Ouvintes
alemães
Discursos
contra Hilter
Thomas
Mann na BBC
[discursos
de dezembro 1943]
9
de dezembro de 1943
Ouvintes
alemães!
Não
é preciso esclarecer a vocês que o histórico encontro de Teerã *
não resultou no apelo ao exército do povo alemão, ao próprio povo
alemão, anunciado pela propaganda nazista e tão falado quanto
inútil. A intimação para a deposição das armas não teria
sentido em um momento em que os soldados alemães lutam longe das
fronteiras do Reich
e
em que sonora promessa de que armas novas e secretas transformariam a
derrota em vitória anestesia a mente dos alemães. Na verdade, é
certo que essas armas, se existirem, no máximo retardarão o
resultado final da guerra, e, por causa dos danos que possivelmente
possam causar, apenas aumentam o ressentimento contra a Alemanha e
pioram sua situação. Mas tudo isso pertence ao destino e só
podemos aguardar.
O
fato de os estadistas da Rússia, da Inglaterra e dos Estados Unidos
não terem enviado uma mensagem direta a vocês, alemães, significa
que não se deseja uma capitulação antecipada que deixaria mais ou
menos intacta a máquina de guerra alemã, uma capitulação com
segundas intenções que servem a propósitos enganadores e que só
poderia ser utilizada para a obtenção de um intervalo para descanso
de algumas décadas: significa que o desejo é dar um fim claro,
sólido e definitivo em termos militares à guerra. É preciso acabar
para sempre com a mentira da punhalada pelas costas **, com o
autoengano nacionalista do tipo ' não fomos vencidos no campo de
batalha”. A única experiência que pode trazer a Alemanha à
razão, a experiência de uma derrota catastrófica, inegável e
concreta, a ocupação e a tutela provisória do país, enfim, todas
as providências que são necessárias para tornar impossível para
sempre qualquer nova agressividade – essa experiência não deve e
não será poupada a vocês.
[…]
Deixem
a derrota militar se realizar, esperem chegar a hora que permita a
vocês ajustar as contas com seus depravadores, de maneira tão
radical e tão implacável quanto é necessário para o futuro da
Alemanha. Então terá chegado também para nós o momento de
atestar: a Alemanha está livre, a Alemanha se purificou de verdade,
a Alemanha deve viver.
pp.
157-160
(*)Realizado
em novembro de 1943, reuniu os três chefes de Estado aliados –
Roosevelt, Churchill e Stálin – para definir as ações da última
fase da Segunda Guerra Mundial após a derrota alemã em Stalingrado.
(NT)
mais
sobre a Conferência
de Teerã
em
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com.br/2013/11/conferencia-de-teera-novembro-dezembro.html
(**)Mann
alude à chamada Dolchstoßlegende
('lenda da punhalada pelas costas') , a tese de que a Alemanha não
perdeu a Primeira Guerra Mundial por razões de ordem militar e
econômica, mas por derrotismo e traições nas próprias fileiras.
(NT)
…
31
de dezembro de 1943
Ouvintes
alemães!
Nosso
país não consegue se livrar de uma imitação falsa, totalmente
equivocada e infeliz da Inglaterra. A alcunha com a qual o mundo hoje
chama você, alemães, 'raça de senhores', um nome que só pode ser
ridículo, uma zombaria, chegou a ser levado muito a sério por
vocês. Vocês viram nos ingleses uma raça de senhores e era isso
que também queriam ser; vocês viveram sob a pressão invejosa de
copiar a Inglaterra, de assumir para si o papel que atribuíam a
eles; o sonho de vocês era suplantar a Inglaterra, colocar-se em seu
lugar; não apenas um povo de senhores – vocês queriam ser o povo
de senhores e arrebatar da Inglaterra o domínio dos mares, do qual
depende sua existência, enquanto a de vocês nada deve a esse
domínio. Esta foi a origem da Primeira
Guerra Mundial.
Sua
origem foi uma tolice invejosa; já a origem da Segunda Guerra, que a
Alemanha também está perdendo, é apenas uma caricatura dessa
tolice – assim como o nazismo é uma caricatura terrível de todas
as fraquezas e loucuras da essência alemã, a ponto de corrermos o
perigo de esquecer suas virtudes. Na cabeça dos nazistas, a ideia de
um 'povo de senhores' levou à perda de qualquer resto de dignidade e
atenção aos direitos humanos, de qualquer consciência de
responsabilidade e de toda sensibilidade sã em relação àquilo que
o mundo pode admitir ou não. Tornou-se apenas a justificativa para o
roubo e o assassinato, para o saque, a opressão, a castração e a
violação dos outros povos – para um empreendimento que estava
destinado a sucumbir diante das forças unidas do mundo.
[…]
Acontece
com a Alemanha exatamente o contrário do que aconteceu antes com a
Inglaterra, e por isso a imitação é tão absurda. Será que a
Alemanha em apuros espera o auxílio do mundo? Não, ela só pode
esperar a queda progressiva dos mercenários que acreditavam na sua
sorte de ladrões. A Alemanha não pode se recuperar como fez a
Inglaterra, cujo caminho a levou das derrotas iniciais às vitórias.
O caminho da Alemanha vai das vitórias deslumbrantes do começo,
graças à vantagem de seu armamento, à queda inevitável. A
stubborness
[teimosia] da Alemanha, seu dito heroísmo e resistência, são
desesperadores e infames, uma cópia totalmente falsa da coragem
inglesa. Ela é não apenas um crime contra um mundo que não pode e
não deve desistir da luta mais sacrificada até destruir o regime
nazista; é também um crime contra a própria Alemanha, contra o
povo alemão e suas obras culturais, contra as cidades alemãs que
afundam em ruínas, contra sua força vital que pertence à
humanidade e ao futuro e que não deve mais sangrar sem sentido e sem
razão.
Onde
estão aqueles dentre vocês, alemães, que entendem que a honra e a
coragem alemãs não estão agora na 'resistência', mas sim na
submissão aos desejos da humanidade?
pp.
160-163
Fonte:
MANN, Thomas. Ouvintes
alemães!: discursos contra Hitler (1940-1945).
(Deutsche
Hörer!)
Trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009.
sobre
o autor alemão Thomas Mann
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