quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Quem salvará a Alemanha? - Discurso contra Hitler - Thomas Mann





Thomas Mann

Ouvintes Alemães!
Discursos contra Hitler
[1940-1945]

setembro 1943


Ouvintes alemães!

Será que a Alemanha está irremediavelmente perdida? Não, ela pode ser salva ainda hoje ou mesmo amanhã da destruição total que a ameaça – através de uma revolução democrática, através da decidida eliminação do regime intolerável de roubo e assassinato que deflagou essa guerra e cujo desaparecimento tornaria possível a paz da Alemanha com o Leste e o Oeste. O manifesto dos oficiais alemães presos na Rússia mostrou mais uma vez que a Alemanha não luta por sua vida e por sua honra, mas apenas para protelar a queda desse terrível regime – o que, no entanto, é coisa sela e decidida porque absolutamente necessária.


Quem salvará a Alemanha? Com a miséria crescente, a pergunta pesa em muitos corações. Um sinal disso foi o apelo dos estudantes de Munique executados pelo regime, apelo para que o povo alemão se liberte do jugo vergonhoso antes que seja tarde. Agora chega de Estocolmo a notícia de que a tripulação das três maiores unidades da frota alemã, Tirpitz, Scharnhorst e Lützow, decidiu sabotar seus navios para tornar impossível que zarpem. A informação não foi confirmada; mas se é certo que o julgamento dos envolvidos será tão rápido quanto no caso dos jovens heróis de Munique, então é fácil nos colocarmos no estado de espírito dos marujos alemães que testemunharam o fracasso da guerra submarina, a destruição de Hamburgo, Bremen, Kiel, Wilhelmshaven e a perda das frotas francesa e italiana, e que não sentem nenhuma vontade de serem comandados pelo almirante Dönitz a uma aventura suicida contra o poder marítimo inglês. Se ele tiverem feito o que se lhes atribui, certamente foi porque pensaram em fazer sua parte para a interrupção de uma guerra cuja continuação parece particularmente absurda e criminosa aos seus olhos.


O que não quer dizer que as Forças Armadas alemãs de terra e ar tenham razão de ter outra opinião. A 'Fortaleza Europa' não foi nada além de propaganda enganosa, pois uma fortaleza cujos internos, com poucas exceções, pedem com entusiasmo que seja conquistada nem merece esse nome. Chamar um continente de fortaleza é, além disso, nada mais do que uma imagem falsa, e já estava claro há tempos que os nazistas só pensam em defender uma grande região externa como uma maneira de proteger seu próprio território e que, seriamente, só lhes interessa um anel interno em torno da Fortaleza Alemanha. O caráter de suas retiradas oscila entre o planejamento e a catástrofe militar. O caráter russo, por sua vez, que custa diariamente milhares de vidas e muito material bélico, não parece nem um pouco espontâneo. As reduções do front são um pouco drásticas, mas nunca serão suficientes para conter o Exército Vermelho. A pós a perda de Smolensk, depois da qual parece que deve se seguir a de Kiev, a linha de Dniestre [ou Dniester, rio da Europa oriental ] e a antiga fronteira da Polônia já são proclamadas como o front ideal para a destruição do bolchevismo. Conquistá-las custou dois milhões de vidas.


A Sardenha em mãos italianas, a Córsega conquistada pelos franceses, o sul da Itália tomado por ingleses e americanos: a todos está claro que isso impede a conservação de Roma e que sequer a planície do Pó está segura, pois todo o norte da Itália arde com as sabotagens e a guerra de guerrilha, e os Aliados têm na Itália o que precisam: aeroportos que permitem atacar o sul da Alemanha e os Balcãs. O plano alemão de defesa interna é apenas um plano desesperado, e todos sabem disso. Nenhuma manobra de retardamento no front, por mais obstinada que seja, pode livrar a Alemanha de ataques aéreos no sul e no oeste; comparado com eles, tudo o que se sofreu até agora vai parecer inofensivo.


O que será da Alemanha? Não temos nenhum direito a essa pergunta depois de tudo o que aconteceu na Europa, e, mesmo assim, visto que um dia a Alemanha foi a nossa pátria, a pergunta é inevitável e o nosso coração se aflige. Os nazistas sabem que estão perdidos. Seu satanismo megalomaníaco deseja uma queda como nada nem ninguém jamais sofreu. É preciso que seja uma queda inigualável, uma catástrofe de um estilo original, e querem arrastar para o inferno com eles tudo o que for possível arrastar em meio ao sangue e ao fogo. Hoje só o povo alemão luta pela grandeza infernal do adeus dessa raça, só ele continua uma guerra que nada pode gerar além da mais profunda miséria. Um verso, um grito do coração de uma peça teatral proibida no país de vocês, me vem aos lábios: 'Quando virá o salvador dessa terra?' (*)” pp. 150-153

(*) De Friedrich Schiller, Guilherme Tell, Ato I, Cena I. (N.T.)



Fonte: MANN, Thomas. Ouvintes alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945). (Deutsche Hörer!) Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.


sobre o autor alemão Thomas Mann







Info sobre os navios alemães Tirpitz, Scharnhorst e Lützow







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