Thomas
Mann
Ouvintes
Alemães!
Discursos
contra Hitler
[1940-1945]
setembro 1943
“Ouvintes
alemães!
Será que a Alemanha está
irremediavelmente perdida? Não, ela pode ser salva ainda hoje ou
mesmo amanhã da destruição total que a ameaça – através de uma
revolução democrática, através da decidida eliminação do regime
intolerável de roubo e assassinato que deflagou essa guerra e cujo
desaparecimento tornaria possível a paz da Alemanha com o Leste e o
Oeste. O manifesto dos oficiais alemães presos na Rússia mostrou
mais uma vez que a Alemanha não luta por sua vida e por sua honra,
mas apenas para protelar a queda desse terrível regime – o que, no
entanto, é coisa sela e decidida porque absolutamente necessária.
Quem salvará a Alemanha? Com a
miséria crescente, a pergunta pesa em muitos corações. Um sinal
disso foi o apelo dos estudantes de Munique executados pelo regime,
apelo para que o povo alemão se liberte do jugo vergonhoso antes que
seja tarde. Agora chega de Estocolmo a notícia de que a tripulação
das três maiores unidades da frota alemã, Tirpitz, Scharnhorst
e Lützow, decidiu sabotar seus navios para tornar
impossível que zarpem. A informação não foi confirmada; mas se é
certo que o julgamento dos envolvidos será tão rápido quanto no
caso dos jovens heróis de Munique, então é fácil nos colocarmos
no estado de espírito dos marujos alemães que testemunharam o
fracasso da guerra submarina, a destruição de Hamburgo, Bremen,
Kiel, Wilhelmshaven e a perda das frotas francesa e italiana, e que
não sentem nenhuma vontade de serem comandados pelo almirante Dönitz
a uma aventura suicida contra o poder marítimo inglês. Se ele
tiverem feito o que se lhes atribui, certamente foi porque pensaram
em fazer sua parte para a interrupção de uma guerra cuja
continuação parece particularmente absurda e criminosa aos seus
olhos.
O que não quer dizer que as Forças
Armadas alemãs de terra e ar tenham razão de ter outra opinião. A
'Fortaleza Europa' não foi nada além de propaganda enganosa,
pois uma fortaleza cujos internos, com poucas exceções, pedem com
entusiasmo que seja conquistada nem merece esse nome. Chamar um
continente de fortaleza é, além disso, nada mais do que uma imagem
falsa, e já estava claro há tempos que os nazistas só pensam em
defender uma grande região externa como uma maneira de proteger seu
próprio território e que, seriamente, só lhes interessa um anel
interno em torno da Fortaleza Alemanha. O caráter de suas retiradas
oscila entre o planejamento e a catástrofe militar. O caráter
russo, por sua vez, que custa diariamente milhares de vidas e muito
material bélico, não parece nem um pouco espontâneo. As reduções
do front são um pouco drásticas, mas nunca serão
suficientes para conter o Exército Vermelho. A pós a perda de
Smolensk, depois da qual parece que deve se seguir a de Kiev, a linha
de Dniestre [ou Dniester, rio da Europa oriental ] e a antiga
fronteira da Polônia já são proclamadas como o front ideal
para a destruição do bolchevismo. Conquistá-las custou dois
milhões de vidas.
A Sardenha em mãos italianas, a
Córsega conquistada pelos franceses, o sul da Itália tomado por
ingleses e americanos: a todos está claro que isso impede a
conservação de Roma e que sequer a planície do Pó está segura,
pois todo o norte da Itália arde com as sabotagens e a guerra de
guerrilha, e os Aliados têm na Itália o que precisam: aeroportos
que permitem atacar o sul da Alemanha e os Balcãs. O plano alemão
de defesa interna é apenas um plano desesperado, e todos sabem
disso. Nenhuma manobra de retardamento no front, por mais
obstinada que seja, pode livrar a Alemanha de ataques aéreos no sul
e no oeste; comparado com eles, tudo o que se sofreu até agora vai
parecer inofensivo.
O que será da Alemanha? Não temos
nenhum direito a essa pergunta depois de tudo o que aconteceu na
Europa, e, mesmo assim, visto que um dia a Alemanha foi a nossa
pátria, a pergunta é inevitável e o nosso coração se aflige. Os
nazistas sabem que estão perdidos. Seu satanismo megalomaníaco
deseja uma queda como nada nem ninguém jamais sofreu. É preciso que
seja uma queda inigualável, uma catástrofe de um estilo original, e
querem arrastar para o inferno com eles tudo o que for possível
arrastar em meio ao sangue e ao fogo. Hoje só o povo alemão luta
pela grandeza infernal do adeus dessa raça, só ele continua uma
guerra que nada pode gerar além da mais profunda miséria. Um verso,
um grito do coração de uma peça teatral proibida no país de
vocês, me vem aos lábios: 'Quando virá o salvador dessa terra?'
(*)” pp. 150-153
(*)
De Friedrich Schiller, Guilherme Tell, Ato I, Cena I. (N.T.)
Fonte:
MANN, Thomas. Ouvintes
alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945).
(Deutsche Hörer!)
Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009.
sobre
o autor alemão Thomas Mann
Info
sobre os navios alemães Tirpitz, Scharnhorst e
Lützow
Mais uma burrice do Imbecil Thomas Mann!
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