Hitler
após a derrota em Stalingrado
1943
Fonte: FEST, Joachim. Hitler. 3ª
ed. Nova
Fronteira, 1976.
“Depois de Stalingrado,
Hitler perdeu claramente o controle dos nervos. Até ali, não renunciara senão
raramente à atitude estóica, inseparável, segundo acreditava, do modo de ser de
um grande capitão; nas situações mais críticas, sempre ostentara uma calma
olímpica. Mas, em compensação, a partir de Stalingrado, terminou por se cansar
dessa disciplina que se impunha a si mesmo, e violentos acessos de cólera
revelaram o preço que lhe custara a terrível sobretensão de suas forças em
todos esses anos. Durante as reuniões, tratava seus oficiais de Estado-Maior de
‘idiotas’, de ‘covardes’, de ‘mentirosos’ – e Guderian, que o reviu pela
primeira vez em uma dessas semanas, notou, com estupefação, a irascibilidade de
Hitler e quão pouco se podia confiar em suas decisões. [...] É preciso,
todavia, reconhecer em sua defesa que, desde o fim de 1942, ele sofria de uma
profunda alteração do sistema nervoso, dissimulada apenas à custa de um esforço
sobre-humano de vontade e autodisciplina; os oficiais superiores do grande
quartel do Führer se ressentiram dos sintomas da crise – embora as narrativas
posteriores, que mostram um Hitler vituperando sem cessar, vítima das
tempestades de temperamento irascível, pertençam ao domínio dos exageros
apologéticos. [...]
[...] Em agosto de 1941,
Hitler se queixava de fraqueza, de náuseas e de calafrios, seus tornozelos
incharam sob o efeito de um edema, e não está excluída a possibilidade de que
se tenha verificado, nessa época, a ab-reação de um corpo havia muito tempo
mantido em forma de maneira artificial; em todo caso, desde esse instante, as
crises de esgotamento se multiplicaram. A partir de Stalingrado, todo dia ele
tomava um antidepressivo, não suportava mais lâmpadas fortes e mandou fazer uma
espécie de viseira para usar em suas saídas ao ar livre; de tempos em tempos,
dizia sentir perturbações do equilíbrio: ‘Tenho sempre a sensação de cair para
a direita.’
[...]
“Era um homem que tinha
contínua necessidade de ser ‘recarregado’ artificialmente: em certo sentido, as
drogas de [doutor] Morell substituíam, para ele, o antigo estímulo das ovações
de massa. Desde Stalingrado, Hitler fugia cada vez mais à vida pública e,
depois dessa derrota, só pronunciou dois discursos. Já um pouco depois do
início da guerra, suas aparições em público tinham-se tornado mais raras e nem
todos os esforços da propaganda oficial para explorar essa espécie de fuga num
sentido ‘mitificador’ conseguiam substituir o sentimento, outrora tão
generalizado, de sua onipresença, com cuja ajuda o regime liberara e canalizara
para ele a descarga total das energias, da espontaneidade e do espírito de
sacrifício. De repente, essa imagem se tornava caduca. Da mesma forma que,
cioso de sua auréola de homem invencível, jamais visitava as cidades
destruídas, assim, após as derrotas decisivas da guerra, ele deixou de se
mostrar às massas. [...]
“Os pontos fracos do comando
de Hitler apareceram sobretudo no decorrer de 1943, quando ele ainda não fazia
uma ideia estratégica bem exata do futuro desenrolar do conflito. Segundo
testemunhos unânimes de seu entourage,
tornara-se inseguro, pouco inclinado a tomar decisões, irresoluto – Goebbels
chegou a falar abertamente de uma ‘crise do Führer’.
Vezes seguidas, Goebbels incitou um Hitler hesitante a retomar a iniciativa,
numa guerra que se desagregava sem concepção bem definida, com uma mobilização
rigorosa de todas as reservas do país. [...]
“A aversão de Hitler em
exigir do público as privações suplementares inerentes a uma guerra total era
determinada sobretudo por uma reminiscência do choque que experimentara por
ocasião da revolução de novembro de 1918, mas em parte também desconfiança, já
arraigada, que lhe inspiravam as massas inertes por essência, não confiáveis.
Também se poderia quase pensar que esse gênero de reação traduzia o sentimento
da fragilidade e da precariedade de sua autoridade. [...]
“[...] A tendência de Hitler
para não aceitar a realidade assumia, a partir de seus reveses, um aspecto cada
vez mais patológico; e disso dão prova inúmeros exemplos colhidos em seu
comportamento. Por exemplo, o hábito de percorrer o país dentro de seu
vagão-leito, com as cortinas descidas e de preferência à noite, como se
estivesse fugindo; [...] É preciso incluir nesse contexto o estilo das
conversações de Hitler, sempre degenerando em monólogos intermináveis, sua
incapacidade de ouvir ou aceitar objeções, bem como sua mania sempre crescente
pelas colunas de algarismos que não terminavam mais, sua rage du nombre. [...]
“É certo que este desprezo
pela realidade fora sua força outrora; fizera-o surgir do nada, produzira seus
triunfos de estadista e, sem dúvida, também, uma parte de seus êxitos
militares. Mas agora, quando a página tinha sido virada, esse desconhecimento dos
fatos vinha agravar desastrosamente os efeitos de cada derrota. [...]”
Hitler
e o Holocausto
“Ainda hoje paira uma certa
obscuridade sobre o momento em que Hitler tomou a resolução de liquidar
definitivamente o problema judaico, pois não existe qualquer documento sobre o
assunto. Mas é notório que, bem antes de seus partidários mais próximos, ele
não tinha considerado apenas como metáforas as expressões ‘eliminação’ ou
‘aniquilação’, mas sempre as ligara à noção de um ato de exterminação física,
pois, para ele, uma ideia nada tinha de espantoso: ‘Aqui também’ – escrevia
Goebbels, não sem uma ponta de admiração – ‘o Führer é o eterno pioneiro e o porta-voz das soluções radicais.’
Desde os anos 30, Hitler tinha solicitado, secretamente, que se desenvolvesse
‘uma técnica de despovoamento’ e acrescentar explicitamente que isso
significava para ele a eliminação de povos inteiros: ‘A natureza é cruel, por
que não o seríamos também? Eu envio a flor dos alemães para a tempestade de aço
que será a guerra, sem experimentar qualquer remorso pelo precioso sangue que
vai ser derramado; por que então não teria eu o direito de exterminar milhões
de seres pertencentes a uma raça inferior e que se reproduzem como vermes?’
Empregaram-se pela primeira
vez, em 1941, num velho castelo perdido na floresta para os lados de Kulmhof,
gases tóxicos para matar as vítimas – e pode-se fazer remontar esse processo às
próprias experiências de Hitler durante a I Grande Guerra. Uma passagem do Mein Kampf [Minha Luta] deplora, em todo
caso, que ‘não se tenha exposto ao gás de doze a quinze mil desses hebraicos
corruptores do povo’, como se fez com centenas de milhares de soldados alemães
no front. Todavia, a decisão dessa
liquidação definitiva, cada vez que se tomava, nunca tinha nada a ver com o
agravamento da situação. Seria equivocar-se grosseiramente sobre as intenções
de Hitler interpretar os massacres do Leste como a expressão de um crescente
amargor provocado pelo desenrolar da guerra ou como um ato de vingança contra o
velho inimigo simbólico: eles devem ser situados, antes de mais nada, na lógica
do pensamento de Hitler, e por isso era inelutáveis. Por outro lado, o plano
temporariamente estabelecido no Alto Comissariado SS da Raça e da Colonização, bem como no Ministério dos Negócios
Estrangeiros, e que consistia em fazer da grande ilha de Madagascar uma espécie
de imenso gueto com cerca de quinze milhões de judeus, parecia ir contra os
projetos de Hitler nesse ponto essencial. Pois se o judaísmo era
verdadeiramente o nefasto portador de germes da grande doença universal, um
espírito apocalíptico não podia nem pensar em dar-lhe um lugar de refúgio, mas
unicamente em exterminá-lo em sua substância biológica.”
[...]
“No início, procurou-se
dissimular o que se passava. Os trens intermináveis que deportavam as populações
judaicas sistematicamente recolhidas e amontoadas em todas as partes da Europa
rodavam para destino ignorado; boatos enganosamente espalhados falavam de belas
cidades novas, construídas nos territórios conquistados no Leste. [...]
Fest comenta que Hitler
mantinha silêncio sobre as ações radicais da ‘Solução Final da Questão Judaica’, por qual motivo? “Pode-se fazer
toda espécie de suposições sobre os motivos a que obedecia: sua mania de
segredo, um antigo resquício de moral burguesa, o desejo de atribuir ao
acontecimento um caráter abstrato e de não debilitar a motivação passional
através do exame – mesmo assim, é estranha essa imagem de um salvador que
esconde sua ação salvadora no mais profundo do seu coração. [...] ”
“ [...] Em meio a uma cadeia
altamente organizada de verdadeiras fábricas de assassinatos em série, esse
trabalho de extermínio foi, apesar de tudo, pouco a pouco subtraído aos olhos
da população, racionalizado e transformado, através do emprego de gases
tóxicos. A 17 de março de 1942, o campo de Belzek tinha organizado essa forma
de atividade com ‘uma capacidade diária de matar’ 15 mil pessoas; em abril,
Sobidor, não longe da fronteira da Ucrânia, seguia o exemplo, com 20 mil
pessoas por dia; depois, Treblinka e Madjanek, com cerca de 25 mil, assim como,
e principalmente, Auschwitz, que se tornou ‘a maior empresa de exterminação
humana de todos os tempos’, conforme disso se vangloriava, aberrantemente, seu
comandante, Rudolf Höss, muito orgulhoso dos métodos empregados : o conjunto do
processos de assassinato em série, desde a seleção dos que chegavam e sua
asfixia, até a eliminação dos cadáveres, incluindo o aproveitamento do que
deixavam, tornara-se aqui um sistema, funcionando sem falha, através de
operações sucessivas, perfeitamente engrenadas. A toda pressa, em movimento
cada vez mais acelerado, continuou-se a proceder a essa exterminação ‘a fim de
que não fosse, um belo dia, suspensa ainda no meio’, como explicou o SS chefe de polícia de Lublin, Odilo
Globocnik. Numerosas testemunhas descreveram a resignação com que a vítimas
marchavam para a morte: em Kulmhof, mais de cento e cinquenta e dois mil
judeus; em Belzek, seiscentos mil; em Sobidor, duzentos e cinquenta mil; em
Treblinka, setecentos mil; em Madjanek, duzentos mil; em Auschwitz, mais de um
milhão. Além disso, os fuzilamentos continuavam. Segundo estimativa (por alto)
do comissariado principal para a segurança do Reich, o massacre devia se estender a perto de onze milhões de
judeus; mais de cinco milhões foram executados.”
Fonte: FEST, Joachim. Hitler. 3ª
ed. Nova
Fronteira, 1976. pp. 799-814
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