Relações
do Papado com o
Nazismo – continuação 7
fonte:
CORNWELL, John. Papa de Hitler
– A História Secreta de
Pio XII . (Hitler's Pope:
the secret history of
Pius XII. 1999) Trad. A . B. Pinheiro de
Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000
A
Indiferença de Pio XII diante do Holocausto
“Depois
da encíclica Mit brennender Sorge [1937], de Pio XI , Pacelli
tentou secretamente atenuar seu impacto, por meio de garantias
diplomáticas particulares aos alemães.
Por
uma variedade de evidências, fica patente que Pacelli acreditava que
os judeus haviam atraído o infortúnio sobre suas cabeças; a
interferência em defesa deles poderia levar a Igreja a alianças com
forças – em particular a União Soviética – cujo supremo
objetivo era a destruição da própria Igreja. Por este motivo,
quando a guerra começou, ele estava disposto a se distanciar de
qualquer apelo a favor dos judeus no nível da política
internacional. Isto não o impediu de dar instruções para aliviar a
situação crítica dos judeus no nível da caridade básica.
Nessas
circunstâncias, somos obrigados a concluir que o seu silêncio tinha
mais a ver com o medo e desconfiança habitual dos judeus do que com
uma estratégia de diplomacia ou um compromisso com a imparcialidade.
Pacelli demonstrou que era bem capaz de ser parcial quando a Holanda,
a Bélgica e Luxembrugo foram invadidos, em maio de 1940. E quando os
católicos alemães se queixaram, ele escreveu para os bispos alemães
ressaltando que neutralidade não era a mesma coisa que 'indiferença
e apatia quando considerações morais e humanas exigiam uma palavra
franca'. Mas as considerações morais e humanas envolvidas no
assassinato de milhões de pessoas não mereciam uma 'palavra franca'
?
A
omissão em dizer uma palavra franca sobre a Solução Final em
execução proclamava para o mundo que o vigário de Cristo não
podia ser levado à compaixão e à raiva. Desse ponto de vista, ele
era o papa ideal para o plano abominável de Hitler. Era um peão de
Hitler. Era o papa de Hitler.
Como
já registramos, a única quebra do silêncio auto-imposto de Pacelli
sobre o extermínio dos judeus foi aquela frase ambígua durante sua
homilia de Natal, em 1942, em que ele não usou as palavras judeus,
não-arianos, alemães e nazista. “
“Num
discurso para os delegados do Conselho Supremo do Povo Árabe da
Palestina, em 3 de agosto de 1946, ele declarou: 'É supérfluo para
mim dizer que desaprovamos todo e qualquer recurso à força e
violência, de onde quer que venha, assim como condenamos em
diversas ocasiões no passado as perseguições que um anti-semitismo
fanático infligiu ao povo hebreu'. Sua cumplicidade na Solução
Final, pela omissão em expressar a condenação apropriada foi
agravada por uma tentativa retrospectiva de se apresentar como um
franco defensor do povo judeu. Sua justificativa grandiloquente, em
1946, revelou que era não apenas um papa ideal para a Solução
Final dos nazistas, mas também um hipócrita.
Mas
houve um teste muito mais imediato para o pontificado de Pacelli,
ocorrido pouco antes da libertação de Roma, quando ele era a única
autoridade italiana na cidade. Em 16 de outubro de 1943, tropas
alemãs entraram no gueto de Roma, prenderam todos os judeus que
puderam encontrar e levaram-nos para o Colégio Militar, na Via della
Lungara, à sombra do Vaticano. Como Pacelli se comportou nessa
situação?” pp. 332-34
Os
Judeus de Roma
Em
meados de 1943 os Aliados avançaram ao sul da Itália, o que
provocou a queda de Mussolini e seus asseclas fascistas, e a
posterior mudança de lado, quando o exército italiano (em nome da
monarquia constitucional) aderiu à luta contra os alemães nazistas.
Ao norte, os fascistas remanescentes fundaram um governo republicano
ditatorial (a República de Salò) , atuando como um mero
fantoche nas mãos dos seguidores do Führer.
O
Papa se esforçou para manter Roma como uma 'cidade aberta', livre de
combates, danos e mortes, mas em vão. A cidade sofria bombardeios
dos aliados e invasões de tropas alemãs em busca de judeus e
subversivos. O antigo gueto judeu, onde se abrigavam cerca de sete
mil pessoas, passou a sofrer com as ocupações, perseguições e
prisões (além de massacres), enquanto as autoridades do Vaticano
negociavam com os alemães sobre o respeito às propriedades e
territórios da igreja.
E
a Santa Sé sabia sobre os extremos de crueldade das tropas SS
nazistas, e o quanto de terror ameaçava os judeus que viviam em
Roma, daí tomar providências locais. “O Vaticano também previra
problemas para os judeus e aumentara suas atividades de caridade, em
particular a ajuda para a emigração.” (p. 338)
Primeiro
os alemães exigiram resgaste em ouro, o que mobilizou doações
entre os judeus, e até um empréstimo (e não uma doação) junto ao
Vaticano para que a fortuna de 50 quilos de ouro fosse paga aos
oficiais da SS . Mas, mesmo com o 'resgate', Eichmann ordenou a
deportação dos judeus, em outubro de 1943. Os líderes fascistas
italianos não se esforçavam para apoiar a deportação e o
extermínio, e “até setembro de 1943, não fora deportado um único
judeu da esfera de ocupação italiana na Iugoslávia, Sudeste da
França e Grécia.” (p. 340)
Depois da ordem de
Eichmann, as tropas começaram a deportação em 16 de outubro de
1943, e muitos caminhões, com mulheres e crianças, passaram
próximos da Praça de São Pedro, “num percurso deliberado, pelo
que se diz, para que os soldados da SS levados a Roma para aquela
missão pudessem ter um vislumbre da basílica famosa. Os judeus,
pelo que também se disse, gritaram ao passarem pela praça, pedindo
socorro ao papa.” (p. 341)
“As cenas observadas
naquela manhã já haviam ocorrido incontáveis vezes, em incontáveis
lugares, nos dois últimos anos. A diferença é que havia naquela
cidade um homem com uma voz poderosa, que comandava a fidelidade de
meio bilhão de seres humanos, e cuja capacidade de protestar podia
fazer com que até Hitler pensasse duas vezes.” (p. 341)
“No final das contas,
nem Pacelli nem seu cardeal-secretário de Estado tomaram a
iniciativa de protestar, em seu nome pessoal ou sob os auspícios da
Santa Sé, naquele dia ou nos dias subsequentes. A omissão em falar
ou agir espantou a liderança alemã na cidade.” (p. 343)
entenda-se: os alemães na Itália temiam que a ação brutal contra
os judeus italianos desencadeasse uma 'propaganda antialemã'.
“No
domingo,
17
de
outubro,
notícias
sobre
a
prisão
em
massa
apareceram
em
jornais
do
mundo
inteiro,
junto
com
mitos
que
seriam
perpetuados
até
hoje.
O
The New York Times,
por
exemplo,
publicou
um
despacho
da
UPI,
procedente
de
Londres,
relatando
que
o
papa
pagara
aos
alemães
o
resgate
exigido
para
a
libertação
de
100
reféns.
'Mas
os
alemães,
depois
de
receberem
o
ouro,
recusaram-se
a
libertar
os
reféns.
Em
vez
disto,
começaram
a
prender
mais
judeus.
Os
italianos
ajudaram
famílias
caçadas
a
se
esconderem
e
fugirem.”
(p.
345)
Os
prisioneiros
judeus
foram
deportados
para
Viena,
onde
chegaram
em
condições
desumanas
e
em
'estado
deplorável'
de
humilhação,
fome
e
sede.
O
Vaticano
sabia
de
tudo
– por
onde
passava
o
comboio
e
em
que
situação
física
e
mental
sobreviviam
os
deportados
– mas
Pacelli
estava
mais
preocupado
com
os
'comunistas'
– qualquer
partisans,
os
guerrilheiros
italianos,
que
combatiam
os
fascistas.
O
Papa
temia
claramente
mais
aos
comunistas
que
aos
fascistas.
“Cinco dias depois de
o trem deixar a estação tiburtina, os 1.060 deportados morreram nas
câmaras de gás de Auschwitz e Birkenau; 149 homens e 47 mulheres
ficaram detidos para trabalho escravo. Apenas 15 sobreviveram à
guerra, todos homens, exceto por uma moça, Settimia Spizzichino, que
serviu como cobaia humana em experimentos do dr. Mengele. Quando
Bergen-Belsen, o campo de extermínio para onde Settimia fora
transferida, foi libertado, encontraram-na no meio de uma pilha de
cadáveres, onde ela dormia há dois dias.” (pp. 347-48)
Pacelli temia os
ousados alemães – capazes de resgatarem o abatido Mussolini, numa
acrobática missão – pois imaginava que os SS não hesitariam em
prendê-lo em pleno Vaticano. “Os responsáveis pela ocupação de
Roma não eram os únicos alemães considerando as consequências de
uma represália violenta contra o Vaticano, no outono de 1943. o
próprio Hitler fora obrigado a considerar o problema , por causa de
seu plano para capturar Pacelli e levá-lo para a Alemanha.” (p.
350)
O
Führer temia
que
Pacelli
caísse
em
mãos
Aliadas
e
que
passasse
a
fazer
proclamações
antinazistas.
Daí
instruir
oficiais
SS
para
uma
missão
:
invadir
o
Vaticano,
recolher
obras
de
arte
e
documentos,
e
'salvar'
o
Papa.
Tudo
para
melhor
proteção
do
pontífice!
O
oficial
encarregado
da
missão
logo
percebeu
as
inviabilidades
da
missão:
como
invadir
o
Vaticano
e
prender
o
papa?
Como
controlar
a
hostilidade
do
povo
italiano
tão
apegado
à
fé
católica?
Antes,
usar
o
poder
papal
para
manter
as
massas
populares
apaziguadas.
“Todos os fatos
indicam, portanto, que uma tentativa de invadir o Vaticano e suas
propriedades, ou de capturar o papa em reação a um protesto papal,
acarretaria uma reação violenta por toda a Itália, que poderia
prejudicar bastante o esforço de guerra nazista. Ou seja, até mesmo
Hitler passou a reconhecer o que Pacelli parecia ignorar: que a mais
vigorosa força política e social na Itália no outono de 1943 era a
igreja católica, com uma imensa capacidade para promover a
não-obediência e a reação geral aos alemães.” (p. 353)
O
Silêncio Litúrgico de Pacelli
“Em suma, as forças
alemãs de ocupação haviam garantido a extraterritorialidade do
Vaticano e suas instituições religiosas espalhadas por Roma. O
preço dessa vantagem fora a submissão e a 'não-interferência' –
o silêncio sobre as atrocidades nazistas não apenas na Itália, mas
em todas as partes da Europa ocupada. Quando a prisão em massa de
judeus começou, em 16 de outubro, as autoridades alemãs de ocupação
estavam mesmo assim convencidas de que Pacelli iria protestar mais
cedo ou mais tarde. Achavam que um protesto papal imediato poderia
funcionar em seu favor, evitando a deportação e uma espiral de
protestos papais posteriores e represálias, culminando com a invasão
pela SS do território do Vaticano e uma violenta reação civil.”
(p. 353)
“Como
os
católicos
podem
aceitar
que
o
bispo
de
Roma
não
tenha
feito
um
único
ato
litúrgico
pelos
judeus
deportados
da
Cidade
Eterna?
E,
no
entanto,
ao
saber
da
morte
de
Adolf
Hitler,
Adolf
Bertram,
a
essa
altura
o
cardeal-arcebispo
de
Berlim,
ordenou
a
todos
os
padres
de
sua
arquidiocese
que
'celebrem
um
Réquiem
solene
em
memória
do
Führer e
de
todos
os
membros
da
Wehrmacht que
tombaram
na
luta
por
nossa
pátria
germânica,
junto
com
as
orações
mais
sinceras
pela
pátria
e
pelo
futuro
da
Igreja
católica
na
Alemanha'.”
(p.
354)
fonte:
CORNWELL,
John.
O
Papa
de
Hitler
– A
História
Secreta
de
Pio
XII.
(Hitler's
Pope:
the
secret
history
of
Pius
XII.
1999)
Trad.
A
.
B.
Pinheiro
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Lemos.
Rio
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Imago
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