quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Discursos de dezembro 1943 - Thomas Mann






Ouvintes alemães


Discursos contra Hilter


Thomas Mann na BBC


[discursos de dezembro 1943]




9 de dezembro de 1943


Ouvintes alemães!


Não é preciso esclarecer a vocês que o histórico encontro de Teerã * não resultou no apelo ao exército do povo alemão, ao próprio povo alemão, anunciado pela propaganda nazista e tão falado quanto inútil. A intimação para a deposição das armas não teria sentido em um momento em que os soldados alemães lutam longe das fronteiras do Reich e em que sonora promessa de que armas novas e secretas transformariam a derrota em vitória anestesia a mente dos alemães. Na verdade, é certo que essas armas, se existirem, no máximo retardarão o resultado final da guerra, e, por causa dos danos que possivelmente possam causar, apenas aumentam o ressentimento contra a Alemanha e pioram sua situação. Mas tudo isso pertence ao destino e só podemos aguardar.


O fato de os estadistas da Rússia, da Inglaterra e dos Estados Unidos não terem enviado uma mensagem direta a vocês, alemães, significa que não se deseja uma capitulação antecipada que deixaria mais ou menos intacta a máquina de guerra alemã, uma capitulação com segundas intenções que servem a propósitos enganadores e que só poderia ser utilizada para a obtenção de um intervalo para descanso de algumas décadas: significa que o desejo é dar um fim claro, sólido e definitivo em termos militares à guerra. É preciso acabar para sempre com a mentira da punhalada pelas costas **, com o autoengano nacionalista do tipo ' não fomos vencidos no campo de batalha”. A única experiência que pode trazer a Alemanha à razão, a experiência de uma derrota catastrófica, inegável e concreta, a ocupação e a tutela provisória do país, enfim, todas as providências que são necessárias para tornar impossível para sempre qualquer nova agressividade – essa experiência não deve e não será poupada a vocês.


[…]


Deixem a derrota militar se realizar, esperem chegar a hora que permita a vocês ajustar as contas com seus depravadores, de maneira tão radical e tão implacável quanto é necessário para o futuro da Alemanha. Então terá chegado também para nós o momento de atestar: a Alemanha está livre, a Alemanha se purificou de verdade, a Alemanha deve viver.


pp. 157-160


(*)Realizado em novembro de 1943, reuniu os três chefes de Estado aliados – Roosevelt, Churchill e Stálin – para definir as ações da última fase da Segunda Guerra Mundial após a derrota alemã em Stalingrado. (NT)






(**)Mann alude à chamada Dolchstoßlegende ('lenda da punhalada pelas costas') , a tese de que a Alemanha não perdeu a Primeira Guerra Mundial por razões de ordem militar e econômica, mas por derrotismo e traições nas próprias fileiras. (NT)










31 de dezembro de 1943




Ouvintes alemães!


Nosso país não consegue se livrar de uma imitação falsa, totalmente equivocada e infeliz da Inglaterra. A alcunha com a qual o mundo hoje chama você, alemães, 'raça de senhores', um nome que só pode ser ridículo, uma zombaria, chegou a ser levado muito a sério por vocês. Vocês viram nos ingleses uma raça de senhores e era isso que também queriam ser; vocês viveram sob a pressão invejosa de copiar a Inglaterra, de assumir para si o papel que atribuíam a eles; o sonho de vocês era suplantar a Inglaterra, colocar-se em seu lugar; não apenas um povo de senhores – vocês queriam ser o povo de senhores e arrebatar da Inglaterra o domínio dos mares, do qual depende sua existência, enquanto a de vocês nada deve a esse domínio. Esta foi a origem da Primeira Guerra Mundial.


Sua origem foi uma tolice invejosa; já a origem da Segunda Guerra, que a Alemanha também está perdendo, é apenas uma caricatura dessa tolice – assim como o nazismo é uma caricatura terrível de todas as fraquezas e loucuras da essência alemã, a ponto de corrermos o perigo de esquecer suas virtudes. Na cabeça dos nazistas, a ideia de um 'povo de senhores' levou à perda de qualquer resto de dignidade e atenção aos direitos humanos, de qualquer consciência de responsabilidade e de toda sensibilidade sã em relação àquilo que o mundo pode admitir ou não. Tornou-se apenas a justificativa para o roubo e o assassinato, para o saque, a opressão, a castração e a violação dos outros povos – para um empreendimento que estava destinado a sucumbir diante das forças unidas do mundo.




[…]


Acontece com a Alemanha exatamente o contrário do que aconteceu antes com a Inglaterra, e por isso a imitação é tão absurda. Será que a Alemanha em apuros espera o auxílio do mundo? Não, ela só pode esperar a queda progressiva dos mercenários que acreditavam na sua sorte de ladrões. A Alemanha não pode se recuperar como fez a Inglaterra, cujo caminho a levou das derrotas iniciais às vitórias. O caminho da Alemanha vai das vitórias deslumbrantes do começo, graças à vantagem de seu armamento, à queda inevitável. A stubborness [teimosia] da Alemanha, seu dito heroísmo e resistência, são desesperadores e infames, uma cópia totalmente falsa da coragem inglesa. Ela é não apenas um crime contra um mundo que não pode e não deve desistir da luta mais sacrificada até destruir o regime nazista; é também um crime contra a própria Alemanha, contra o povo alemão e suas obras culturais, contra as cidades alemãs que afundam em ruínas, contra sua força vital que pertence à humanidade e ao futuro e que não deve mais sangrar sem sentido e sem razão.


Onde estão aqueles dentre vocês, alemães, que entendem que a honra e a coragem alemãs não estão agora na 'resistência', mas sim na submissão aos desejos da humanidade?


pp. 160-163




Fonte: MANN, Thomas. Ouvintes alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945). (Deutsche Hörer!) Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.




sobre o autor alemão Thomas Mann










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