Bombardeio
aliado sobre a Alemanha
1942-43
“A arma que permitiu a
ofensiva aérea de britânicos e norte-americanos foi o bombardeiro
pesado. Na Inglaterra, já se trabalhava nele desde 1924, e os
modelos empregados foram quase todos concebidos ou produzidos nos
anos 1930. A missão de bombardeiro pesado consiste em penetrar fundo
na retaguarda inimiga. Seu peso, como característica, refere-se não
somente à capacidade de carga, mas também à grande tancagem, que
lhe permite cobrir extensos percursos de ida e de volta. Além disso,
requer proteção blindada contra caças e fogo antiaéreo, bem como
artilharia de bordo. No final da guerra, o peso máximo de decolagem
dos dois melhores bombardeiros pesados, o B-17
norte-americano
e o Lancaster
britânico, era de 25 toneladas.
As desvantagens do peso se
traduzem na velocidade reduzida, na baixa altitude de voo e na
pequena flexibilidade de manobra. Quem constrói uma frota nesses
moldes, imagina um cenário de guerra que lhe corresponda. Assim,
concebe um poder ofensivo capaz de atingir a máxima profundidade
possível em território inimigo, julga ser capaz de orientar-se
nessas condições e conta com resistências menos eficazes. Bem
entendido: voando durante o dia e enxergando seus objetivos, que,
embora vistos, podiam não ser atingidos. Nada disso se confirmou,
mas correspondia à visão utópica da guerra aérea, anterior ao
conflito.
Pacifistas e militaristas
incorriam no mesmo erro – o de que, conforme formulara o
primeiro-ministro Baldwin, o bombardeiro resolvia a questão. Os
Whitley,
os Hampden
e os Wellington,
voando a trezentos ou quatrocentos quilômetros por hora, em uma
altitude máxima de sete mil metros, e transportando pouco mais de
uma tonelada, serviam, quando muito, a uma eventual dissuasão
política, mas nunca ao propósito de fazer com que o adversário
desistisse de uma ofensiva militar. Segundo a opinião vigente,
compactas formações sobrevoariam o território inimigo,
neutralizando sua aviação de caça por intermédio do apoio de fogo
maciço e mútuo. [...]
O maior salto na construção
de bombardeiros quadrimotores foi dado pelos Estados Unidos, uma
potência banhada por dois oceanos e que se opunha veementemente ao
bombardeiro de populações civis. Os Boeings
B17 – Fortaleza
Voadora e
B24 – Liberator,
bastiões repletos de armamento, eram capazes de atirar em todas as
direções, e passaram a fazer, a partir de 1943, com suas
assustadoras formações em blocos de três andares, o que os
britânicos tinham evitado. O Liberator
transportava 2,275 toneladas de carga e 12 tripulantes, sendo armado
com dez metralhadoras calibre 12 milímetros.” pp. 30-31
“A guerra das máquinas
inaugurou nos céus uma nova arena, que reabriu o antigo duelo de
homem para homem, a comparação de forças entre caçadores. Neste
ponto, o primeiro passo era produzir uma aeronave que abolisse o
defeito estrutural dos caças, ou seja, seu pequeno fôlego. Antes do
Mustang, nenhum avião de combate tinha condições de transportar o
combustível necessário a uma incursão profunda na retaguarda do
Reich, o que implicava pouca mobilidade e sensibilidade ao combate
aéreo. Até que, em junho de 1944, a Rolls-Royce-Merlin-Motor
conseguiu fazer chegar a Berlim um caça semelhante aos alemães
Messerschmitt
Bf 109 G e
Focke Wulf 190 A.
[...]” p. 32
“Os britânicos levaram mais
de três anos – até o outono de 1943, época da Batalha de Berlim
[agosto 1943] – para solucionar o problema elementar da guerra
aérea, ou seja, o de conduzir os bombardeiros até a posição de
tiro. Em 1940, concluiu-se que, durante o dia, o alvo era visível,
mas o bombardeiro ficava exposto. No ano seguinte, constatou-se que o
bombardeiro, à noite, raramente podia ser visto, mas também nada
via. Nessa ocasião, dos quarenta ataques aéreos desferidos contra
Hamburgo, vinte acabaram atingindo Lübeck e Kiel. Por serem portos
fluviais próximos do litoral, essas três cidades constituíam, em
toda a região, os melhores pontos de referência para a navegação.
Se encontrar uma cidade já era uma questão de sorte, imagine-se
achar um alvo em seu interior. Na melhor hipótese, a cidade era o
próprio alvo. Ainda assim, a maioria das bombas caía em terreno
aberto.” P. 33
“Em janeiro de 1943, pouco
antes da Batalha do Ruhr, o ministério responsável pela condução
da economia de guerra editou o catálogo supramencionado [The
Bomber’s Baedecker
– o ‘Guia Baedecker’
dos bombardeiros] que continha o inventário completo de todas as
cidades alemãs com mais de 15 mil habitantes. O alvo urbano era
assinalado por um círculo com três milhas ou 4,8 quilômetros de
raio, a menor unidade de medida utilizada pelo Comando de
Bombardeiros, naquela época. As listagens incluíam, em todo o
Reich, tudo o que era produzido, armazenado e transportado, tudo o
que era povoado, arrebanhado, defendido e entrincheirado, tudo o que
abrigava matéria-prima, conhecimento, tesouros artísticos e obras
sacras.” p. 36
“O vale do Ruhr, com suas
cidades superpostas, é um alvo, por si só, mas Essen, tendo ao
centro as fábricas da Krupp, exercia um fascínio à parte. Entre
dezembro de 1941 e fevereiro de 1942, o Comando de Bombardeiros
limitou suas ações a 43 ataques noturnos, pois aguardava os
equipamentos GEE [tecnologia de radar]. Depois disso, durante quatro
semanas e meia, nos meses de março e abril, 1.500 bombardeiros se
lançaram sobre o Ruhr, com a missão de aniquilar Essen.” P. 39
“No início de 1942, o
Comando de Bombardeiros possuía menos de quatrocentas aeronaves, às
quais se juntaram, em agosto de 1943, no início da Batalha de
Berlim, outras 1.670. No segundo semestre de 1943,, os
norte-americanos contribuíram, em julho, com 1.823 unidades prontas
para o combate; no final do ano, foram mais 2.893. o cinturão [de
radares defensivos] de Kammhuber não podia suportar tamanho impacto,
ainda que envolvesse toda a Alemanha. No ano de 1943, os pilotos
britânicos realizaram 36 mil sortidas noturnas, contra 12 mil
diurnas dos norte-americanos. Nesse contexto, a aviação de caça
alemã precisava de uma defesa mais flexível, baseada na competência
e na esperteza dos seus pilotos. [...]” p. 45
“[...] Nessa fase de livre
atuação da caça, o comando de bombardeiros – pela segunda vez,
desde maio de 1941 – e a VIII Força Aérea dos EUA já conheciam,
de antemão, os resultados que suas armas alcançariam. Entre 1942 e
1944, os norte-americanos produziram 76.985 aeronaves; os britânicos
fabricaram 26.263, em 1943, e 26.46, no ano seguinte. Todavia era
impossível recriar centenas de milhares de novos tripulantes,
instruindo-os de às pressas e enviando-os, despreparados, para o
combate. Durante toda a guerra, o Comando de Bombardeiros empregou em
voo 125 mil homens, dos quais perdeu 73.741, entre mortos, feridos e
prisioneiros. Para o Comando de Bombardeiros, 1943 foi o pior de
todos os anos, com 14 mil baixas. Segundo as estatísticas vigentes,
esse número ultrapassava de muito os limites do aceitável.” p. 46
“Os coeficientes de perdas
referentes aos tripulantes aéreos foram muito superiores aos
registrados entre as populações atingidas. Para um efetivo de 125
mil homens, o Comando de Bombardeiros sofreu 55 mil baixas, ou seja,
44 por cento. O número de mortos que gerou é incerto; os dados
variam entre 420 mil e 570 mil. Tomando-se pela média, 1,5 por cento
da população urbana foi dizimada.
A comparação, todavia, não
faz sentido, haja vista que as tripulações foram mortas no combate
contra forças militares oponentes – os caças e a artilharia
antiaérea. Voluntária ou não, a tropa agiu segundo os costumes
ditados pela guerra. Os habitantes locais lutaram pela própria
sobrevivência, mas não combateram ninguém, pois não tinham
vontade nem equipamento para tanto; além do mais, inexistia, até
então, qualquer costume de guerra que lhes atribuísse o poder das
armas.” p. 61
[Um ‘bombardeio moral’?
desde 1941...] “A princípio, uma bomba não pode destruir o moral
de ninguém. Ela destrói materiais diversos, pedras, estruturas e
corpos. Um corpo destruído não possui mais moral. Contudo a morte
de uns pode salvar o moral de outros; o segundo só se mantém até a
chegada da primeira. Nesse contexto, o destino do próximo está nas
mãos de cada um, a quem o matador concede o direito de escolha. O
conceito de moral que vale é aquele ditado pelo senhor do processo,
porém os britânicos ainda não davam a impressão de dominá-lo.
Muito pelo contrário.
Durante o ataque às fontes de
combustível, de fevereiro a março de 1941, os ingleses perderam, em
voos noturnos, 26 aeronaves; em compensação, entre julho e
novembro, na ofensiva contra os transportes, o prejuízo chegou a 414
tripulações. Isso equivalia ao recompletamento de todo o efetivo do
Comando de Bombardeiros a cada oito meses, pelo menos. Toda perda é
suportável enquanto gera algum dividendo. O Comando de Bombardeiros,
no entanto, impunha, a si próprio, danos maiores do que os causados
ao inimigo.” p. 79
Artilharia
antiaérea
“O mesmo acontecia em
relação à artilharia antiaérea, que produzia menos danos do que
os caças, mas infundia mais terror. O canhão-padrão, de 88
milímetros, lançava uma granada de oito quilos a 6,5 quilômetros
de altura. Ao explodir a munição se fragmentava em 1.500 estilhaços
dentados, que se espalhavam, com alta velocidade, em todas as
direções. A dez metros do ponto de detonação, uma aeronave podia
ser derrubada; a 180, seriamente avariada.
[...]
O espetáculo teatral
proporcionado pela artilharia antiaérea impressionava tanto as
cidades defendidas quanto as frotas de bombardeiros atacantes. Seus
atores eram os holofotes e os canhões. Como sempre, a luz, em foco
dirigido, era o mensageiro da morte. Em 1943, uma bateria completa
reunia até setenta refletores e 160 canhões. O refletor-padrão,
com um metro e meio de diâmetro, atingia a altitude de 13
quilômetros, com uma intensidade de 1,3 bilhão de candelas. Tal
equipamento constituía, por si só, uma poderosa arma, haja vista
que a aeronave, uma vez enquadrada, não conseguia mais realizar um
lançamento preciso.” pp. 52-53
Mil
aviões contra Colônia [Cologne/Köln]
“No dia 30 [maio 1942], a
decisão foi tomada, e a ordem de operações chegou: Colônia. A
natureza s encarregara de sinalizá-la, às margens do Reno.
Partindo do norte, os
bombardeiros voaram contra o vento, em direção ao sul. Cada duas
aeronaves foram guiadas por um GEE. As tripulações mais bem
adestradas na busca de alvos seguiram na frente, lançando artefatos
luminosos. Para o bombardeio, foi estabelecido o incrível prazo de
noventa minutos; a cada cinco segundos, um bombardeiro sobrevoava a
cidade.
Lançadas em grande
quantidade, as leves e pequenas bombas incendiárias produzem milhões
de focos isolados, que se tornam embriões de incêndios, ainda que
apenas um punhado delas se inflame. Se, além disso, a munição
fragmentária impede que alguém os apague, o fogo logo torna conta
de uma grande superfície.
Não foi exatamente assim.
Doze mil focos isolados se uniram, formando 1.700 grandes incêndios.
Todavia, a rede hidráulica permaneceu intacta. Cento e cinquenta
bombeiros de Düsseldorf, Duisburg e Bonn vieram em socorro,
instalando mangueiras entre os hidrantes e os corredores
residenciais; tubos gigantescos mergulharam no Reno, sugando milhões
de metros cúbicos de água, bombeados ao longo de quilômetros, com
o auxílio de compressores, até as áreas atingidas. O que ocorrera
em Lübeck [em 29 março 1942] não iria repetir-se. Colônia, uma
cidade moderna, de ruas amplas, soube defender-se.
As baterias e projetores da
artilharia antiaérea impuseram ao atacante 3,9 por cento de perdas,
o maior coeficiente até então registrado, porém suportado com
alívio. Tinha valido a pena. O ataque de mil bombardeiros
significava uma enorme conquista no campo da tecnologia bélica,
revelando a capacidade de uma força armada. Com isso, o Comando de
Bombardeiros mostrava aos céticos que sua campanha era capaz de
evoluir para uma guerra com características próprias. A Inglaterra
logo passaria à condição de condutora da guerra, deixando de ser
uma simples vítima com alta capacidade de absorção. É tempo de
retirar as luvas, observou Churchill, comunicando ao Parlamento que,
no decorrer daquele ano [1942], todas as cidades, os portos e os
centros de produção bélica da Alemanha ‘seriam submetidos a uma
prova de fogo em continuidade, potência e amplitude jamais
experimentadas por qualquer outro país’.
Como traduzir, em palavras, o
que daí resultou? As tripulações de bombardeiros informaram às
usas bases que, no 55º minuto, sentiam-se como se estivessem sobre
um vulcão em erupção. A imprensa nazista investiu contra ‘o
bando de assassinos britânicos que fazem guerra contra pessoas
indefesas’. Seriam bestas, e não mais seres humanos.
Pela manhã, enquanto uma
causticante fumaça ainda cobria toda a cidade, queimando os olhos e
penetrando as roupas, todos aqueles que, conforme relatou o Kölner
Zeitung,
também severamente atingido, ‘sobreviveram à noite e contemplaram
a cidade, ao amanhecer, tiveram a plena consciência de que jamais
haveriam de rever a sua antiga Colônia’. Três mil e trezentos
prédios foram destruídos, e 9.500, danificados, o que não
significava, para uma cidade de 772 mil habitantes, um grande
prejuízo. Ao todo, foram necessários mais 262 ataques aéreos, para
finalmente acabar com 95 por cento da velha cidade.
[...]
O ataque dos mil bombardeiros
resultou em 480 mortos e cinco mil feridos, cuja grande maioria
constituiu-se de pessoas que permaneceram fora dos porões existentes
nos blocos residenciais, que ofereciam relativa proteção. Ainda que
excedessem todos os limites das campanhas anteriores, esses números
não satisfizeram os britânicos, que contavam com 6 mil mortos. Uma
cifra de quatro dígitos seria bem mais adequada às dimensões da
[operação] Millenium
[uma frota de mil aeronaves, 6.500 aviadores, com 1.350 bombas de
fragmentação, 460 mil incendiárias, ver p. 84].” pp. 84-86
Batalha
do Ruhr
“Eficácia, do ponto de
vista militar, significava destruir uma cidade, com tudo aquilo que
nela vivia, trabalhava ou era produzido. A Batalha
do Ruhr
[março a julho 1942], o projeto dos trezentos metros de precisão
estabelecidos em [conferência de] Casablanca,
causou a morte de 21 mil pessoas. as cidades incendiadas, Düsseldorf,
Krefeld, Remscheid e Wuppertal, registraram, cada qual, milhares de
óbitos. Após o último ataque da campanha, na noite de 30 para 31
de julho, 11 mil das 14 mil casas de Remscheid haviam sido destruídas
ou danificadas; 273 aeronaves tinham aniquilado 83 por cento da
superfície de uma cidade com 95 mil habitantes. Silenciadas pelas
fitas de estanho, as guarnições da artilharia antiaérea viram, de
longe, a cidade ser consumida pelas chamas. Ao soar o final do
alerta, às 22h45, a multidão abandonou os porões, deparando-se com
um panorama de ruínas no qual ainda não era possível avaliar o
grau da destruição. O material combustível não concluíra a sua
tarefa, e a cidade continuava envolta pelas chamas, uma hora e meia
após a saída do Comando de Bombardeiros.
As notícias publicadas na
imprensa britânica, como a manchete do Times
de 23 de junho de 1943, ‘Bombardeiros
noturnos dizimam Krefeld’,
desmentiam as informações do governo sobre os objetivos
bombardeados. A cidade teria sido alvo de cinco bombas de quatro
toneladas por minuto, durante três quartos de hora, e a fumaça
negra que a encobria teria quilômetros de extensão e até 4.500
metros de altura. No dia seguinte, os leitores já sabiam que a
destruição não dizia respeito a alvos, mas sim a cidades.
No âmbito do Comando de
Bombardeiros, os fatos eram tratados de forma nua e crua. No
Immediate
Assessment of Damage,
o relatório de danos produzido logo após a análise das fotos, o
balanço do ataque a Krefeld em 22 de junho de 1943 registrava 25 mil
casas destruídas, 87 mil pessoas desabrigadas e 1.450 mortas, sendo
850 por bombas de fragmentação e seiscentas por bombas
incendiárias. As baixas deviam-se, indiscutivelmente, ao sucesso da
operação. Os cálculos eram exagerados, chegando a causar espanto,
por suas dimensões. Naquela noite, Krefeld perdeu 1.056 habitantes,
e o incêndio consumiu totalmente uma superfície de 3,75 quilômetros
quadrados, reduzindo a cinzas 47 por cento da área construída. ”
pp. 93-94
Fonte:
FRIEDRICH, Jörg. O
Incêndio.
[Der Brand]
Trad. Roberto Rodrigues. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.
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