A Carta do Atlântico
“Em agosto de 1941, ocorreu um fato altamente dramático. O Presidente Roosevelt e Winston Churchill encontraram-se na Baía de Argentia ao largo da costa de Terra-Nova e ali redigiram o notável documento conhecido como a Carta do Atlântico. Em toda guerra, juntamente com problemas seriamente práticos que suscitam, um esforço, provavelmente um esforço necessário e inevitável, é feito para afirmar seu propósito em termos ideais e amplamente persuasivos. Há sempre perigo nessa atitude, pois é fácil suscitar falsas expectativas e sonhos grandiosos para o futuro. De outro lado, o instinto de dar a um grande esforço nacional o caráter de uma cruzada pela justiça e pela paz é, talvez, típico dos povos anglo-saxônicos. E pode-se dizer que é melhor fixar um alto padrão a ser atingido, mesmo se falhar, do que nunca fixar nenhum. De qualquer modo, foi isso que a Carta do Atlântico, redigida por dois grandes líderes, pretendeu fazer. Foi cuidadosamente redigida: não era propriamente um programa no sentido literal da palavra. Mas falava da libertação de povos oprimidos, de comércio mais livre, de colaboração econômica, de uma paz em que os homens pudessem 'viver em segurança e atravessar os mares e os oceanos sem constrangimentos', da redução eventual dos armamentos. Uma vez que os Estados Unidos não estavam ainda em guerra, foi um ato de notável audácia da parte do Presidente associar-se assim ao Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha. Roosevelt indubitavelmente pareceu sublinhar a identidade de ideais e de objetivos entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.
[...]
Um mês depois o Presidente foi mais adiante. Pediu autorização para armar os navios mercantes dos Estados Unidos e sugeriu que o tempo poderia ter chegado para a abolição da restrição segundo a qual os navios americanos, desde 1939, tinham sido proibidos de entrar em certas zonas específicas de guerra. Insistiu em que seria cada vez mais necessário 'entregar mercadorias americanas sob a bandeira americana', 'Digo-vos (ao Congresso) solenemente', declarava ele, 'que se os planos militares de Hitler alcançarem sucesso, nós, americanos, seremos obrigados a lutar em defesa de nossos próprios lares e de nossa própria liberdade numa guerra tão custosa e tão devastadora como a que ora se trava na frente russa. Hitler fez um desafio que nós, americanos, não podemos e não queremos tolerar.' Seria difícil encontrar um paralelo de uma linguagem tão belicosa da parte de um chefe de estado de uma nação que não estivesse ainda em guerra.”
pp. 120-121 (grifos meus)
fonte: PERKINS, Dexter. A Época de Roosevelt. 1932-1945. Rio de Janeiro: Cruzeiro, 1967. Trad. Edilson Alkimim Cunha
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Churchill entre Roosevelt e Stálin
“A frase chave desta carta [de Churchill para Stalin] era: ‘ainda podemos tomar algumas providências para a campanha de 1942’ ; na realidade, elas se achavam ao alcance da mão. Tudo começou a parir daquele dia no começo de agosto [de 1941] quando Churchill encontrou-se com Roosevelt pela primeira vez, navegando para a baía de Placentia, na Terra Nova, a bordo do Prince of Wales, o mais moderno encouraçado inglês. O resultado mais fecundo deste encontro não foi a Carta do Atlântico, um documento respeitável e cheio de boas intenções, mas que não teve nenhum impacto visível na conduta da guerra. Não foi o debate sobre o Extremo Oriente, embora Churchill haja revelado ao Gabinete a sua confiança na disposição de Roosevelt em advertir os japoneses de que ‘qualquer nova usurpação que o Japão praticasse no sudoeste do Pacífico criaria uma situação que forçaria o governo dos Estados Unidos a adotar represálias, mesmo que estas pudessem provocar uma guerra entre os dois países’; ao regressar a Washington o Presidente cedeu diante de Cordell Hull, que considerou o texto como ‘perigosamente forte’. Assim, eliminou-se a palavra ‘guerra’ e tudo o que os japoneses receberam foi uma menção delicada à ‘salvaguarda dos interesses e direitos legítimos dos Estados Unidos e dos americanos.’
Além da renovação da confiança entre os dois líderes e do estímulo que Churchill hauriu do simples fato de ter havido um encontro, os subprodutos da conferência foram específicos e definidos. Um, por exemplo, foi a ajuda direta na Batalha do Atlântico – artifício através do qual se permitia que qualquer número de navios mercantes ingleses desfrutassem da segurança do comboio, desde que os navios de guerra dos Estados Unidos estivessem escoltando pelo menos um navio americano. Todavia, a decisão mais importante encontrava-se em um telegrama conjunto, enviado a Stalin no dia 12 de agosto:
‘As necessidades do seu e dos nossos exércitos só podem ser determinadas à luz do conhecimento completo dos diversos fatores que devem ser levados em consideração nas conjeturas que fizemos. A fim de que todos nós possamos ficar em condições de chegar a decisões rápidas a respeito da distribuição dos nossos recursos comuns, sugerimos que se prepare uma reunião, a ser realizada em Moscou, para a qual enviaremos representantes de alto nível, a fim de discutirem os assuntos diretamente com o senhor. Se esta reunião lhe convier, queremos informar-lhe que, independentemente das decisões tomadas nela, continuaremos a enviar suprimentos e material o mais rapidamente possível.’
Esta proposta e esta promessa, comunicadas a Stalin pelos dois chefes de Estado antes mesmo da conclusão de um encontro simbólico, confirmavam e ampliavam os diversos gestos de boa vontade e boas intenções que recebera de ambos os lados do Atlântico desde o dia de Barba-Roxa [ 22 de junho 1941]. Para os ingleses e os americanos elas impunham, de imediato, a necessidade de examinar exatamente o que poderia ser enviado para a Rússia e como; para s ingleses em particular, proporcionavam a experiência amarga de visualizar, na medida em que se especificava cada categoria de material. Precisamente o que a Rússia obteria do ‘arsenal da democracia’ americano, com prejuízo da Grã-Bretanha.”
pp. 108-109 (itálicos meus)
fonte: LEWIN, Ronald. “Churchill – O Lord da Guerra” [Churchill as Warlord]
Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1979 (trad. Cel. Álvaro Galvão)
seleção: Leonardo de Magalhaens
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