1944
A
sistemática do Holocausto [Shoah]
(trecho de A Lista de Schindler)
“Durante
as neves daquele ano, Plaszòvia [Plaszow] passou por uma adversa
mudança nas condições sociais de todos os amantes do campo. Nos
primeiros dias de janeiro de 1944, foi organizado um
Konzentrationslager
(Campo de Concentração) sob a autoridade central do General SS
Oswald Pohl, do Escritório Econômico e Administrativo em
Oranienburg, nas cercanias de Berlim. Subcampos de Plaszóvia –
tais como o da Emalia [fábrica de esmaltados], de Schindler –
também passaram a ser controladas em Oranienburg. Os chefes de
polícia Scherner e Czurda perderam autoridade direta. Os salários
de trabalho de todos os prisioneiros empregados por Oskar e Madritsch
não foram mais para a Rua Pomorska mas para o escritório dp General
Richard Glücks, chefe da Seção D (Campos de Concentração) de
Pohl. Agora, quanto precisava de favores, Oskar não tinha de ir
somente a Plaszóvia amaciar Amon [comandante Amon Goeth] e convidar
Julian Scherner para jantar, mas também entrar em contato com certos
funcionários do grande complexo burocrático de Oranienburg.
Oskar
logo arranjou uma oportunidade de viajar para Berlim e travar
conhecimento com as pessoas que iriam lidar com a sua ficha.
Oranienburg tinha começado como um campo de concentração. Agora se
tornara uma vasta organização administrativa. Nos escritórios da
Seção D, eram regulamentados todos os aspectos da vida e da morte
de prisioneiros. O seu chefe, Richard Glücks, tinha também a
responsabilidade, de acordo com Pohl, de estabelecer o equilíbrio
entre trabalhadores e candidatos às câmaras de gás, para a equação
em que X representava trabalho e Y representava os próximos
condenados.
[…]
Nessa
sinistra chancelaria, alguns arquivos se referiam a discussões sobre
qual o comprimento obrigatório do cabelo de um prisioneiro, material
considerado utilizável economicamente 'na manufatura de meias para
tripulações de submarinos e feltro de cabelo para calçados', ao
passo que em outros se discutia se o formulário registrando 'casos
de morte' devia ser arquivado por oito departamentos ou simplesmente
citado por carta e apenso aos registros de pessoal, a fim de que as
fichas de arquivo fossem atualizadas. E era nessa chancelaria que
Herr Oskar Schindler de Cracóvia [Kraków] precisava falar do seu
pequeno conjunto industrial em Zablocie. [...]”
pp.
231-32
…
“Agora
que Plaszóvia era – na linguagem dos burocratas – um campo de
cocnentração, seus prisioneiros constataram ser menos perigoso
deparar com Amon [Goeth, comandante]. Os chefes de Oranienburg não
permitiam mais as execuções sumárias. Os tempos em que era
fuzilado quem não descascasse batatas com bastante rapidez
pertenciam ao passado. Agora só podiam se liquidados através de um
processo legal. Tinha de haver um interrogatório e um relatório
remetido em três cópias para Oranienburg. A sentença precisava ser
confirmada não apenas pelo escritório do Genral Glück mas também
pelo Departamento W (Empreendimentos Econômicos) do General Pohl. Se
um comandante matasse algum dos trabalhadores essenciais, o
Departamento W podia ver-se a braços com reivindicações de
compensação. Allach-Munich, Ltd., por exemplo, fabricantes de
porcelana, que usavam trabalho escravo de Dachau, tinham recentemente
exigido uma indenização de 31.800 RM porque 'em resultado de
epidemia de febre tifóide que surgiu em 1943, deixamos de ter à
nossa disposição mão-de-obra de prisioneiros desde 26 de janeiro
de 1943 até 3 de março de 1943. em nossa opinião temos direito à
compensação, de acordo com a Cláusula 2 do Fundo de Compensação
Comercial …'
O
Departamento W ficava ainda mais obrigado a compensações, se a
perda de mão-de-obra especializada era causada pelo zelo de algum
oficial da SS rápido no gatilho.
Assim,
para evitar a burocracia e as complicações departamentais, Amon
passou a conter-se um pouco. As pessoas que apareciam na sua
proximidade, na primavera e começo do verão de 1944, de certa forma
se sentiam mais seguras, embora nada soubessem sobre o Departamento W
e os Generais Pohl e Glücks. Para elas era um indulto tão
misterioso quanto a própria demência de Amon.
Contudo,
como Oskar tinha mencionado a henry Rosner, eles agora queimavam os
corpos em Plaszóvia. Preparando-se para a ofensiva russa, a SS
estava abolindo suas instituições no Leste. Treblinka, Sobibor e
Belzec haviam sido evacuados no outono anterior. A Waffen
SS, que os
administrava, recebera ordem de dinamitar as câmaras de gás e
crematórios, não deixar vestígio algum reconhecível, e fora
transferida para a Itália, a fim de combater os guerrilheiros. O
imenso complexo de Auschwitz, em terreno seguro no norte da Silésia,
completaria a grande tarefa no Leste e, uma vez concluída, o
crematório seria soterrado. Pois, sem a evidência do crematório,
os mortos não podiam prestar testemunho, eram um sussurro no vento,
uma poeira inconsistente nas folhas dos álamos.
Plaszóvia
não era de solução tão simples, porque os seus mortos jaziam por
toda parte em seu redor. No furor da primavera de 1942, cadáveres –
sobretudo os das pessoas assassinadas nos últimos dois dias do gueto
– eram jogados a esmo em valas comuns nos bosques. Agora, o
Departamento D encarregou Amon de descobrir todas aquelas valas.
Os
cálculos quanto à quantidade de corpos variam muito. Publicações
polonesas, baseadas no trabalho da Comissão Central para
investigação de Crimes nazistas na Polônia e em outras fontes de
informação, afirmam que 150 mil prisioneiros, muitos deles em
trânsito para outros locais, passaram por Plazsóvia e seus cinco
subcampos. Desses, os poloneses acreditam que 80 mil morreram ali,
muitos em execuções em massa dentro de Chujowa Górka ou vítimas
de epidemias.
Essa
estimativa desconcerta os sobreviventes de Plaszóvia que se lembram
do horrendo trabalho de queimar os mortos. Afirmam que só o número
de corpos, por eles exumados, atinge mais ou menos entre oito mil e
dez mil – proporção apavorante, e que eles não têm a menor
vontade de exagerar. A diferença entre as duas estimativas fica mais
chocante, quando lembramos que execuções de poloneses, ciganos e
judeus continuariam em Chujowa Górka e em outros pontos nas
circunvizinhanças de Plaszóvia, durante quase todos aqueles anos, e
que os próprios SS adotaram a prática de queimar corpos
imediatamente após as execuções em massa no morro do forte
austríaco. Além disso, Amon não iria conseguir realizar a sua
intenção de remover dos bosques todos os corpos. Alguns milhares
mais seriam encontrados em exumações no pós-guerra e hoje, quando
os subúrbios de Cracóvia [Kraków] se aproximam cada vez mais de
Plaszóvia, ainda são encontrados ossos nas escavações para
fundações.
Oskar
viu a enfiada de piras na elevação do terreno acima das oficinas,
durante uma visita pouco antes de seu aniversário. Quando voltou,
uma semana depois, a atividade havia aumentado. Os corpos eram
desenterrados por prisioneiros que trabalhavam de rosto tapado. Em
cobertores, padiolas e macas eram levados para o local da incineração
e depositados sobre toras de madeira. A pira era arrumada camada por
camada, e quando alcançava a altura do ombro de um homem, encharcada
com combustível e acesa. Pfefferberg se horrorizara, vendo a vida
temporária com que as chamas animavam os mortos, a maneira como os
corpos se sentavam, atirando para longe as toras ardentes, os membros
estirando-se, as bocas se escancarando como para um derradeiro grito.
Um jovem SS da estação de despiolhamento corria entre as piras,
sacudindo a pistola e esbravejando ordens frenéticas.
A
fuligem dos mortos recaía nos cabelos dos vivos e sobre as roupas
postas a secar nos varais do quintal dos oficiais subalternos. Oskar
ficou pasmo ao ver a indiferença com que o pessoal do campo aceitava
a fumaça, como se a fuligem no ar proviesse de alguma honesta e
inevitável precipitação industrial. No ar esfumaçado, Amon saía
a cavalo com Majola, ambos muito calmos em suas montarias. Leo John
levava o filho de doze anos para apanhar sapos no terreno pantanoso
da mata. As chamas e a fedentina não lhes perturbavam a vida
quotidiana.”
pp.
241-243
fonte:
KENEALLY, Thomas. A
Lista de Schindler.
13ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.
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Schindler's List