza, e logo com detalhes cada vez mais impactantes. Sabemos agora de Hans Scholl, o sobrevivente de Stalingrado, e de sua irmã, de Christoph Probst, do professor Huber e de todos os outros; da revolta dos estudantes na Páscoa contra o discurso obsceno de um Bonzo nazista no auditorium maximum, de seu martírio, dos folhetos que ele distribuíam e nos quais há palavras que reparam muito daquilo que em certos anos infelizes foi cometido nas universidades alemãs contra o espírito de liberdade alemão. É, foi aflitiva essa predisposição da juventude alemã – justamente da juventude – para a revolução mentirosa do nacional-socialismo. Agora seus olhos se abriram e por isso eles põem a cabeça jovem sobre o cepo do carrasco, para a glória da Alemanha – colocam-na aí depois de dizer na cara dos juízes nazistas: ‘Logo vocês estarão aqui, onde agora estou’, depois de testemunhar diante da morte: ‘Nasce uma nova fé na liberdade e na honra!’


Corajosa e magnífica juventude! Vocês não terão morrido à toa, não serão esquecidos. Os nazistas erigiram monumentos para arruaceiros imundos e criminosos comuns – a revolução alemã, a verdadeira, vai derrubá-los e eternizará em seu lugar o nome daqueles que, quando a noite ainda escurecia a Europa e a Alemanha, anunciaram: ‘Nasce uma nova fé na liberdade e na honra!’” [pp. 142-145]


Fonte: MANN, Thomas. Ouvintes alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945). (Deutsche hörer!) Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.


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