Contra-ataque
soviético cerca as tropas alemãs
“Em
quatro dias [19 a 23 de novembro], os russos haviam fechado o anel em
torno do IV Panzerarmee
e do VI Exército, com um total de vinte e duas divisões e cerca de
trezentos e trinta mil homens. Zhukov e outros membros da Stavka,
receando que forças do Eixo tentassem abrir caminho e saíssem da
armadilha, decidiram que a frente externa fosse aumentada em mais
cento e cinquenta quilômetros, a fim de impedir qualquer medida do
Alto Comando alemão tendente a socorrer as forças sitiadas.
Von
Paulus [marechal alemão] recebeu ordens estritas no sentido de
permanecer onde estava e lutar, enquanto o Alto Comando alemão
planejava o socorro ao VI Exército. O Marechal von Manstein, a quem
foi dada a incumbência, declarou que, naqueles dias críticos do
final de novembro, os russos poderiam ter destruído completamente o
VI Exército e o Grupo A de Exércitos, mediante rápida investida ao
longo do baixo Don, em Rostov.
[...]
“A
‘Operação
Koltso’
(Cerco) foi proposta à Stavka a 9 de dezembro e dois dias depois
foram seus membros informados, inclusive Zhukov, que o plano havia
sido reelaborado e expedida nova diretiva. A primeira fase da
operação se constituiria numa investida na direção de Basargino e
Voroponovo, objetivando destruir os grupos meridional e ocidental
alemães. A fase seguinte seria o assalto geral a oeste e noroeste de
Stalingrado, a ser executado pelas Frentes do Don e de Stalingrado. O
início da operação seria anunciado ao comando através de uma
ligação telefônica e esperava-se que a primeira fase estivesse
completa por volta de 23 de dezembro, o mais tardar.
[...]
“Quando
a investida de Mannstein [iniciada em 12 de dezembro] foi obrigada a
paralisar-se, ele e von Paulus viram um consolo no fato de as tropas
alemãs que se encontravam sitiadas estarem servindo a um fim útil,
isto é, atando ao terreno enorme massa de forças soviéticas. A
ponte aérea prometida por Hermann Göring, que se adequadamente
coordenada poderia abastecer a área até a primavera de 1943 –
quando, ao que se imaginava, seria novamente conquistada pelos
alemães – estava fracassando. A promessa de Göring de enviar 500
toneladas diárias de alimentos, combustíveis e munições
revelou-se otimista em excesso. Com efeito, em fins de dezembro,
pouco mais de uma centena de toneladas estava sendo entregue
diariamente. Já em meados de dezembro, as tropas, famintas,
começavam a matar os cavalos das divisões romenas, a fim de
conseguir alimento.
A
‘Operação
Koltso’
ganhou novo ímpeto e os russos mais e mais passaram a apertar o laço
em torno das sitiadas forças alemãs. Com a conquista do aeródromo
de Gumrak, o último elo de ligação dos sitiados com o mundo
exterior deixou de existir. O inverno estava, também, cobrando
dividendos muito elevados e, para aumentar a agonia das forças
sitiadas, irrompeu no seio delas uma epidemia de tifo. Assim mesmo,
von Paulus rejeitou, a 8 de janeiro, um ultimato para que se
rendesse, e a 22 desse mês o Exército Vermelho já havia empurrado
os alemães para os arrabaldes da cidade, encurralando o VI Exército
numa fatia de terreno de forma oval, com pouco mais de 16 quilômetros
de comprimento e 10 de largura, submetida a constante bombardeio por
parte da artilharia e da aviação.
Várias
unidades alemãs começaram a render-se, e no dia 31 de janeiro o
Exército Vermelho deu início à investida final, convergindo, de
todas as direções, para o centro de Stalingrado. No curso dessa
operação, o Marechal von Paulus foi feito prisioneiro, juntamente
com todo seu Estado-Maior. Enviado ao Q-G de Rokossovsky, von Paulus,
alto, ereto, ainda mantendo toda a dignidade, perfilou-se, em posição
de sentido, diante do marechal soviético. Ao lhe ser oferecida uma
xícara de chá, aceitou, agradecido. Durante a conversa que se
seguiu, von Paulus expressou a esperança de que os russos não o
obrigassem a responder a perguntas que pudessem implicar quebra de
juramento militar e seus captores prometeram que não o fariam.
Rokossovsky solicitou-lhe, então, que ordenasse a suas tropas que
cessassem a luta – sua desesperada resistência – mas von Paulus
retrucou, dizendo que, como prisioneiro de guerra, não estava mais
em condições de expedir ordens. Foi, então, conduzido para o
confinamento; a guerra, para ele, havia terminado.
Na
manhã de 1º de fevereiro, os soviéticos arrasaram as derradeiras
posições inimigas. “De meu posto de observação”, recordaria,
depois, Rokossovsky, “vimos um mar de obuses cobrir toda a área de
luta. Nossos aviões, por sua vez, despejaram, também, um tapete de
bombas sobre as últimas defesas alemãs. O canhoneiro durou algum
tempo e, quando terminou, vimos inúmeras bandeiras brancas surgir em
meio à terra revolta. Apareciam espontaneamente, contra o desejo do
comando alemão, e embora em alguns lugares houvesse rendição, em
outros, a luta prosseguia. Somente no dia seguinte, 2 de fevereiro, é
que os remanescentes do VI Exército passaram a render-se em massa e
a batalha de Stalingrado terminou de fato”.
Mais
de noventa mil homens foram feitos prisioneiros, inclusive um
marechal-de-campo e vinte e quatro generais. Muitos deles jamais
voltariam à Alemanha.
[...]
Quando
a batalha
de Stalingrado
terminou, Zhukov foi condecorado com a “Ordem de Suvorov”, de
Primeira Classe. Outros comandantes receberam condecorações de
menor importância. A 18 de janeiro de 1943, Zhukov foi elevado ao
posto de Marechal da União Soviética – o primeiro dos grandes
comandantes soviéticos da Segunda
Guerra Mundial
a receber tal honraria.”
pp.
107-110
Fonte:
CHANEY Jr, Otto Preston. Zhukov
– Marechal da União Soviética.
Rio de Janeiro: Renes, 1976
A
Rendição do VI Exército
“Em
16 de janeiro, logo após a captura de Pitomnik, o quartel-general do
Sexto Exército enviou um comunicado por sinal, queixando-se de que a
Luftwaffe
estava lançando suprimentos apenas com para-quedas.” p. 414
“Sempre
que os aviões da Luftwaffe
decolavam e partiam, os homens erguiam os olhos ansiosos, e
continuavam fitando o céu até bem depois de o minúsculo ponto
desaparecer. “Com o coração oprimido”, escreveu um soldado,
“acompanhávamos com o olhar o avião alemão e pensávamos em como
seria maravilhoso ir embora, sair daquele inferno em que tínhamos
sido abandonados.” Após a captura do campo de aviação de Gumrak
no início da manhã de 22 de janeiro, só um punhado de aviões
conseguira aterrissar na pequena faixa de pouso de Stalingradski. A
‘ponte aérea’, e assim a última linha de fuga, desmantelara.”
p. 425
“A
retirada da estepe, enquanto o Kessel
[bolsão] era esmagado pelos exércitos de Rokossovski, elevou o
número de alemães apinhados na cidade arruinada para 100 mil
homens. Muitos, embora não a maioria, sofriam de disenteria,
icterícia e outras doenças, as faces tingidas de um amarelo
esverdeado.”
[...]
“Regimento
e divisões ficaram totalmente sem propósito. A 14ª Divisão de
panzers
tinha menos de oitenta homens ainda em condições de combater. Mal
restara um único tanque ou arma pesada com munição. Numa situação
tão desesperadora como essa, a disciplina começava a
desintegrar-se. A resistência continuava em grande parte por medo de
vingança russa após a recusa de render-se de Paulus.” / pp.
427-28
“A
redução do bolsão sul continuava a toda velocidade. Em 30 de
janeiro, tropas soviéticas haviam penetrado no centro mesmo da
cidade. Nos porões, onde as concentrações de alemães se abrigavam
do frio e do fogo de artilharia, predominava um clima de desespero e
assustadora antecipação.”
[...]
“Muitos
homens ficaram desequilibrados pela tensão dos combates ou
alucinações por grave desnutrição. Os porões enchiam-se de
homens urrando em delírio.” / p. 433
A
Rendição
“O
marechal-de-campo Paulus, acompanhado pelo tenente Lev Beziminski do
serviço secreto do Exército Vermelho, foi levado do quartel-general
do 64º Exército, no carro do seu próprio estado-maior, ao
quartel-general da frente do Don, na periferia de Zavarikino, a uns
oitenta quilômetros de Stalingrado. Schmidt e Adam acompanhavam-nos
escoltados em outra viatura. Conduziram-nos aos alojamentos, outra
izba [cabana rural] de cinco paredes. Um destacamento da guarda
permanente, sob o tenente C. M. Bogomolov, aguardava-os. Os outros
'generais de Stalingrado' foram levados para um izba próxima, onde
eram vigiados pelo tenente Spektor e um pelotão.
Bogomolov
e seus homens, com entusiástica consciência do momento histórico,
olhavam fascinados os seus prisioneiros. O alto Paulus teve de
abaixar-se ao entrar. Seguindo o exemplo de Adam, abandonara o quepe
por um gorro de pele ushanka.
Ainda usava o uniforme de general. Paulus foi seguido pelo general
Schmidt e o coronel Adam, que impressionou os guardas com seu 'ótimo
domínio do russo'. O soldado motorista de Paulus chegou por último
carregando suas pesadas malas. O Mercedes do estado-maior foi logo
apropriado pelo general W. I. Kazakow, o comandante de artilharia do
front.
[..]
O
clima estava tenso na izba de Voronov quando o importante 'convidado'
chegou. O alto, magro, curvado Paulus oferecia uma figura cinzenta,
com seu uniforme 'cor de camundongo' e o rosto pálido de tensão
nervosa. Os cabelos estavam ficando grisalhos, e até a incipiente
barba estava preta e branca. [...]”
pp439-42
Os
comandante soviéticos exigem que Paulus envie um comunicado às
tropas do VI Exército para que deixem de resistências e finalmente
aceitem a rendição, afinal o próprio comandante acabara de se
render. Paulus hesita e recusa. Os soviéticos ameaçam, ou falam de
um 'ato humanitário', pois Paulus poderia evitar o massacre dos
soldados alemães.
“Hitler
soube das notícias na fortemente guardada Wolfsschanze embrenhada na
floresta da Prússia Oriental, lugar certa vez descrito pelo general
Jodl como um misto de mosteiro com campo de concentração. Não deu
um soco na mesa desta vez, mas baixou os olhos em silêncio para a
sopa.
A
voz e a raiva retornaram no dia seguinte. O marechal-de-campo Keitel
e os generais Jeschonnek, Jodl e Zeiztler foram todos convocados para
a conferência de meio-dia do Führer.
-Eles
se renderam lá formal e absolutamente – disse Hitler, com irada
descrença. - Senão, teriam cerrado fileiras, formado uma defesa com
obstáculos de arame farpado e atirado em si mesmos com a última
bala. Quando penso que uma mulher tem o orgulho de sair, trancar-se e
logo se matar só porque ouviu algumas observações ofensivas, não
posso ter o menor respeito por um soldado que tem medo disso e
prefere ir para o cativeiro.
[…]
Hitler
continuou voltando repetidas vezes ao fiasco de Paulus por não haver
se suicidado. Sem a menor dúvida, aquilo manchara inteiramente o
mito de Stalingrado em sua imaginação.” / p.
444
“A
manhã de 2 de fevereiro começou com um denso nevoeiro, depois
disperso pelo sol e um vento de açoite, levantando a neve
pulverizada. A notícia da rendição final espalhou-se pelo 62º
Exército, foguetes de sinalização foram disparados céu adentro
numa exibição de improviso. Os marinheiros da flotilha do Volga e
os soldados da margem esquerda atravessaram o gelo com formas de pão
e latas de comida para os civis que haviam ficado encurralados
durante cinco meses em porões e buracos.
Grupos
e indivíduos circulando nas redondezas abraçavam maravilhados os
que encontravam. As vozes saíam abrandadas no ar glacial. Não
faltavam pessoas na paisagem descolorida de ruínas, mas a cidade
parecia deserta e vazia. É improvável que o fim tenha sido
inesperado, ou mesmo repentino, mas os defensores russos achavam
difícil acreditar que terminara a batalha
de Stalingrado.
Quando pensavam nela e lembravam os mortos, sua própria
sobrevivência os espantava. De cada divisão enviada pelo Volga, não
mais que uma centena de homens sobreviveu. Em toda a campanha de
Stalingrado, o Exército Vermelho sofrera 1 milhão e 100 mil baixas,
das quais 485.751 haviam sido fatais.” / pp. 447-48
Fonte:
BEEVOR, Antony. Stalingrado
– O Cerco Fatal.
Rio de Janeiro: Record, 2005.
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