sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Relações do Papado com o Nazismo - continua 4




foto: Nuncio Cesare Orsenigo and Foreign Minister Ribbentrop




Relações do Papado com o Nazismo – continuação 4


fonte: CORNWELL, John. O Papa de HitlerA História Secreta de Pio XII.


O objetivo de Pacelli era claro desde o início. Não haveria mais tentativas de censurar e advertir os nazistas e fascistas. A política de apaziguamento, que ele caracterizou numa frase que ressoaria ao longo dos anos de guerra – 'o papa está trabalhando pela paz' – haveria de dominar a imagem pública das iniciativas do Vaticano. […]

Elevado, pontifical, o sermão [ a primeira homilia oficial como papa, em 9 de abril (1939)], não se aventurou além de abstrações e chavões. Dois dias antes, na sexta-feira santa, Mussolini invadira a Albânia, numa manobra para fortalecer o poderio italiano e prevenir as ameaças potenciais alemãs aos Balcãs. Pacelli não emitiu uma única palavra de protesto ou apoio. Seria isto um sinal da mais rigorosa neutralidade?

Apenas uma semana depois, numa transmissão da Rádio Vaticano para os fiéis espanhóis, Pacelli revelou como podia ser faccioso ao enaltecer Franco. Num discurso para os bispos espanhóis, ele convocou-os para se unirem numa 'política de promoção da paz', de acordo com 'os princípios ensinados pela Igreja e proclamados com tanta nobreza pelo generalíssimo: ou seja, justiça para o crime e benevolente generosidade para aqueles que foram induzidos ao erro'. Ele acrescentou, falando como 'um Pai', que tinha pena dos que foram 'desencaminhados por uma propaganda mentirosa e distorcida'. Duas semanas antes, ele enviara um telegrama de congratulações a Franco pela 'vitória católica' da Espanha. Fora uma vitória que custara meio milhão de vidas e ainda custaria muito mais.” pp. 253-54


Vésperas da Segunda Grande Guerra

A Inglaterra e a França avaliaram a sugestão de Pacelli para uma conferência de paz, durante a primeira semana de maio de 1939. apesar do sigilo do projeto, informações a respeito começaram a surgir na imprensa de paris, de Londres e até de um lugar tão distante quanto a nova Zelândia. Abruptamente, no dia 10 de maio, Pacelli retirou-se das negociações e o plano foi abandonado . A secretaria de Estado explicou o afastamento do papa aos núncios com a alegação de que não havia mais qualquer perigo de guerra. Segundo o historiador Owen Chadwick, foi Mussolini quem fez naufragar a ideia de uma conferência de paz, porque não queri encarar a França – com a qual o Duce tinha desavenças por causa de disputas territoriais na África do Norte – na presença da Inglaterra, Alemanha e Polônia. Em vez disso, Mussolini juntou-se a Ribbentrop na declaração de que as tensões internacionais haviam sido reduzidas. Em 7 de maio, os dois discutiram as preliminares para o 'Pacto de Aço', unindo a Itália e Alemanha para um beligerância conjunta. O acordo foi assinado em Berlim, em 22 de maio.

Ainda assim, Pacelli não desistiu do apaziguamento. Embora bastante abalado pelo pacto entre Mussolini e Hitler, em 4 de junho ele informou a Osborne, o ministro britânico no Vaticano, que estava disposto a agir sozinho como mediador para superar as divergências entre a Alemanha e a Polônia.” (pp. 259-60)


[...] No verão, os rumores de que Pacelli pressionaria os poloneses a fazerem concessões à Alemanha eram tão abundantes nos círculos diplomáticos europeus que Maglione [Luigi M., secretário de Estado da Santa Sé] sentiu-se compelido a divulgar uma negativa. […] Maglioni acrescentou que tinha garantias de que a Alemanha não atacaria a Polônia; sua única base para dizer isto, no entanto, era o próprio Hitler e o ministro do Exterior de Mussolini, conde Ciano.

E 22 de agosto, já era do conhecimento comum que a Alemanha estava prestes a assinar seu pacto com a Rússia: a guerra parecia inevitável. Poderia o papa, no último instante, usar sua influência e apelar para a razão? Sem dúvida, pensando no valor de propaganda, Halifax [ Lord H., diplomata britânico] assediou o papa, por meio de Osborne, a fazer uma pelo pelo rádio, condenando a violência e recomendando a paz. [...]” (p. 261)


Começa a Segunda Guerra Mundial

Em 1º de setembro de 1939 as tropas alemãs invadem a Polônia e ocupam o corredor polonês, a Pomerânia e a Silésia, e logo alcançam a capital Varsóvia. Em 17 de setembro são as tropas soviéticas que avançam e ocupam a parte leste.

A agonia da Polônia estava apenas começando. No final da guerra, além da transferência de populações inteiras, fome e repressão, cerca de seis milhões de pessoas morreriam ou sofreriam lesões físicas. Ao longo do mês de setembro, enquanto ponderava sobre as notícias assustadoras que chegavam da Polônia, com sua população de 35 milhões de almas, a maioria de católicos, Pacelli permaneceu em silêncio. O papa mantinha uma posição de neutralidade na esperança de poder exercer no futuro alguma influência como um supernegociador? Sentia-se preocupado com o impacto retaliatório que um protesto poderia provocar contra as populações católicas da Alemanha e da Polônia? Para os poloneses, não havia nada pior que Hitler pudesse lhes infligir. Para os britânicos e franceses , a falta de uma condenação categórica era desconcertante. O embaixador polonês no Vaticano sentia-se tão frustrado e tão determinado a fazer com que a Polônia usasse os serviços da Santa Fé para anunciar ao mundo o que acontecia em seu país, que persuadiu seu governo a enviar a Roma o primaz polonês, cardeal August Hlond. Ele chegou em 21 de setembro e foi recebido cordialmente por Pacelli. Mesmo assim, o pontífice recusou-se a falar em defesa da Polônia.” (p. 263)

[...] Dois dias depois, Pacelli recebeu um grupo de peregrinos poloneses, levados pelo cardeal Hlond. Falou com emoção, dizendo que previa a ressurreição do país, que se ergueria tal como Lázaro, que ressuscitara dos mortos.

Não era suficiente. Os peregrinos poloneses esperavam uma veemente condenação à Alemanha e à Rússia. Ficaram amargurados. Seu desapontamento ressoou clamoroso por Roma. [...” (p. 264)


Resistências contra o hitlerismo em expansão

Foi então que ocorreu algo extraordinário, no mais profundo sigilo, revelando que a motivação de Pacelli na maneira equívoca com que reagiu à agressão nazista na Polônia não era ditada nem por covardia nem por simpatia a Hitler. Em novembro de 1939, Pacelli envolveu-se, de uma forma central e perigosa, no que foi provavelmente a conspiração mais viável para depor Hitler durante a guerra. “ (p. 266)

Aqui o autor Cornwell se refere àqueles conspiradores que se celebrizaram em julho de 1944, com o Complô dos militares contra os líderes nazistas, com o desfecho da Operação Valquíria. Hans Oster e o general Ludwig Beck são citados. Os militares antinazistas solicitavam às potências ocidentais democráticas um apoio durante uma possível guerra civil quando a Alemanha seria uma nação vulnerável. Os alemães temiam um desmembramento da nação caso houvesse uma invasão franco-britânica. Pacelli pretendia agir junto aos líderes ocidentais no sentido de garantir uma 'paz honrosa'. Já em final de 1939 alguns envolvidos na conspiração conseguiam contatos entre agentes britânicos e membros do clero alemão.

As hesitações de Pacelli – ciente dos perigos de uma ação tão ousada – se estenderam até início de 1940, quando as tropas alemãs se preparavam para invadir a Escandinávia, e depois os Países Baixos (Holanda), Bélgica e França. Enquanto isso, o embaixador alemão nazista Ribbentrop fez uma visita ao Papa em Roma (11 de março) mais como uma forma de propaganda (a iludir os católicos alemães e desanimar o clero polonês). Pacelli precisaria se ariscar mais para apoiar os conspiradores – e evitar o avanço alemão para o ocidente europeu. Quando os fascistas italianos mostraram-se dispostos a entrarem na guerra, o papa tentou deter o Duce, elogiando sempre as 'iniciativas de paz'. Os fascistas 'linha dura' não hesitaram em reprimir a imprensa independente do Vaticano. Mussolini, então, ficou do lado dos alemães contra o papa.

Pacelli evitava irritar os nazi-fascistas e ao mesmo tempo desagradava os ocidentais democratas que esperavam condenações explícitas das brutalidades do Eixo em avanço nos campos de batalha e bombardeio de cidades. Ao irritar os fascistas, o papa passou a viver como um prisioneiro no Vaticano – incapaz de uma ação eficaz contra a guerra. Justo ele que se dizia um mensageiro da paz. A santa Sé estava sitiada, um território dentro do novo império italiano sonhado pelos fascistas. O que Pacelli mais temia era um bombardeio sobre a cidade de Roma – e assim a destruição de um patrimônio monumental insubstituível da 'Cidade Eterna' . “Para seus críticos, em outras palavras, ele [papa Pio XII] parecia pôr a preservação de Roma acima de todas as outras cidades da Europa enfrentando os horrores da blitzkrieg, deportações, torturas e até a Solução final. A questão do bombardeios de Roma, portanto, proporcionou credibilidade às acusações do silêncio culpado e da inércia de Pacelli em outros problemas durante a guerra.” (p. 277)

Pacelli fazia repetidos pedidos para que a 'cidade sagrada' de Roma fosse declarada 'cidade aberta', e os centros de governo e depósitos de armamentos dos exércitos fascistas fossem retirados da cidade. O que não resultou em sucesso. A guerra se prolongava e a qualquer momento a capital italiana poderia ser bombardeada por britânicos (e depois norte-americanos).

Nacionalistas croatas e o clero católico

Quando as forças alemãs invadiram os Balcãs – para apoiar os fascistas italianos em seus insucessos – os direitistas-racistas nacionalistas católicos do grupo croata Ustashe receberam apoio para a 'independência' da Croácia, iniciando para isso uma verdadeira campanha de 'limpeza étnica' contra os sérvios, os ortodoxos, os ciganos e judeus. As atrocidades croatas contra os sérvios foram estarrecedoras – assim como os crimes genocidas dos sérvios contra os bósnios e albaneses (entre 1992-1999), que revelam ódios étnicos ocultados durante o governo socialista de Tito (Josip Broz, 1892-1980).

Demoraria algum tempo para que a Santa Sé soubesse das atrocidades. Mas os detalhes do massacre dos sérvios e da virtual eliminação dos judeus e ciganos eram conhecidos desde o início pelo clero e pelo episcopado católico croata. Na verdade, o clero muitas vezes teve uma participação destacada.

A contagem final quase desafia a credibilidade. Pelos cálculos confiáveis mais recentes, 487.000 sérvios ortodoxos e 27.000 ciganos foram massacrados entre 1941 e 1945 no Estado Independente da Croácia. Além disso, cerca de 30.000 de uma população de 45.000 judeus foram mortos: de 20.000 a 25.000 nos campos de extermínio do Ustashe e outros 7.000 deportados para as câmaras de gás. Como foi possível que, apesar do relacionamento de poder autoritário entre o papado e a Igreja local – um relacionamento de poder que Pacelli se empenhara em consolidar - , não houvesse nenhuma tentativa do Vaticano para impedir as matanças, as conversões forçadas, a apropriação de bens ortodoxos? Como foi possível, quando as atrocidades se tornaram do conhecimento de todos no Vaticano, como vamos demonstrar, que Pacelli não dissociasse no mesmo instante a Santa Sé das ações do Ustashe, condenando os criminosos?” (pp. 285-86)

Cumplicidade do clero e do papado com os fascistas, os nazistas, os falangistas (Espanha), o Ustashe (Croácia) mostra um outro lado da pregação de 'amor ao próximo', esvaziada diante das atrocidades. Crimes de guerra dos quais foram acusados os bolcheviques (soviéticos) e os anarquistas, em grande campanha de anti-propaganda do Vaticano. É inegável que os crimes de esquerdistas foram repulsivos, mas os crimes dos direitistas e pró-direitistas (os nacionalistas) foram terríveis , chocantes, mas nunca realmente denunciados e repudiados pelo Papa que se alegava ser o 'apóstolo da paz'.


fonte: CORNWELL, John. O Papa de HitlerA História Secreta de Pio XII.

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Mais info


Invasão da Albânia
07 abril 1939




o Pacto de Aço
22 maio 1939





Operação Valquíria
Atentado de 20 de julho de 1944




sobre as barbáries do Ustashe
(e o envolvimento do clero católico)



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