O Dia D : invasão Aliada da Normandia
A vanguarda: caça-minas no anoitecer de
5 de junho 1944
“Ao largo da costa francesa, um pouco
antes das nove horas da noite [de 5 de junho], apareceu uma dúzia
de pequenos barcos. Moviam-se silenciosamente na fímbria do
horizonte, tão próximo das praias que suas tripulações podiam ver
claramente as casas da Normandia. Os barcos passaram sem ser
percebidos. Acabaram sua tarefa e retornaram. Eram caça-minas
britânicos – a vanguarda da mais poderosa armada que jamais fora
reunida.
Porque agora, cruzando o Canal da Mancha,
cortando as águas cinzentas e agitadas, uma falange de navios
flutuava inexoravelmente em direção à Europa de Hitler – o poder
e a fúria do mundo livre finalmente desencadeados. Eles avançavam
incansáveis, fileira após fileira, seguindo as dez rotas marítimas
paralelas que haviam sido traçadas, ocupando uma extensão de trinta
e cinco quilômetros de largura, cinco mil navios de todos os
tamanhos e formatos possíveis. Havia os novos e velozes
transportadores de tropas de ataque, os lentos cargueiros corroídos
de ferrugem, os pequenos navios transatlânticos de passageiros, os
pequenos vapores que faziam cabotagem pelos portos do Canal, além de
navios-hospitais, velhos transportadores de combustível, pequenos
navios costeiros e enxames de rebocadores fumacentos e ruidosos.
Havia colunas infindáveis de navios de desembarque de pequeno calado
– grandes veículos marítimos que balouçavam ao ritmo das ondas,
alguns deles com quase cento e trinta e cinco metros de comprimento.
Muitos desses e dos demais barcos de transporte mais pesados
carregavam barcos menores de desembarque para o verdadeiro assalto às
praias – um total de mais de mil e quinhentos. À frente dos
comboios avançavam verdadeiras procissões de caça-minas, cúteres
da Guarda Costeira,
lançadores de boias e lanchas a motor. Balões de defesa contra
ataques aéreos voavam acima das embarcações. Esquadrilhas de
aviões de combate teciam essa cavalgada fantástica de navios
atulhados de homens , canhões, tanques, veículos motorizados e os
mais variados suprimentos, deixando de fora apenas um certo número
de pequenas unidades navais desgarradas, estava um formidável
conjunto de 702 belonaves.
[…]
Lentamente, pesadamente, essa grande
armada se movia através do Canal. Seguia um padrão de tráfego
demarcado minuto a minuto, de um tipo que jamais fora tentado antes.
Os navios se derramavam para fora dos portos britânicos e se moviam
ao longo das costas em rotas demarcadas para dois comboios paralelos,
convergindo para a área de concentração ao sul da ilha de Wight.
Lá eles eram classificados ou encontravam os próprios lugares, cada
um deles assumindo uma posição cuidadosamente predeterminada na
força que se destinava à praia particular para a qual fora
designado. Saindo da área de concentração, logo apelidada de
Piccadilly Circus,
os comboios se dirigiam para a França ao longo de cinco rotas
demarcadas por boias flutuantes. E, à medida que se aproximavam da
Normandia, estes cinco caminhos se dividiam em dez canais, dois para
cada praia – um para tráfego rápido, outro para navegação
lenta. Bem na frente, logo após a ponta-de-lança dos caça-minas,
encouraçados e cruzadores, estavam os navios de comando, cinco
transportes de ataque eriçados de antenas de rádio e radar. Esses
postos de comando flutuantes seriam os centros nervosos da invasão.
Por toda parte havia navios. Para os homens
que estiveram a bordo, essa histórica armada ainda é lembrada como
a visão 'mais impressionante e inesquecível' de suas vidas.” pp.
114-115; 117
Como reagiram as tropas germânicas ?
“Passava um pouco das dez e um quarto
dessa noite quando o tenente-Coronel Meyer, chefe do Serviço de
Contra-Espionagem do 15º Exército alemão, saiu às pressas de seu
escritório. Em sua mão provavelmente se encontrava a mais
importante mensagem que os alemães haviam interceptado em todo o
decorrer da Segunda Guerra
Mundial. Meyer sabia agora que a
invasão ocorreria dentro das próximas quarenta e oito horas. Com
essa informação, os Aliados podiam ser jogados de volta ao mar. A
mensagem, captada de uma transmissão da BBC
destinada ao movimento de resistência francês, era o segundo verso
do poema de [Paul] Verlaine: 'Blessent
mon coeur d'une langueur monotone'
(Ferem meu coração com um langor monótono).
Meyer lançou-se para dentro da sala de
jantar, onde o general Hans Von Salmuth, oficial-comandante do 15º
Exército, jogava bridge com seu chefe de estado-maior e dois outros
oficiais.
-General! - disse Meyer, ofegante. - A
mensagem, a segunda parte, chegou!
Von Salmuth deliberou por um momento e
então deu ordem para colocar o 15] Exército em prontidão total.
Quando Meyer saía apressadamente da sala, Von Salmuth estava
novamente olhando para as cartas de sua mão.
-Eu sou raposa velha – o próprio Von
Salmuth recorda-se de haver dito na ocasião para não ficar muito
excitado com isso.
De volta a seu escritório, Meyer e seu
pessoal imediatamente notificaram por telefone o OB West,
quartel-general de Von Rundstedt. A seguir, também por telefone,
alertaram o OKW, o quartel-general do próprio Hitler [Adolf H,
ditador alemão]. Simultaneamente, todos os demais comandos foram
alertados via teletipo.
E novamente, por razões que nunca foram
explicadas satisfatoriamente, o 7º Exército não foi notificado.
Nesse momento, a frota aliada ainda precisaria de um pouco mais de
quatro horas para atingir as áreas de transferência das tropas para
as lanchas de assalto, ao largo das cinco praias normandas; dentro de
três horas, dezoito mil paraquedistas seriam lançados sobre os
campos e sebes progressivamente mais escuros – diretamente na zona
do único exército alemão que nunca foi alertado do Dia D.” pp.
123-125
Alemães temem outro alarme falso
“A essa altura [madrugada do dia 6 de
junho 1944], relatórios vagos e contraditórios estavam sendo
filtrados até os postos de comando do 7ºExército [alemão] em toda
a Normandia; por toda parte, os oficiais tentavam avaliá-los. Haviam
poucos dados a sopesar – silhuetas humanas entrevistas aqui, tiros
disparados acolá, uma paraquedas pendurado em uma árvore mais
adiante. Tomados em seu conjunto, eram pistas indicadoras de alguma
coisa – mas de quê? Somente 570 militares aliados
aerotransportados haviam descido. Era justamente o número necessário
para criar o pior tipo de confusão.
Os relatórios que chegavam eram
fragmentados, inconclusivos, tão espalhados que até mesmo os
soldados mais experientes estavam céticos e atormentados por
dúvidas. Quantos homens haviam descido – dois ou duzentos? Seriam
tripulações de bombardeiros abatidos que tinham saltado antes da
queda? Estaria ocorrendo uma série de ataques da Resistência
francesa? Ninguém tinha certeza, nem mesmo aqueles, como o general
Reichert, da 711ª Divisão, que tinham visto os paraquedistas face a
face. Reichert pensava que era uma incursão aérea a seu próprio
QG, e foi essa a conclusão incluída no relatório transmitido a seu
comandante de Corpo. Só muito mais tarde as notícias chegaram ao QG
do 15º Exército, onde foram devidamente registradas no diário de
guerra, com a anotação obscura: 'Não há detalhes'.
Tantos alarmes falsos tinham sido dados no
passado, que todo mundo mostrava uma cautela que chegava a ser
dolorosa. Os comandantes da Companhia consideravam duas vezes antes
de transmitirem relatórios aos postos de comando de seus batalhões.
Enviavam patrulhas para verificar e verificar novamente. Os
comandantes de Batalhão mostravam ainda maior prudência antes de
passarem as informações aos oficiais regimentais. Quanto ao que
realmente ocorreu e que informações de fato chegaram nos diversos
quartéis-generais durante esses primeiros minutos do Dia D, há
tantos relatos quanto participantes. Porém um fato parece claro: com
base em relatórios tão localizados e imprecisos , ninguém se
dispunha a dar alarme nesse momento – um alarme que, mais tarde,
poderia demonstrar-se falso. E assim, o minutos foram passando. pp.
147-148
Os dramas e as baixas dos paraquedistas
das tropas aerotransportadas
“O inimigo mais sinistro nesses minutos
de abertura do Dia D não eram os homens, mas a natureza. As
precauções contra o desembarque de paraquedistas, que haviam sido
tomadas por iniciativa de Rommel [Marechal de campo, o comandante
alemão], pagaram bons dividendos. Os lençóis d'água e os
atoladouros do vale do rio Dives artificialmente inundado
demonstraram ser armadilhas mortais. Muitos dos homens da 3ª Brigada
caíram diretamente nessa área, como se fossem confetes retirados de
um saco e espalhados ao acaso. Para esses paraquedistas, um azar
trágico seguia ao outro. Alguns pilotos, envolvidos por nuvens
espessas, pensaram que a embocadura do Dives fosse a do orne e
largaram os homens sobre um labirinto de pântanos e alagadiços.
[…]
O número de paraquedistas que morreu nos
baixios do [rio] Dives nunca será conhecido com exatidão. Os
sobreviventes contaram que os pântanos eram atravessados por um
labirinto de valas, com mais de dois metros de profundidade e um
metro e vinte de largura, cujo fundo estava recoberto de um limo
grudento. Um homem sozinho, carregado de armas, munição e
equipamento pesado, não tinha a menor chance de sair para fora de um
desses alagados. As mochilas de lona molhadas praticamente dobravam
de peso e os homens que conseguiram sobreviver tiveram de abandonar
todo o equipamento. E muitos homens que conseguiram, com muita luta,
atravessar os pântanos, afogaram-se no rio, alguns à distância de
apenas alguns metros da outra margem, onde a terra estava seca.”
pp. 157-158
fonte: RYAN, Cornelius. O
Mais Longo dos Dias. [The
Longest Day, 1959] trad. William Lagos. Porto Alegre: L&PM, 2008.
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