Discurso
de Thomas Mann
BBC
Discursos
contra Hitler
15
de janeiro de 1943
Ouvintes
alemães!
Vai
começar o jubileu sombrio: dez anos de nacional-socialismo. O que
esses anos trouxeram ao povo alemão? Só há uma resposta, uma
resposta que diz tudo: a guerra, essa guerra, tal como a vemos hoje e
tal como terminará para o povo alemão. A guerra de Hitler, que mata
os filhos de vocês aos milhões e vai fazer do continente –
incluindo a Alemanha – um deserto. Esse é o único fato que
podemos mencionar quando somos perguntados pelos acontecimentos dessa
década. Tudo, desde o começo, apontava para essa guerra, tudo
caminhava em sua direção. Todo o resto, seja qual for seu nome
mentiroso, a começar pelo próprio nome mentiroso do movimento
nacional-socialista, nada mais era que preparação e restauração
sistemática para a aventura sem saída dessa guerra que o líder de
vocês certamente imaginou de forma diferente da que se vê agora:
uma batalha desesperadora em que a Alemanha tem de acumular um crime
inexpiável atrás de outro e cujas consequências físicas e morais
ela terá de pagar ninguém sabe por quanto tempo.
Todos
os pretensos ganhos que o regime conquistou para a Alemanha mostram
seu verdadeiro rosto sob a luz desse resultado. Eles se provaram
absurdos, mesmo para aqueles que desgraçadamente alguma vez viram aí
outra coisa que não fraude, loucura e infâmia. Diz-se que Hitler
libertou a Alemanha do desemprego. Sim – através do armamento para
a guerra. Nacional-socialismo: ou seja, a solução das questões
sociais através da guerra. Diz-se que ele unificou a Alemanha como
nunca antes e concretizou o socialismo na medida em que criou uma
comunidade popular. Essa comunidade popular era a ditadura da plebe,
um horrível terror partidarista que trouxe consigo devastação
moral, deterioração humana, violação da consciência, destruição
dos laços naturais e mais respeitáveis, como nunca antes um povo
vivenciou, e que se amparou em tudo, menos naquilo que é bom no ser
humano. Hoje, o aspecto dessa comunidade popular é tal que 700 mil
pretorianos pesadamente armados precisam manter sob controle não só
o povo ávido por paz, mas também o extenuado Exército Popular.
E
o socialismo? Ele é o enriquecimento dos próprios bonzos, a
transformação do Partido Nazista em um enorme conglomerado
econômico, gordo como Göring. Ele consiste, além disso, na
estimulante instituição da “Força pela Alegria”, isto é, no
transporte de massas de trabalhadores destituídos de seus direitos
para belas regiões. Mas o nacional-socialismo não limpou o país da
corrupção republicana e não recuperou a Alemanha da vergonha e da
ignomínia aos olhos do mundo, restaurando sua honra? Não há uma só
criança na Alemanha que não saiba que, comparadas à corrupção
revoltante do domínio nazista, as pequenas inépcias morais da
República, infladas por processos imprudentes, eram a própria
inocência.
E
a honra alemã? A dignidade da ciência foi arruinada, todo e
qualquer sentimento de justiça pisoteado, o juiz alemão reduzido a
um moleque de recados do Partido, a palavra alemã transformada em
deboche através de quebras de acordo e promessas rasgadas, através
da infame concepção da política como uma esfera do absoluto
cinismo; o nome da Alemanha foi transformado na quintessência de
todo o terror, de toda vicejante avidez pelo roubo, de toda crueldade
vergonhosa, de toda violência sem compaixão, de maneira que a
memória dos povos quanto a tudo aquilo de bom, grande e digno de ser
amado que o espírito alemão trouxe outrora à humanidade ameaça
sucumbir em um mar de ódio, cujas ondas que avançam impetuosas
vocês tentam deter com um esforço desesperado, com “Força pelo
Medo”, para não serem por elas tragados. É essa a honra alemã
recuperada. É esse o balanço de dez anos de nacional-socialismo. E
eu estou contente por me serem dados apenas cinco ou seis minutos
para fazê-lo. A história será mais minuciosa.”
pp.
123-125
Fonte:
MANN, Thomas.
Ouvintes Alemães! Discursos contra Hitler (1940-1945).
Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
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