Stalingrado
/ 1942-1943
O
VI Exército alemão é cercado e derrotado
“A
notícia espalhou-se rapidamente pelo lado alemão com a frase:
“Estamos cercados!” Aquele domingo, 22 de novembro, era o dia de
finados para os protestantes. “Um sombrio Totensonntag
1942”, escreveu Kurt Reuber, sacerdote servindo como médico na 16ª
Divisão de panzers, “preocupação, medo e horror.”
Muitos, contudo, não ficaram demasiado preocupados ao ouvirem pela
primeira vez a noticia. Cercos haviam ocorrido, e sido rompidos, no
inverno anterior, porém os oficiais mais vem-informados, após
refletir melhor, começaram a perceber que desta vez não havia mais
reservas para socorrê-los logo.
-Ficamos
muito conscientes do perigo em que nos encontrávamos – lembrou
Freytag-Loringhoven [capitão, comandante de esquadrão] -, isolados
em tão grande profundidade na Rússia, na fronteira da Ásia.
Quase
sessenta e cinco quilômetros a oeste, o último bolsão de
resistência romena chegava ao fim, embora nas primeiras horas
daquele dia o general Lascar rejeitasse a exigência de render-se do
Exército Vermelho. “Continuaremos a lutar sem pensar em nos
entregar”, declarou, mas suas tropas, embora resistissem
bravamente, ficaram sem suprimentos e munição. ”
p.
293-94
“A
retirada alemã a leste do Don , de volta para Stalingrado e longe do
resto da Wehrmacht, foi em muitos aspectos pior que a retirada
diante das portas de Moscou, em dezembro anterior. A neve fina,
pesada e seca lançava-se pela estepe, açoitando-lhes o rosto, por
mais que levantassem a gola para proteger-se do frio. Apesar das
amargas lições do ano anterior, muitos soldados ainda não haviam
recebido uniformes de inverno. As linhas de retirada estavam cobertas
de armas, capacetes e equipamento abandonados. [...] de vez em
quando, havia ondas de pânico, com gritos de ‘Tanques russos!’.
O 16º corpo de Tanques soviético atacava a 76ª Divisão de
Infantaria em direção a Vertiachi, ameaçando isolar as unidades
alemãs deixadas a oeste do Don.” p. 296
“O
triunfo não suavizou a atitude dos homens do Exército Vermelho para
com o inimigo. “sinto-me muito melhor porque começamos a destruir
os alemães”, escreveu um soldado à mulher em 26 de novembro. “Foi
o momento em que começamos a golpear as cobras. Estamos capturando
muitas. Mal temos tempo para passá-los a campos de prisioneiros.
Agora eles começaram a pagar pelo nosso sangue e pelas lágrimas do
nosso povo, pelos insultos e pelo roubo. Recebi uniforme de inverno,
portanto não se preocupe comigo. As coisas vão bem aqui. Logo
estarei em casa após a vitória. Mando 500 rublos.” Os
hospitalizados, que se recuperavam de ferimentos recebidos antes,
lamentavam amargamente perder o combate. “As batalhas são fortes e
boas agora”, escreveu um soldado russo à mulher, “e eu aqui
deitado, perdendo tudo isso.” “ pp. 300-01
“Paulus
[comandante do VI Exército alemão], após o estudo da
campanha de 1812, ficou, claro, obcecado com a visão da
desintegração do seu exército fragmentado, quando tentasse escapar
pela estepe coberta de neve. Não queria entrar na história como o
general responsável pelo maior desastre militar de todos os tempos.
Jamais celebrizado pela independência de pensamento, também deve
ter sido tomado pela natural tentação de acatar decisões política
e estrategicamente perigosas, agora que sabia que o marechal-de-campo
von Manstein ia em breve assumir o comando. Mas Manstein, sem poder
vir do norte de avião por causa do mau tempo, achava-se emperrado no
trem do seu quartel-general, atrasado por ação de partisans
[guerrilheiros anti-nazistas].” p. 307
“
Às dez e
quinze daquela noite [22 de novembro], Paulus recebeu uma mensagem de
rádio do Führer [o ditador nazista]. “O Sexto Exército
está temporariamente cercado por forças russas. Conheço o Sexto
Exército e seu comandante-em-chefe e não tenho a menor dúvida de
que nessa situação difícil resistirão bravamente. O Sexto
Exército precisa saber que estou fazendo tudo para aliviá-los.
Enviarei minhas instruções a tempo. Adolf Hitler.” Paulus e
Schmidt, convencidos de que apesar dessa mensagem, Hitler logo cairia
em si, começaram a preparar planos para uma retirada à força para
o sudoeste.” p. 309
“Hitler
deu rigorosas instruções para que se escondesse do povo alemão a
notícia do cerco. Em 22 de novembro, o comunicado admitia que
houvera um ataque na frente norte. No dia seguinte, logo após o
cerco completo do Sexto Exército, informaram-se apenas os
contra-ataques e as baixas inimigas. Um anúncio posterior dava a
impressão de que os ataques soviéticos haviam sido revidados com
intensas baixas. Por fim, em 8 de dezembro, três semanas após o
ocorrido, ficou-se sabendo que também houvera um ataque ao sul de
Stalingrado, mas ainda sem nenhuma insinuação de que o Sexto
Exército fora isolado. Manteve-se a ficção até janeiro com a
fórmula vaga ‘as tropas na área de Stalingrado’.” p. 314
“Com
o Sexto exército reduzido a condições muito semelhantes às da
Primeira Guerra Mundial, os soldados mais velhos viram-se lembrando a
existência da Frente Ocidental e seu humor negro. Após o frio de
meados de novembro, instalou-se um úmido período de degelo, com o
‘general Lama’ reaparecendo brevemente perante o ‘general
Inverno’. [...]” p. 323
“Muitos
soldados ainda não tinham recebido enxoval de inverno adequado antes
do cerco, por isso recorriam à improvisação com variado grau de
sucesso. Sob os uniformes, um número cada vez maior usava peças de
uniforme soviético – camisas tipo túnica sem botão, calças e as
muito valorizadas jaquetas acolchoadas. Nas geadas intensas, um
capacete de aço tornava-se quase um compartimento de freezer, por
isso eles punham perneiras, cachecóis e até ataduras de pé russas
enroladas em volta da cabeça como vedação. O desespero por luvas
levou-os a matar vira-latas para esfolá-los. Alguns chegaram mesmo a
tentar fazer túnicas de couro de cavalo curado por processos
amadorísticos, mas a maioria dessas peças ficava
desconfortavelmente grosseira, a não ser quando se subornava um
antigo fabricante de selas ou sapateiro para ajudar.” p. 325
“Stalin,
enquanto isso, estivera esperando um segundo golpe decisivo, quase
logo depois do cerco ao Sexto Exército. A Operação Urano
fora considerada na Stavka a primeira parte de uma estratégia de
mestre. A segunda, e mais ambiciosa fase, seria a Operação
Saturno. Estabelecia uma ofensiva repentina pelos exércitos das
Frentes Sudoeste e Voronej, esmagando todo o Oitavo Exército
italiano a fim de avançar pelo sul para Rostov. A ideia era isolar o
resto do Grupo do Exército do Don e cercar o Primeiro Exército de
panzers e o 17ª Exército no Cáucaso.” pp. 334-35
“Também
em 3 de dezembro, Hoth [general alemão] apresentou sua proposta para
a ‘Tempestade de Inverno’, que assim começava: ‘Intenção:
Quarto Exército de panzer alivia o Sexto Exército’, mas
perdeu-se valioso tempo. A 17ª Divisão de panzers, que
completaria sua força de ataque, fora mantida recuada por ordens do
quartel-general do Führer, como uma reserva atrás do Oitavo
Exército italiano. No fim, só conseguiu juntar-se à força de Hoth
quatro dias depois do início da operação. No entanto, Hitler
insistiu em que não se perdesse mais tempo. Também ficou impaciente
por descobrir como se desempenharia o tanque Tigre, com seu canhão
de 88 mm. O primeiro batalhão a ser formado avançara às pressas
para Ostfront e somou-se à força de Kirchner. No entardecer
de 10 de dezembro, os comandantes receberam a ‘Ordem para o Ataque
de Socorro a Stalingrado’.
Em
12 de dezembro, após um breve bombardeio de artilharia, os panzers
de Hoth atacaram ao norte. Os soldados alemães dentro do Kessel
[bolsão] ouviram ansiosos o barulho do combate distante. A confiança
parecia sem limites. Rumores exaltados circularam pelo Sexto
Exército.
-Manstein
está chegando! [der Manstein kommt!] – diziam os soldados
uns aos outros, quase como a saudação de Páscoa da Igreja
ortodoxa.
Para
os leais ao Führer, os distantes tiros de canhões eram a prova de
que o Führer sempre cumpria a palavra.
Hitler,
contudo, não tinha a menor intenção de permitir que o Sexto
Exército rompesse o cerco. Em sua conferência do meio-dia na
Wolfsschanze [Covil do lobo], disse a Zeitzler [ oficial do
Q-G] que era impossível retirar-se de Stalingrado, porque isso
implicava sacrificar ‘todo o sentido da campanha’, e afirmou que
já se derramara sangue demais. Como [o general] Kluge advertira
Manstein, ele continuava obcecado com os acontecimentos do inverno
anterior e sua ordem ao Grupo Centro do Exército que aguentasse.
‘Assim que uma unidade se põe a fugir’, pregou um sermão ao
chefe do estado-maior do exército, ‘os compromissos de lei e ordem
logo desaparecem no curso da fuga.’ “ pp. 339-40
“Em
16 de dezembro, transcorridos apenas quatro dias da ofensiva de Hoth,
os 1º e 3º Exércitos da Guarda, além do 6º Exército soviético,
mais acima no Don, atacaram pelo sul. Retardada pelo nevoeiro denso e
glacial, com suas formações de tanque avançando às cegas em
campos minados, a operação soviética não deu a partida com bom
início. Contudo em dois dias o Oitavo Exército italiano desabara
após alguns atos de feroz resistência. Não havia nenhuma reserva
com que contra-atacar, agora que a 17ª Divisão de panzers se
juntara à operação de Hoth a leste do Don, por isso as colunas de
tanques soviéticas irromperam ao sul na estepe aberta e coberta de
neve. O grande congelamento da região, iniciado em 16 de dezembro,
pouco contribuiu para diminuir a velocidade das brigadas de T-34, que
avançavam causando violentos distúrbios na retaguarda do Grupo do
Exército do Don. Os entroncamentos e as estações ferroviários
foram capturados logo depois que as tropas alemãs, antes de fugirem,
atearam intenso fogo nos vagões cheios de equipamento.” p. 342
“O
primeiro cerco de um grande exército alemão encurralado longe de
casa, com ordens de manter-se firme e no fim abandonado à sua sorte,
criou, claro, um intenso debate com o passar dos anos. Muitos
participantes e historiadores alemães culparam Paulus por não ter
desobedecido às ordens e rompido o cerco. Mas se havia alguém em
posição de dar a Paulus, privado de informação vital, uma ideia
sobre a questão, este deveria ser seu superior imediato, o
marechal-de-campo von Manstein.
“Pode-se
servir a dois senhores?”, anotou Strecker quando Hitler rejeitou a
Operação Trovão, o plano de romper o cerco para acompanhar
a Operação Tempestade de Inverno. Mas i Exército alemão só
tinha um único senhor. O comportamento servil, desde 1933, da
maioria dos oficiais superiores deixara-o ao mesmo tempo desonrado e
impotente em termos políticos. De fato, o desastre e a humilhação
de Stalingrado foram o preço que o exército teve de pagar por seus
arrogantes anos de privilégio e prestígio sob a cobertura de
proteção nacional-socialista. Não havia escolha alguma de senhor,
além de juntar-se ao grupo em torno de Henning von Tresckow e
Stauffenberg [grupo de conspiradores no Exército que desencadearam a
Operação Valkyrie em julho de 1944, e foram mal sucedidos].
Muito
tempo tem sido gasto no debate sobre se era factível uma ruptura de
cerco na segunda metade de dezembro, embora até os comandantes de
panzers admitissem que ‘as chances de uma ruptura
bem-sucedida diminuíam com o passar de cada semana”. A infantaria
tinha menos ilusões ainda. [...]” pp. 351-52
“Cedo
na manhã de 3 de janeiro, Paulus foi à 44ª Divisão de Infantaria,
‘acompanhar as transmissões de rádio feitas por prisioneiros da
44ª Divisão de Infantaria’. Eles haviam falado da escassez de
comida e munição e das pesadas baixas, ‘O comandante-em-chefe’,
afirmou o comunicado do Sexto Exército, ‘queria que se fizessem
advertências sobre as consequências da participação nessas
transmissões. Todos os soldados que fizessem isso deviam compreender
que seus nomes seriam conhecidos e que eles enfrentariam uma corte
marcial. ‘Durante o encontro de Paulus com o general-de-divisão
Deboi, houve outro ‘intenso ataque com tanques’.” p. 363
“A
tensão das tripulações aéreas da Luftwaffe era intensa.
‘AS tripulações jovens e inexperientes ficavam terrivelmente
abaladas’ com as cenas em Pitomnik, acima de tudo com a infeliz
condição dos feridos ao lado da pista à espera de evacuação e
com as pilhas de cadáveres congelados ali deixados pelo hospital de
campanha porque o terreno estava congelado demais para enterrá-los.”
p. 380
“O
general Hube, quando retornou ao Kessel [bolsão] em 9 de
janeiro, véspera da ofensiva soviética, disse a Paulus e Schmidt
que Hitler simplesmente se recusava a aceitar a possibilidade de
derrota em Stalingrado. Não ouvia seu relato sobre as condições no
Kessel e, em vez disso, tentara convencê-lo de que uma segunda
tentativa de socorro bem poderia se apresentar.” p. 389
“Embora
Hube fosse um dos comandantes preferidos de Hitler, sua evidente
crença de que o Sexto Exército estava condenado apenas confirmava a
desconfiança de Hitler de que todos os generais se achavam
contagiados pelo pessimismo. Paulus reconheceu isso. Chegou à
conclusão de que só um jovem guerreiro altamente condecorado
poderia atrair as ideias românticas de Hitler e desse modo ficar em
melhor posição de convencê-lo a ouvir a verdade.” pp. 389-90
“O
Führer agora queria, fosse qual fosse o desfecho, um exemplo heroico
para o povo alemão. Em 15 de janeiro, conferiu a Paulus as Folhas de
Carvalho para sua Cruz de Cavaleiro e anunciou 178 outras importantes
condecorações a membros do Sexto Exército. Muitos agraciados
continuavam não reconhecendo como essas honras eram facas de dois
gumes.” p. 395
“A
Operação Koltso, ou ‘Círculo’, começou no início de
domingo, 10 de janeiro. Rokossovski e Voronov estavam no
quartel-general do 65º Exército quando se deu a ordem de
‘Disparar!’ pelo rádio às 6:05h da manhã, horário alemão. Os
canhões rugiram, saltando nas conteiras. Os foguetes Katiusha
silvavam no céu, deixando densas trilhas de fumaça. As 7 mil peças
de campanha, lançadores e morteiros continuaram durante cinquenta e
cinco minutos no que Voronov descreveu como ‘um incessante estrondo
de trovão’.” p. 402
“A
resistência do Sexto Exército, quando se leva em consideração sua
fraqueza física e material, foi espantosa. A medida mais reveladora
está nas baixas que infligiu durante os três primeiros dias. A
Frente do Don perdeu 26 mil homens e mais da metade de sua força de
tanques. Os comandantes soviéticos fizeram poucas tentativas de
reduzir as baixas. Seus homens ofereciam alvos fáceis avançando na
linha ampliada. Torrões marrons de mortos russos juncavam a estepe
coberta de neve. (os uniformes de camuflagem brancos eram reservados
sobretudo às companhias de reconhecimento e aos franco-atiradores).
A raiva dos soldados e oficiais russos era descarregada em cima dos
seus prisioneiros alemães, esqueléticos e infestados de piolhos.
Alguns eram fuzilados ali mesmo. Outros morriam quando eram
conduzidos marchando em pequenas colunas, e os soldados soviéticos
pulverizavam-nos com fogos de metralhadora. Num caso, o comandante
ferido de uma companhia shtraf [formadas por prisioneiros,
geralmente presos políticos] obrigou um oficial alemão a
ajoelhar-se diante dele na neve, gritou os motivos pelos quais ele
queria vingança e deu-lhe um tiro.” p. 406
Mais
sobre as companhias shtraf em
Fonte:
BEEVOR, Antony. Stalingrado – O Cerco Fatal. Rio de Janeiro:
Record, 2005.
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seleção: LdeM