segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Stalingrado 1942-1943 - o VI Exército alemão é cercado e derrotado




Stalingrado / 1942-1943

O VI Exército alemão é cercado e derrotado

A notícia espalhou-se rapidamente pelo lado alemão com a frase: “Estamos cercados!” Aquele domingo, 22 de novembro, era o dia de finados para os protestantes. “Um sombrio Totensonntag 1942”, escreveu Kurt Reuber, sacerdote servindo como médico na 16ª Divisão de panzers, “preocupação, medo e horror.” Muitos, contudo, não ficaram demasiado preocupados ao ouvirem pela primeira vez a noticia. Cercos haviam ocorrido, e sido rompidos, no inverno anterior, porém os oficiais mais vem-informados, após refletir melhor, começaram a perceber que desta vez não havia mais reservas para socorrê-los logo.

-Ficamos muito conscientes do perigo em que nos encontrávamos – lembrou Freytag-Loringhoven [capitão, comandante de esquadrão] -, isolados em tão grande profundidade na Rússia, na fronteira da Ásia.

Quase sessenta e cinco quilômetros a oeste, o último bolsão de resistência romena chegava ao fim, embora nas primeiras horas daquele dia o general Lascar rejeitasse a exigência de render-se do Exército Vermelho. “Continuaremos a lutar sem pensar em nos entregar”, declarou, mas suas tropas, embora resistissem bravamente, ficaram sem suprimentos e munição. ”
p. 293-94

A retirada alemã a leste do Don , de volta para Stalingrado e longe do resto da Wehrmacht, foi em muitos aspectos pior que a retirada diante das portas de Moscou, em dezembro anterior. A neve fina, pesada e seca lançava-se pela estepe, açoitando-lhes o rosto, por mais que levantassem a gola para proteger-se do frio. Apesar das amargas lições do ano anterior, muitos soldados ainda não haviam recebido uniformes de inverno. As linhas de retirada estavam cobertas de armas, capacetes e equipamento abandonados. [...] de vez em quando, havia ondas de pânico, com gritos de ‘Tanques russos!’. O 16º corpo de Tanques soviético atacava a 76ª Divisão de Infantaria em direção a Vertiachi, ameaçando isolar as unidades alemãs deixadas a oeste do Don.” p. 296

O triunfo não suavizou a atitude dos homens do Exército Vermelho para com o inimigo. “sinto-me muito melhor porque começamos a destruir os alemães”, escreveu um soldado à mulher em 26 de novembro. “Foi o momento em que começamos a golpear as cobras. Estamos capturando muitas. Mal temos tempo para passá-los a campos de prisioneiros. Agora eles começaram a pagar pelo nosso sangue e pelas lágrimas do nosso povo, pelos insultos e pelo roubo. Recebi uniforme de inverno, portanto não se preocupe comigo. As coisas vão bem aqui. Logo estarei em casa após a vitória. Mando 500 rublos.” Os hospitalizados, que se recuperavam de ferimentos recebidos antes, lamentavam amargamente perder o combate. “As batalhas são fortes e boas agora”, escreveu um soldado russo à mulher, “e eu aqui deitado, perdendo tudo isso.” “ pp. 300-01

Paulus [comandante do VI Exército alemão], após o estudo da campanha de 1812, ficou, claro, obcecado com a visão da desintegração do seu exército fragmentado, quando tentasse escapar pela estepe coberta de neve. Não queria entrar na história como o general responsável pelo maior desastre militar de todos os tempos. Jamais celebrizado pela independência de pensamento, também deve ter sido tomado pela natural tentação de acatar decisões política e estrategicamente perigosas, agora que sabia que o marechal-de-campo von Manstein ia em breve assumir o comando. Mas Manstein, sem poder vir do norte de avião por causa do mau tempo, achava-se emperrado no trem do seu quartel-general, atrasado por ação de partisans [guerrilheiros anti-nazistas].” p. 307

Às dez e quinze daquela noite [22 de novembro], Paulus recebeu uma mensagem de rádio do Führer [o ditador nazista]. “O Sexto Exército está temporariamente cercado por forças russas. Conheço o Sexto Exército e seu comandante-em-chefe e não tenho a menor dúvida de que nessa situação difícil resistirão bravamente. O Sexto Exército precisa saber que estou fazendo tudo para aliviá-los. Enviarei minhas instruções a tempo. Adolf Hitler.” Paulus e Schmidt, convencidos de que apesar dessa mensagem, Hitler logo cairia em si, começaram a preparar planos para uma retirada à força para o sudoeste.” p. 309

Hitler deu rigorosas instruções para que se escondesse do povo alemão a notícia do cerco. Em 22 de novembro, o comunicado admitia que houvera um ataque na frente norte. No dia seguinte, logo após o cerco completo do Sexto Exército, informaram-se apenas os contra-ataques e as baixas inimigas. Um anúncio posterior dava a impressão de que os ataques soviéticos haviam sido revidados com intensas baixas. Por fim, em 8 de dezembro, três semanas após o ocorrido, ficou-se sabendo que também houvera um ataque ao sul de Stalingrado, mas ainda sem nenhuma insinuação de que o Sexto Exército fora isolado. Manteve-se a ficção até janeiro com a fórmula vaga ‘as tropas na área de Stalingrado’.” p. 314

Com o Sexto exército reduzido a condições muito semelhantes às da Primeira Guerra Mundial, os soldados mais velhos viram-se lembrando a existência da Frente Ocidental e seu humor negro. Após o frio de meados de novembro, instalou-se um úmido período de degelo, com o ‘general Lama’ reaparecendo brevemente perante o ‘general Inverno’. [...]” p. 323

Muitos soldados ainda não tinham recebido enxoval de inverno adequado antes do cerco, por isso recorriam à improvisação com variado grau de sucesso. Sob os uniformes, um número cada vez maior usava peças de uniforme soviético – camisas tipo túnica sem botão, calças e as muito valorizadas jaquetas acolchoadas. Nas geadas intensas, um capacete de aço tornava-se quase um compartimento de freezer, por isso eles punham perneiras, cachecóis e até ataduras de pé russas enroladas em volta da cabeça como vedação. O desespero por luvas levou-os a matar vira-latas para esfolá-los. Alguns chegaram mesmo a tentar fazer túnicas de couro de cavalo curado por processos amadorísticos, mas a maioria dessas peças ficava desconfortavelmente grosseira, a não ser quando se subornava um antigo fabricante de selas ou sapateiro para ajudar.” p. 325

Stalin, enquanto isso, estivera esperando um segundo golpe decisivo, quase logo depois do cerco ao Sexto Exército. A Operação Urano fora considerada na Stavka a primeira parte de uma estratégia de mestre. A segunda, e mais ambiciosa fase, seria a Operação Saturno. Estabelecia uma ofensiva repentina pelos exércitos das Frentes Sudoeste e Voronej, esmagando todo o Oitavo Exército italiano a fim de avançar pelo sul para Rostov. A ideia era isolar o resto do Grupo do Exército do Don e cercar o Primeiro Exército de panzers e o 17ª Exército no Cáucaso.” pp. 334-35

Também em 3 de dezembro, Hoth [general alemão] apresentou sua proposta para a ‘Tempestade de Inverno’, que assim começava: ‘Intenção: Quarto Exército de panzer alivia o Sexto Exército’, mas perdeu-se valioso tempo. A 17ª Divisão de panzers, que completaria sua força de ataque, fora mantida recuada por ordens do quartel-general do Führer, como uma reserva atrás do Oitavo Exército italiano. No fim, só conseguiu juntar-se à força de Hoth quatro dias depois do início da operação. No entanto, Hitler insistiu em que não se perdesse mais tempo. Também ficou impaciente por descobrir como se desempenharia o tanque Tigre, com seu canhão de 88 mm. O primeiro batalhão a ser formado avançara às pressas para Ostfront e somou-se à força de Kirchner. No entardecer de 10 de dezembro, os comandantes receberam a ‘Ordem para o Ataque de Socorro a Stalingrado’.

Em 12 de dezembro, após um breve bombardeio de artilharia, os panzers de Hoth atacaram ao norte. Os soldados alemães dentro do Kessel [bolsão] ouviram ansiosos o barulho do combate distante. A confiança parecia sem limites. Rumores exaltados circularam pelo Sexto Exército.

-Manstein está chegando! [der Manstein kommt!] – diziam os soldados uns aos outros, quase como a saudação de Páscoa da Igreja ortodoxa.
Para os leais ao Führer, os distantes tiros de canhões eram a prova de que o Führer sempre cumpria a palavra.

Hitler, contudo, não tinha a menor intenção de permitir que o Sexto Exército rompesse o cerco. Em sua conferência do meio-dia na Wolfsschanze [Covil do lobo], disse a Zeitzler [ oficial do Q-G] que era impossível retirar-se de Stalingrado, porque isso implicava sacrificar ‘todo o sentido da campanha’, e afirmou que já se derramara sangue demais. Como [o general] Kluge advertira Manstein, ele continuava obcecado com os acontecimentos do inverno anterior e sua ordem ao Grupo Centro do Exército que aguentasse. ‘Assim que uma unidade se põe a fugir’, pregou um sermão ao chefe do estado-maior do exército, ‘os compromissos de lei e ordem logo desaparecem no curso da fuga.’ “ pp. 339-40


Em 16 de dezembro, transcorridos apenas quatro dias da ofensiva de Hoth, os 1º e 3º Exércitos da Guarda, além do 6º Exército soviético, mais acima no Don, atacaram pelo sul. Retardada pelo nevoeiro denso e glacial, com suas formações de tanque avançando às cegas em campos minados, a operação soviética não deu a partida com bom início. Contudo em dois dias o Oitavo Exército italiano desabara após alguns atos de feroz resistência. Não havia nenhuma reserva com que contra-atacar, agora que a 17ª Divisão de panzers se juntara à operação de Hoth a leste do Don, por isso as colunas de tanques soviéticas irromperam ao sul na estepe aberta e coberta de neve. O grande congelamento da região, iniciado em 16 de dezembro, pouco contribuiu para diminuir a velocidade das brigadas de T-34, que avançavam causando violentos distúrbios na retaguarda do Grupo do Exército do Don. Os entroncamentos e as estações ferroviários foram capturados logo depois que as tropas alemãs, antes de fugirem, atearam intenso fogo nos vagões cheios de equipamento.” p. 342

O primeiro cerco de um grande exército alemão encurralado longe de casa, com ordens de manter-se firme e no fim abandonado à sua sorte, criou, claro, um intenso debate com o passar dos anos. Muitos participantes e historiadores alemães culparam Paulus por não ter desobedecido às ordens e rompido o cerco. Mas se havia alguém em posição de dar a Paulus, privado de informação vital, uma ideia sobre a questão, este deveria ser seu superior imediato, o marechal-de-campo von Manstein.

Pode-se servir a dois senhores?”, anotou Strecker quando Hitler rejeitou a Operação Trovão, o plano de romper o cerco para acompanhar a Operação Tempestade de Inverno. Mas i Exército alemão só tinha um único senhor. O comportamento servil, desde 1933, da maioria dos oficiais superiores deixara-o ao mesmo tempo desonrado e impotente em termos políticos. De fato, o desastre e a humilhação de Stalingrado foram o preço que o exército teve de pagar por seus arrogantes anos de privilégio e prestígio sob a cobertura de proteção nacional-socialista. Não havia escolha alguma de senhor, além de juntar-se ao grupo em torno de Henning von Tresckow e Stauffenberg [grupo de conspiradores no Exército que desencadearam a Operação Valkyrie em julho de 1944, e foram mal sucedidos].

Muito tempo tem sido gasto no debate sobre se era factível uma ruptura de cerco na segunda metade de dezembro, embora até os comandantes de panzers admitissem que ‘as chances de uma ruptura bem-sucedida diminuíam com o passar de cada semana”. A infantaria tinha menos ilusões ainda. [...]” pp. 351-52


Cedo na manhã de 3 de janeiro, Paulus foi à 44ª Divisão de Infantaria, ‘acompanhar as transmissões de rádio feitas por prisioneiros da 44ª Divisão de Infantaria’. Eles haviam falado da escassez de comida e munição e das pesadas baixas, ‘O comandante-em-chefe’, afirmou o comunicado do Sexto Exército, ‘queria que se fizessem advertências sobre as consequências da participação nessas transmissões. Todos os soldados que fizessem isso deviam compreender que seus nomes seriam conhecidos e que eles enfrentariam uma corte marcial. ‘Durante o encontro de Paulus com o general-de-divisão Deboi, houve outro ‘intenso ataque com tanques’.” p. 363

A tensão das tripulações aéreas da Luftwaffe era intensa. ‘AS tripulações jovens e inexperientes ficavam terrivelmente abaladas’ com as cenas em Pitomnik, acima de tudo com a infeliz condição dos feridos ao lado da pista à espera de evacuação e com as pilhas de cadáveres congelados ali deixados pelo hospital de campanha porque o terreno estava congelado demais para enterrá-los.” p. 380

O general Hube, quando retornou ao Kessel [bolsão] em 9 de janeiro, véspera da ofensiva soviética, disse a Paulus e Schmidt que Hitler simplesmente se recusava a aceitar a possibilidade de derrota em Stalingrado. Não ouvia seu relato sobre as condições no Kessel e, em vez disso, tentara convencê-lo de que uma segunda tentativa de socorro bem poderia se apresentar.” p. 389

Embora Hube fosse um dos comandantes preferidos de Hitler, sua evidente crença de que o Sexto Exército estava condenado apenas confirmava a desconfiança de Hitler de que todos os generais se achavam contagiados pelo pessimismo. Paulus reconheceu isso. Chegou à conclusão de que só um jovem guerreiro altamente condecorado poderia atrair as ideias românticas de Hitler e desse modo ficar em melhor posição de convencê-lo a ouvir a verdade.” pp. 389-90

O Führer agora queria, fosse qual fosse o desfecho, um exemplo heroico para o povo alemão. Em 15 de janeiro, conferiu a Paulus as Folhas de Carvalho para sua Cruz de Cavaleiro e anunciou 178 outras importantes condecorações a membros do Sexto Exército. Muitos agraciados continuavam não reconhecendo como essas honras eram facas de dois gumes.” p. 395

A Operação Koltso, ou ‘Círculo’, começou no início de domingo, 10 de janeiro. Rokossovski e Voronov estavam no quartel-general do 65º Exército quando se deu a ordem de ‘Disparar!’ pelo rádio às 6:05h da manhã, horário alemão. Os canhões rugiram, saltando nas conteiras. Os foguetes Katiusha silvavam no céu, deixando densas trilhas de fumaça. As 7 mil peças de campanha, lançadores e morteiros continuaram durante cinquenta e cinco minutos no que Voronov descreveu como ‘um incessante estrondo de trovão’.” p. 402

A resistência do Sexto Exército, quando se leva em consideração sua fraqueza física e material, foi espantosa. A medida mais reveladora está nas baixas que infligiu durante os três primeiros dias. A Frente do Don perdeu 26 mil homens e mais da metade de sua força de tanques. Os comandantes soviéticos fizeram poucas tentativas de reduzir as baixas. Seus homens ofereciam alvos fáceis avançando na linha ampliada. Torrões marrons de mortos russos juncavam a estepe coberta de neve. (os uniformes de camuflagem brancos eram reservados sobretudo às companhias de reconhecimento e aos franco-atiradores). A raiva dos soldados e oficiais russos era descarregada em cima dos seus prisioneiros alemães, esqueléticos e infestados de piolhos. Alguns eram fuzilados ali mesmo. Outros morriam quando eram conduzidos marchando em pequenas colunas, e os soldados soviéticos pulverizavam-nos com fogos de metralhadora. Num caso, o comandante ferido de uma companhia shtraf [formadas por prisioneiros, geralmente presos políticos] obrigou um oficial alemão a ajoelhar-se diante dele na neve, gritou os motivos pelos quais ele queria vingança e deu-lhe um tiro.” p. 406


Mais sobre as companhias shtraf em


Fonte: BEEVOR, Antony. Stalingrado – O Cerco Fatal. Rio de Janeiro: Record, 2005.



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seleção: LdeM

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