Relações do Papado com o Nazismo – continuação 5
A proclamada 'cruzada' nazista contra a URSS
fonte: CORNWELL, John. O Papa de Hitler – A História Secreta de Pio XII.
Para o papa Pio XII a ameaça vinha do comunismo soviético, das hordas de ateus do leste, e não do seio da própria Europa ensanguentada por guerras religiosas, guerras civis, e limpezas étnicas. Desde que a nova 'cruzada' fosse feita contra a União Soviética, símbolo do Mal absoluto, a ser destruído com toda a violência, mesmo com a morte de milhões de inocentes. Massacres não faltaram em nome da fé. Fanatismos religiosos e políticos massacraram populações inteiras durante a terrível Guerra Mundial. Europa central, leste europeu, sudeste asiático, ilhas do Pacífico, todos cenários de atrocidades inenarráveis.
“Quando Hitler desfechou a Operação Barbarossa, codinome da invasão da União Soviética, em 22 de junho de 1941, Pacelli se defrontou com diversos e complexos medos e esperanças. Embora 'o principal inimigo da Europa' parecesse fadado à derrota iminente, no verão daquele ano não havia como prever até onde a guerra poderia ir. Com a probabilidade de a União Soviética se tornar aliada da Inglaterra e, com o tempo, dos Estados Unidos, o pontífice descobria-se diante da perspectiva de dar apoio tácito ao comunismo em armas. E o que aconteceria se Hitler fracassasse? O Exército Vermelho avançaria para Oeste, inaugurando uma nova era sinistra de perseguição e destruição do cristianismo.
Mas por outro lado, o que aconteceria se Hitler vencesse e se tornasse o senhor absoluto da Europa? Pacelli estava mesmo convencido de que os nazistas eram o menor dos dois males totalitários? É verdade que alguns membros da Cúria, como Tisserant, sempre acharam que o nazismo era a maior ameaça. Pelo que se diz, Pacelli também partilhava essa opinião já em 1942. ele comentou para um visitante jesuíta: 'É verdade que o perigo comunista existe, mas neste momento o perigo nazista é maior. Eles querem destruir a igreja, esmagá-la como se fosse um sapo'.
Mas havia outras opções na complexa mistura de possibilidades, inclusive uma oportunidade para a evangelização católica na esteira do avanço irresistível da Wehrmacht a caminha de Moscou – e a perspectiva de acabar com a antiga divisão entre catolicismo romano e ortodoxia oriental. Que força de espírito não surgira dessa nova e unificada cristandade, enquanto os gigantes totalitários se esgotavam na guerra?
No
começo, parecia que a Wehrmacht estava ajudando no processo de
evangelização. Quando a Ucrânia foi 'libertada', em junho de 1941, os jornais
cinematográficos e a imprensa alemães concentraram a propaganda na restauração
da liberdade religiosa. […]
Hitler
tinha outros planos. Foi mais ou menos nessa ocasião, meados de julho de 1941,
que ele declarou: 'O cristianismo é o golpe mais terrível que já atingiu a
humanidade. O bolchevismo é o filho bastardo do cristianismo; ambos são a prole
monstruosa dos judeus'. Ele já começava a tramar a destruição das várias
Igrejas. […]
Foi
dissipada, assim, a propaganda dos invasores alemães favoráveis à religião. A
ideia de proselitismo católico foi rejeitada categoricamente pelo próprio Führer.
Em novembro de 1941, Hitler deu uma ordem, por intermédio de Martin Bormann, de
que 'até um novo aviso nada deve ser publicado sobre a situação religiosa na
União Soviética'.“ (pp. 293-95)
“Hitler estava bastante preocupado com a difusão do catolicismo religioso e político no novo Lebensraum (espaço vital) do Reich para dar duas ordens, em 6 de agosto e em 6 de outubro, proibindo toda atividade da Igreja, no interesse dos povos locais. Uma ordem de 4 de setembro instruía os comandantes a relatarem ao Alto Comando do Exército qualquer 'sinal de trabalho ativo do Vaticano na Rússia'. (p. 296)
“Depois que Hitler invadiu a União Soviética, em 1941, padres do 'Russicum' [ou 'Pontifício Colégio Russo'] e do Colégio Ruteno, no Vaticano, assim como voluntários da Polônia, Hungria, Eslováquia e Croácia, partiram para o Leste europeu. Viajaram como capelães militares; alguns alegram ser civis alistados no Exército alemão; alguns arrumaram emprego com cavalariços, cuidando dos animais do Comando de Transporte Alemão. Assim que se descobriam numa área apropriada para o trabalho pastoral ou missionário, em qualquer ponto do Báltico ao Mar Negro, eles se afastavam do Exército. Os que chegavam em antigas áreas católicas (de rito latino ou oriental) podiam se encontrar numa demanda imediata e perigosa, atraindo centenas de pessoas sem os sacramentos há muitos anos. Muitos acabavam sendo presos e fuzilados como desertores ou espiões, ou eram enviados para campos de concentração. Os que eram capturados pelos russos iam para os gulags. Até hoje, não há uma contagem oficial dos desaparecidos, presos e executados.” (pp. 297-98)
“A ambição de Pacelli pela evangelização para o Leste, no entanto, não explica seu silêncio sobre o extermínio da população judia da Croácia, um silêncio comparável à sua omissão em se manifestar de maneira clara por conta dos judeus do resto da Europa. [...]” (p. 299)
“Se Pacelli tem de receber o crédito pelo uso de prédios religiosos extraterritoriais do Vaticano como refúgios para os judeus durante a ocupação de Roma pelos alemães, então deve-se culpá-lo também pelo uso dos mesmos prédios para esconder criminosos nazistas e do Ustashe [radicais nacionalistas croatas].” (p. 300)
“Quando começou a receber informações confiáveis sobre a Solução Final, na primavera de 1942, Pio XII reagiu com hesitação, apesar dos insistentes pedidos dos Aliados e de organizações judaicas para que se manifestasse com franqueza. Ele se agoniou até 24 de dezembro, antes de se referir, ao final de um longo pronunciamento sobre o natal pelo rádio, às 'centenas de milhares de pessoas que, sem qualquer culpa pessoal, apenas por causa de sua nacionalidade ou raça, são marcadas para a morte ou extinção gradativa'. Foi o máximo a que ele chegou em termos de condenação pública da Solução Final, num momento em que falar com clareza poderia fazer diferença.” (p. 302)
fonte: CORNWELL, John. O Papa de Hitler – A História Secreta de Pio XII.
Seleção / comentários : LdeM
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Gulag
(campos de trabalho forçado no sistema soviético)
sobre as barbáries do Ustashe
(e o envolvimento do clero católico)
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