sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Stalingrado - ofensivas alemãs e reações russas


 

Batalha de Stalingrado

outubro – novembro / 1942

As últimas ofensivas alemãs
e a reação das forças soviéticas

(Cap. 11Traidores e Aliados)

Durante o início do outono de 1942, as autoridades do serviço secreto do Exército Vermelho tinham apenas uma vaga ideia da dependência da Wehrmacht dos 'Hiwis'diminutivo para 'Hilfswillige' ou ajudante voluntário. Embora alguns fossem voluntários autênticos, a maioria era de prisioneiros soviéticos de guerra, recrutados de campos para compensar faltas de efetivo humano, sobretudo como trabalhadores braçais, mas cada vez mais constantes em funções de combate.

O coronel Groscurth, chefe do estado-maior do XI Corpo do Exército na maior curva do Don, observou numa carta ao general Beck: 'É perturbador que sejamos obrigados a reforçar nossas tropas de combate com prisioneiros de guerra russos, que já estão sendo transformados em atiradores. É um estranho estado de coisas o fato de as 'feras' contra as quais temos lutado estarem agora vivendo conosco na mais íntima harmonia.' O Sexto Exército tinha mais de 50 mil auxiliares russos vinculados às suas divisões da linha de frente, representando mais de um quarto de sua força militar. As 71ª e 76ª divisões de infantaria tinham mais de 8 mil 'Hiwis' cada, aproximadamente o mesmo número de homens, como sua força militar total alemã em meados de novembro. (Não há nenhuma estimativa do número de Hiwis vinculados ao resto do Sexto Exército e outras formações subsidiárias, que, segundo algumas avaliações, elevariam o total para 70 mil.)

[…]

Muitas das chamadas unidades cossacas formadas para repressão antipartisan e na área da retaguarda, por ele [um prisioneiro sobrevivente] mencionadas, tinham uma alta proporção de ucranianos e russos. Hitler detestava a ideia de escravos Untermensch em uniformes alemães, por isso eles tiveram de ser redefinidos como cossacos, considerados aceitáveis em termos raciais. Isso refletia a divergência fundamental entre a hierarquia nazista, obcecada com a total subjugação dos eslavos, e os oficiais do exército profissional, que acreditavam que sua única esperança era agir como os libertadores da Rússia do comunismo. no outono de 1941, o serviço secreto do Exército alemão chegara à conclusão de que a Wehrmacht talvez não conseguisse vencer na Rússia, a não ser que transformasse a invasão numa outra guerra civil [em 1918-21, os combates entre soviéticos da Guarda Vermelha contra os monarquistas da Guarda Branca].
pp. 215-16


Para as autoridades soviéticas, a ideia de ex-soldados do Exército Vermelho servindo na Wehrmacht era profundamente perturbadora. Tiraram a conclusão precipitada de que os expurgos e o trabalho dos departamentos especiais não haviam sido nem de longe suficientes. O departamento político da Frente de Stalingrado e o NKVD ficaram obcecados com a utilização de Hiwis para se infiltrar e atacar as linhas soviéticas. 'Em algumas partes do front', informaram a Scherbakov, 'têm havido casos de ex-russos que usam uniformes do Exército Vermelho e penetram em nossas posições com a finalidade de reconhecimento e capturam os oficiais e soldados presos para interrogatório'. No setor da 38ª Divisão de Fuzileiros (64º Exército), na noite de 22 de setembro, uma patrulha de reconhecimento soviético encontrou-se por acaso com uma patrulha alemã. Os soldados do Exército Vermelho informaram ao retornar que havia pelo menos um 'ex-russo' com os alemães.

A expressão 'ex-russo' iria servir como sentença de morte para centenas de milhares de homens no decorrer dos três anos seguintes, quando a SMERSH se concentrou na questão da traição, tão próxima ao coração de Stalin. Ao extirpar sumariamente a identidade nacional dos adversários e desertores, a União Soviética tentava eliminar qualquer insinuação de insatisfação na Grande Guerra Patriótica.pp. 217-18


(Cap. 12Fortalezas de Escombros e Ferro)

'Stalingrado se tornará uma segunda Verdun?', escreveu o coronel Groscurth em 4 de outubro. o que nos perguntamos com grande preocupação.' Após o discurso de Hitler no Berlin Sportpalast quatro dias antes, afirmando que ninguém jamais os deslocaria de sua posição no Volga, Groscurth e outros sentiram que, fossem quais fossem as consequências, não se daria permissão ao Sexto Exército para interromper aquela batalha. 'Tornou-se até uma questão de prestígio entre Hitler e Stalin.'

O grande ataque alemão contra o distrito industrial no norte de Stalingrado começara com êxito em 27 de setembro, mas ao aproximar-se do fim do segundo dia, as divisões alemãs sabiam que ainda tinham pela frente os combates mais árduos. O complexo da Outubro Vermelho e a fábrica de armas Barrikadi haviam-se tornado fortalezas tão letais quanto as de Verdun. Mais perigosas ainda, porque os regimentos soviéticos se achavam muito bem escondidos.(p. 219)


Os ataques alemães intensificaram-se outubro adentro, sobretudo quando reforçados pela 94ª Infantaria e a 14ª Divisão de panzers, além de cinco batalhões de engenheiros de combate enviados especialmente para lá. Do lado soviético, as unidades encontravam-se fragmentadas e muitas vezes tiveram todas as comunicações avariadas, mas os indivíduos e grupos continuavam a combater sem ordens. [...](p. 221)


As travessas do Volga tornaram-se cada vez mais vulneráveis com a drástica redução do perímetro do 62º Exército. As baterias alemãs e mesmo as metralhadoras miravam nos pontos de desembarque. Um batalhão dos barqueiros de Iaroslavl construíra uma estreita ponte flutuante da ilha Zaitsevski até a margem ocidental. Isso permitiu a travessia durante a escuridão de uma constante corrente de transportadores, semelhante a formigas, com rações e munições. Seu pequeno tamanho reduzia o alvo, mas para os que trilhavam o caminho das pranchas em movimento contínuo, as granadas que explodiam nos dois lados do rio tornavam cada jornada apavorante. Os cargueiros ainda eram necessários para artigos maiores e mais pesados, além de evacuar os feridos. [...](p. 222)


Naquela segunda semana de outubro, fez-se uma calmaria no combate. Chikov desconfiou, corretamente, de que os alemães preparavam um ataque ainda maior, na certa com reforços.

Paulus sofria tanta pressão de Hitler quanto Chuikov de Talin. Em 8 de outubro, o Grupo B do Exército, por ordens do quartel-general do Führer, instruíra o Sexto Exército a preparar outra importante ofensiva contra o norte de Stalingrado, a começar, no mais tardar, em 14 de outubro. Paulus e o estado-maior do seu quartel-general ficaram desanimados com as perdas sofridas. [...](p. 224)

ÀS 6:00h da manhã da segunda-feira, 14 de outubro, começou a ofensiva do Sexto Exército numa linha de frente estreita, usando todos os Stukas disponíveis da Quarta Frota Aérea do general von Richthofen. 'todo o céu ficou coalhado de aviões', escreveu um soldado da 389ª Divisão de Infantaria à espera de ir para o ataque, 'cada canhão antiaéreo disparando, bombas caindo estrondosas, aeronaves se espatifando, uma enorme obra teatral que acompanhávamos das nossas trincheiras com sentimentos muito contraditórios.' A artilharia e o fogo de morteiro alemães despedaçavam-se em abrigos subterrâneos, e os projetis de fósforo ateavam fogo em qualquer remanescente de material combustível.

'O combate assumiu proporções monstruosas, além de toda possibilidade de avaliação', escreveu um dos oficiais de Chuikov. 'Os homens nas trincheiras de comunicação tropeçavam e caíam como num convés de navio durante uma tempestade.' Os comissários sentiam que visivelmente uma urgência de tornar-se poéticos. 'Aqueles entre nós que viram o céu escuro de Stalingrado naqueles dias', escreveu Dobronin a Scherbakov em Moscou, 'jamais o esquecerão. É ameaçador e severo, com chamas purpúreas lambendo o céu.' “ (p. 225)


Durante os seis dias de combate desde 14 de outubro, a Luftwaffe manteve postos de força aérea atacando travessias de rio e tropas. Raro era o m,omento em que não se ouviam aeronaves alemãs sobrevoando. 'A ajuda da nossa força de caças é necessária', observou o departamento político da Frente de Stalingrado numa crítica em código à aviação do Exército Vermelho transmitida a Moscou. Na verdade, o Exército Aéreo estava reduzido a menos de 200 aparelhos de todos os tipos, dos quais apenas uma dezena era de caças. Mas mesmo os pilotos da Luftwaffe compartilhavam a desconfiança cada vez maior das tropas de terra de que os defensores russos de Stalingrado talvez acabassem se revelando invencíveis. [...](p. 228)

Uma forma de repressão política no Exército Vermelho na verdade vinha relaxando nessa época. Stalin, numa deliberada política de levantar o moral, anunciara a introdução de condecorações com um sabor decididamente reacionário, como as Ordens de Kutuzov e Suvorov. Mas sua reforma mais aberta, anunciada em 9 de outubro, foi o Decreto 307, que restabelecia o comando único. Os comissários foram rebaixados a uma função conselheira e 'educacional'.

[…]

As principais condecorações comunistasHerói da união Soviética, Ordem da Bandeira Vermelha, Ordem da Estrela Vermelhacontinuavam sendo, claro, levadas muito a sério pelas autoridades políticas, embora a Estrela Vermelha se houvesse tornado uma espécie de ração stakhanovista, concedida a todo homem que destruísse um tanque alemão. [...]

pp. 234-35

De fato, as verdadeiras estrelas stakhanovistas do 62º Exército não eram os destruidores de tanques, mas os franco-atiradores. Lançou-se um novo culto de 'franco-atiradorismo' e, com a aproximação do vigésimo quinto aniversário da Revolução de Outubro, a propaganda que envolvia essa arte negra se tornou frenética, com 'uma nova onda de competição socialista pelo maior número de Fritzes mortos'. Um 'franco-atirador' ao alcançar quarenta mortes recebia a medalha 'Por Bravura' e o título de 'Nobre Franco-atirador'.(p. 236)


(Cap. 13 – O Último Ataque de Paulus)


Em 8 de novembro, o dia seguinte ao aniversário da revolução, Hitler fez um longo discurso na Bürgerbraukeller em Munique, para os 'Velhos Combatentes' nazistas.

-Eu queria chegar ao Volgadeclarou com forte ironia -, para ser preciso, a um determinado lugar, a uma determinada cidade. Por acaso, tem o nome do próprio Stalin. Mas não pensem que marchei até por esse motivo, foi porque ela ocupa uma posição muito importante... Eu queria capturá-la e, como vocês devem saber, estamos muito contentes, praticamente a tomamos! faltam pequenos pedaços. Alguns dizem: 'Por que não combatem mais rápido?' Por que não quero uma segunda Verdun e prefiro, em vez disso, fazer o trabalho com pequenos grupos de assalto. O tempo não tem a menor importância. Não serão mais embarcados navios pelo Volga. E este é o ponto decisivo!

Seu discurso classificava-se entre os maiores exemplos de arrogância da história. O Afrikakorps se retirava de Alamein pela Líbia adentro, e as forças anglo-americanas haviam acabado de desembarcar ao longo da costa africana, na Operação Tocha. Ribbentrop aproveitou a oportunidade para sugerir uma negociação com Stalin por meio da embaixada soviética em Estocolmo.

-Hitler recusou sem rodeiosobservou seu ajudante da Luftwaffe. -Disse que um momento de fraqueza não é a hora certa de lidar com um inimigo.

As insensatas bazófias sobre Stalingrado que se seguiram a essa recusa não eram apenas reféns do destino: iriam acuá-lo numa condenação ao desastre. O demagogo político agrilhoara o senhor da guerra. Logo se confirmariam os piores temores de Ribbentrop na véspera da Barbarossa [em 22 de junho de 1941].” (pp. 248-49)


Em Stalingrado, o verdadeiro inverno chegou no dia seguinte, com a temperatura caindo para dezoito graus centígrados negativos. O Volga, que devido ao seu tamanho era um dos últimos rios da Rússia a congelar, começou a ficar inavegável. 'As banquisas de gelo colidem, desfazem-se e trituram-se umas às outras', escreveu Grossman, 'e pode-se ouvir o som vergastante, como de areias movediças, de uma grande distância da margem', um sinistro som para os soldados na cidade.(p. 249)


fonte: BEEVOR, Antony. Stalingrado. O Cerco Fatal. Trad. Alda Porto. Record, 2005.


more info

Operação Barbarossa

Afrikakorps em retirada

Operação Tocha

sobre a SMERSH

fotos

filme russo
the Battle of Stalingrad
(Сталинградская битва, 1949)



filme alemão
Stalingrad/ 1993


Enemy at the Gates / 2001



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