sexta-feira, 17 de maio de 2013

Relações do Papado com o Nazismo - 7






Relações do Papado com o Nazismo – continuação 7



fonte: CORNWELL, John. Papa de HitlerA História Secreta de Pio XII . (Hitler's Pope: the secret history of Pius XII. 1999) Trad. A . B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000



A Indiferença de Pio XII diante do Holocausto


Depois da encíclica Mit brennender Sorge [1937], de Pio XI , Pacelli tentou secretamente atenuar seu impacto, por meio de garantias diplomáticas particulares aos alemães.

Por uma variedade de evidências, fica patente que Pacelli acreditava que os judeus haviam atraído o infortúnio sobre suas cabeças; a interferência em defesa deles poderia levar a Igreja a alianças com forças – em particular a União Soviética – cujo supremo objetivo era a destruição da própria Igreja. Por este motivo, quando a guerra começou, ele estava disposto a se distanciar de qualquer apelo a favor dos judeus no nível da política internacional. Isto não o impediu de dar instruções para aliviar a situação crítica dos judeus no nível da caridade básica.

Nessas circunstâncias, somos obrigados a concluir que o seu silêncio tinha mais a ver com o medo e desconfiança habitual dos judeus do que com uma estratégia de diplomacia ou um compromisso com a imparcialidade. Pacelli demonstrou que era bem capaz de ser parcial quando a Holanda, a Bélgica e Luxembrugo foram invadidos, em maio de 1940. E quando os católicos alemães se queixaram, ele escreveu para os bispos alemães ressaltando que neutralidade não era a mesma coisa que 'indiferença e apatia quando considerações morais e humanas exigiam uma palavra franca'. Mas as considerações morais e humanas envolvidas no assassinato de milhões de pessoas não mereciam uma 'palavra franca' ?

A omissão em dizer uma palavra franca sobre a Solução Final em execução proclamava para o mundo que o vigário de Cristo não podia ser levado à compaixão e à raiva. Desse ponto de vista, ele era o papa ideal para o plano abominável de Hitler. Era um peão de Hitler. Era o papa de Hitler.

Como já registramos, a única quebra do silêncio auto-imposto de Pacelli sobre o extermínio dos judeus foi aquela frase ambígua durante sua homilia de Natal, em 1942, em que ele não usou as palavras judeus, não-arianos, alemães e nazista. “

Num discurso para os delegados do Conselho Supremo do Povo Árabe da Palestina, em 3 de agosto de 1946, ele declarou: 'É supérfluo para mim dizer que desaprovamos todo e qualquer recurso à força e violência, de onde quer que venha, assim como condenamos em diversas ocasiões no passado as perseguições que um anti-semitismo fanático infligiu ao povo hebreu'. Sua cumplicidade na Solução Final, pela omissão em expressar a condenação apropriada foi agravada por uma tentativa retrospectiva de se apresentar como um franco defensor do povo judeu. Sua justificativa grandiloquente, em 1946, revelou que era não apenas um papa ideal para a Solução Final dos nazistas, mas também um hipócrita.

Mas houve um teste muito mais imediato para o pontificado de Pacelli, ocorrido pouco antes da libertação de Roma, quando ele era a única autoridade italiana na cidade. Em 16 de outubro de 1943, tropas alemãs entraram no gueto de Roma, prenderam todos os judeus que puderam encontrar e levaram-nos para o Colégio Militar, na Via della Lungara, à sombra do Vaticano. Como Pacelli se comportou nessa situação?” pp. 332-34



Os Judeus de Roma


Em meados de 1943 os Aliados avançaram ao sul da Itália, o que provocou a queda de Mussolini e seus asseclas fascistas, e a posterior mudança de lado, quando o exército italiano (em nome da monarquia constitucional) aderiu à luta contra os alemães nazistas. Ao norte, os fascistas remanescentes fundaram um governo republicano ditatorial (a República de Salò) , atuando como um mero fantoche nas mãos dos seguidores do Führer.

O Papa se esforçou para manter Roma como uma 'cidade aberta', livre de combates, danos e mortes, mas em vão. A cidade sofria bombardeios dos aliados e invasões de tropas alemãs em busca de judeus e subversivos. O antigo gueto judeu, onde se abrigavam cerca de sete mil pessoas, passou a sofrer com as ocupações, perseguições e prisões (além de massacres), enquanto as autoridades do Vaticano negociavam com os alemães sobre o respeito às propriedades e territórios da igreja.

E a Santa Sé sabia sobre os extremos de crueldade das tropas SS nazistas, e o quanto de terror ameaçava os judeus que viviam em Roma, daí tomar providências locais. “O Vaticano também previra problemas para os judeus e aumentara suas atividades de caridade, em particular a ajuda para a emigração.” (p. 338)

Primeiro os alemães exigiram resgaste em ouro, o que mobilizou doações entre os judeus, e até um empréstimo (e não uma doação) junto ao Vaticano para que a fortuna de 50 quilos de ouro fosse paga aos oficiais da SS . Mas, mesmo com o 'resgate', Eichmann ordenou a deportação dos judeus, em outubro de 1943. Os líderes fascistas italianos não se esforçavam para apoiar a deportação e o extermínio, e “até setembro de 1943, não fora deportado um único judeu da esfera de ocupação italiana na Iugoslávia, Sudeste da França e Grécia.” (p. 340)

Depois da ordem de Eichmann, as tropas começaram a deportação em 16 de outubro de 1943, e muitos caminhões, com mulheres e crianças, passaram próximos da Praça de São Pedro, “num percurso deliberado, pelo que se diz, para que os soldados da SS levados a Roma para aquela missão pudessem ter um vislumbre da basílica famosa. Os judeus, pelo que também se disse, gritaram ao passarem pela praça, pedindo socorro ao papa.” (p. 341)

As cenas observadas naquela manhã já haviam ocorrido incontáveis vezes, em incontáveis lugares, nos dois últimos anos. A diferença é que havia naquela cidade um homem com uma voz poderosa, que comandava a fidelidade de meio bilhão de seres humanos, e cuja capacidade de protestar podia fazer com que até Hitler pensasse duas vezes.” (p. 341)

No final das contas, nem Pacelli nem seu cardeal-secretário de Estado tomaram a iniciativa de protestar, em seu nome pessoal ou sob os auspícios da Santa Sé, naquele dia ou nos dias subsequentes. A omissão em falar ou agir espantou a liderança alemã na cidade.” (p. 343) entenda-se: os alemães na Itália temiam que a ação brutal contra os judeus italianos desencadeasse uma 'propaganda antialemã'.

No domingo, 17 de outubro, notícias sobre a prisão em massa apareceram em jornais do mundo inteiro, junto com mitos que seriam perpetuados até hoje. O The New York Times, por exemplo, publicou um despacho da UPI, procedente de Londres, relatando que o papa pagara aos alemães o resgate exigido para a libertação de 100 reféns. 'Mas os alemães, depois de receberem o ouro, recusaram-se a libertar os reféns. Em vez disto, começaram a prender mais judeus. Os italianos ajudaram famílias caçadas a se esconderem e fugirem.(p. 345)

Os prisioneiros judeus foram deportados para Viena, onde chegaram em condições desumanas e em 'estado deplorável' de humilhação, fome e sede. O Vaticano sabia de tudopor onde passava o comboio e em que situação física e mental sobreviviam os deportadosmas Pacelli estava mais preocupado com os 'comunistas'qualquer partisans, os guerrilheiros italianos, que combatiam os fascistas. O Papa temia claramente mais aos comunistas que aos fascistas.

Cinco dias depois de o trem deixar a estação tiburtina, os 1.060 deportados morreram nas câmaras de gás de Auschwitz e Birkenau; 149 homens e 47 mulheres ficaram detidos para trabalho escravo. Apenas 15 sobreviveram à guerra, todos homens, exceto por uma moça, Settimia Spizzichino, que serviu como cobaia humana em experimentos do dr. Mengele. Quando Bergen-Belsen, o campo de extermínio para onde Settimia fora transferida, foi libertado, encontraram-na no meio de uma pilha de cadáveres, onde ela dormia há dois dias.” (pp. 347-48)

Pacelli temia os ousados alemães – capazes de resgatarem o abatido Mussolini, numa acrobática missão – pois imaginava que os SS não hesitariam em prendê-lo em pleno Vaticano. “Os responsáveis pela ocupação de Roma não eram os únicos alemães considerando as consequências de uma represália violenta contra o Vaticano, no outono de 1943. o próprio Hitler fora obrigado a considerar o problema , por causa de seu plano para capturar Pacelli e levá-lo para a Alemanha.” (p. 350)


O Führer temia que Pacelli caísse em mãos Aliadas e que passasse a fazer proclamações antinazistas. Daí instruir oficiais SS para uma missão : invadir o Vaticano, recolher obras de arte e documentos, e 'salvar' o Papa. Tudo para melhor proteção do pontífice! O oficial encarregado da missão logo percebeu as inviabilidades da missão: como invadir o Vaticano e prender o papa? Como controlar a hostilidade do povo italiano tão apegado à católica? Antes, usar o poder papal para manter as massas populares apaziguadas.

Todos os fatos indicam, portanto, que uma tentativa de invadir o Vaticano e suas propriedades, ou de capturar o papa em reação a um protesto papal, acarretaria uma reação violenta por toda a Itália, que poderia prejudicar bastante o esforço de guerra nazista. Ou seja, até mesmo Hitler passou a reconhecer o que Pacelli parecia ignorar: que a mais vigorosa força política e social na Itália no outono de 1943 era a igreja católica, com uma imensa capacidade para promover a não-obediência e a reação geral aos alemães.” (p. 353)



O Silêncio Litúrgico de Pacelli


Em suma, as forças alemãs de ocupação haviam garantido a extraterritorialidade do Vaticano e suas instituições religiosas espalhadas por Roma. O preço dessa vantagem fora a submissão e a 'não-interferência' – o silêncio sobre as atrocidades nazistas não apenas na Itália, mas em todas as partes da Europa ocupada. Quando a prisão em massa de judeus começou, em 16 de outubro, as autoridades alemãs de ocupação estavam mesmo assim convencidas de que Pacelli iria protestar mais cedo ou mais tarde. Achavam que um protesto papal imediato poderia funcionar em seu favor, evitando a deportação e uma espiral de protestos papais posteriores e represálias, culminando com a invasão pela SS do território do Vaticano e uma violenta reação civil.” (p. 353)


Como os católicos podem aceitar que o bispo de Roma não tenha feito um único ato litúrgico pelos judeus deportados da Cidade Eterna? E, no entanto, ao saber da morte de Adolf Hitler, Adolf Bertram, a essa altura o cardeal-arcebispo de Berlim, ordenou a todos os padres de sua arquidiocese que 'celebrem um Réquiem solene em memória do Führer e de todos os membros da Wehrmacht que tombaram na luta por nossa pátria germânica, junto com as orações mais sinceras pela pátria e pelo futuro da Igreja católica na Alemanha'.(p. 354)



fonte: CORNWELL, John. O Papa de HitlerA História Secreta de Pio XII. (Hitler's Pope: the secret history of Pius XII. 1999) Trad. A . B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000



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