Preâmbulos da Operação Barbarossa
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Política germano-soviética
“Hitler herdou de Schlieffen [general que foi autor dos planos estratégicos no conflito de 1914] todos os problemas de uma situação de duas frentes. Mas, inicialmente, tal como Bismarck, procurou conduzir o problema em termos diplomáticos, e não militares. Desse modo surgiu o pacto Molotov-Ribbentrop de 19 de agosto de 1939, pelo qual a Rússia e a Alemanha concordavam em não iniciar guerra de agressão entre si, e pelo qual também o território polonês foi rachado entre ambas. Para Hitler, o tratado de não agressão assinado jamais passaria de mero expediente. Não é provável que ele acalentasse motivos doutrinários para um ataque à Rússia; em quase tudo, exceto em seu anti-semitismo, Hitler era completamente pragmático. Mas o bom senso lhe dizia que a própria magnitude dos seus sucessos, primeiro derrotando o exército polonês, depois vencendo os Bélgica, da França e da Grã-Bretanha, fatalmente alarmariam a Rússia, fazendo-a adotar medidas, não para aplacar a Alemanha pela reafirmação de políticas de não-agressão, mas acelerando sua preparação militar. Sabemos hoje que Hitler estava errado a este respeito, pois durante todo o ano de 1940 e até o dia 22 de junho de 1941 a política de Stálin, embora compreendesse certas medidas defensivas, visava principalmente ao cumprimento meticuloso do pacto de não-agressão, aparentemente com espírito de fato apaziguador. Contudo, o sentido pragmático de Hitler lhe avisava que Stálin estava aproveitando o temo, e se lhe permitissem ele alcançaria um nível de força militar que, empregado defensiva ou agressivamente, poderia ser demais para Alemanha, no caso de um pega entre ambas.
A resistência continuada da Grã-Bretanha também enfatizava o perigo de uma inversão de aliança por parte da Rússia. Hitler estava mais irritado do que perturbado com a persistente recusa da Grã-Bretanha em admitir a derrota, já que o reino ilhéu estava evidentemente incapacitado para intervir no continente. Mas sua antiga tradição de potência marítima e a habilidade demonstrada nesse campo – a combinação de sua grande marinha com um pequeno exército contra os flancos costeiros da Europa – tornavam-na um fator que ele jamais poderia ignorar, mesmo quando o objetivo principal da sua estratégia sempre fora a conquista de poderosos aliados terrestres. Rússia e Grã-Bretanha haviam feito causa comum contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, como tinha acontecido contra Napoleão. Durante quanto tempo a Rússia resistiria à tentação de renovar esses laços? Se ela sucumbisse a essa tentação, Hitler se defrontaria com a possibilidade não de uma guerra de duas frentes, mas de três, já que o apoio russo à Grã-Bretanha robusteceria as gestões do presidente americano no sentido de levar os Estados Unidos à guerra contra a Alemanha.
Mas não era preciso que as coisas seguissem essa sequência. Pois 'se a Rússia sair do quadro', como Hitler explicou aos seus chefes das forças armadas a 31 de julho de 1940, 'a Grã-Bretanha também perderá os Estados Unidos, porque a eliminação da Rússia aumentaria muito o poderio do Japão no Extremo Oriente. Decisão: a destruição da Rússia tem de ser parte dessa luta – quanto mais cedo ela for esmagada, melhor.' Foi com este argumento que Hitler convenceu a todos da necessidade de rapidamente planejarem a Blitzkrieg contra o Exército Vermelho.
[…]
Hitler teria falado pela primeira vez da intenção de atacar a Rússia com o General Halder, o Chefe do Alto-Comando do Exército (OKH), a 2 de julho de 1940 (dia em que deu ordem para a 'Operação Leão-marinho', a invasão da Grã-Bretanha). Hitler nunca pretendeu seriamente invadir a Inglaterra, talvez porque desconfiasse da impossibilidade de a Luftwaffe vencer o Comando de Caças da RAF, ou talvez porque já tivesse escolhido mentalmente a Rússia – e foi nos planos para a Rússia que ele se concentrou daí por diante. A explanação do plano foi feita ao chefe da seção de operações do seu próprio Estado-maior, o OKW, General Jodl (que seria enforcado em Nuremberg, por seu papel no 'preparo e execução de guerra de agressão'). Este, por sua vez, ao explicá-los aos seus auxiliares diretos, a 19 de julho, provocou neles uma reação de descrença. Hitler havia incumbido Halder de preparar os planos,ordem esta que o Chefe do Estado-maior do Exército delegara ao General Erich Marcks. O plano de Marcks, apresentado a 5 de agosto de 1940, ficava as linhas gerais que o plano definitivo de invasão obedeceria.”
pp. 30-32
[Diretiva de Hitler: luta ideológica e racial ]
“O próprio Hitler, embora irritado com o atraso provocado pela campanha balcânica – e de início realmente enfurecido pela 'perfídia' da Iugoslávia – não ficou de modo algum abalado por ela a ponto de decidir não prosseguir com seus planos. A 'Barbarossa' deixara de ser uma imposição apenas prática, para transformar-se numa verdadeira obsessão. O codinome – o apelido de um imperador alemão que conduzira seus exércitos na Terceira Cruzada contra os eslavos pagãos, no século XII – deixa entrever a significação histórica que Hitler se atribuía, e opressiva e impiedosamente preparava o modo como se daria a sua revelação. Ele o transmitira a seus comandantes das forças armadas, num discurso pronunciado em março daquele ano:
“'A guerra contra a Rússia se reveste de características que não podem permitir cavalheirismo: a luta é de ideologias e diferenças raciais e terá de ser conduzida de maneira implacável e inflexível. Todos os oficiais terão de se livrar de sentimentos obsoletos. Sei que a necessidade do emprego desses meios na guerra está além da compreensão dos senhores generais, mas... Insisto peremptoriamente para que minhas ordens sejam executadas sem oposição. Os comissários (russos) são portadores de ideologias diretamente contrárias ao nacional-socialismo, tendo por isso de ser liquidados. Os soldados alemães culpados de violação do direito internacional... serão desculpados. A Rússia não participou da Convenção de Haia, portanto não tem direitos, nos termos da mesma.'
“Para muitos, no exército alemão, tais sentimentos eram intoleráveis, mas nenhum deles esboçou qualquer reação. As ordens seriam, pela maioria, obedecidas dentro desse espírito. Para os oficiais da SS, do partido [nazista] e do Estado que estariam envolvidos na administração e exploração do território russo capturado, o discurso de Hitler simplesmente deixava explícitos os planos que há muito eles vinham preparando. Nas suas mãos a Rússia viria a sofrer a morte, provocada por milhares de 'pequenas feridas'.
pp.48-49
fonte: KEEGAN, John. Barbarossa – a invasão da Rússia. Rio de Janeiro, Rennes, 1974. trad. Edmond Jorge.
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