quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Papado, o Nazismo e o Holocausto - cont. 6






Relações do Papado com o Nazismo – continuação 6




fonte: CORNWELL, John. O Papa de HitlerA História Secreta de Pio XII. (Hitler's Pope: the secret history of Pius XII. 1999) Trad. A . B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000


Capítulo 16 – Pacelli e o Holocausto


A Solução Final evoluiu durante os três primeiros anos da guerra, coincidindo com os três primeiros anos do pontificado de Pacelli. Muito foi planejado e executado em sigilo, pois o regime nazista era sensível, apavorado até, à opinião pública descontrolada. Mas uma coisa tão ampla quanto um plano para destruir um povo inteiro não podia permanecer oculta por muito tempo. Além disso, Adolf Hitler deixara claro quais eram suas intenções para os judeus, em 3 de janeiro de 1939, quando declarou: 'Se o judaísmo internacional tiver êxito, na Europa ou em qualquer outro lugar, em precipitar as nações numa guerra internacional, o resultado não será a bolchevização da Europa e a vitória dos judeus, mas sim o extermínio da raça judia'. No final de julho de 1941, um mês depois do ataque à Rússia, em 22 de junho de 1941, Reinhard Heydrich recebeu ordens para efetuar todos os preparativos necessários para 'uma solução completa' da questão judaica na esfera de influência alemã na Europa. No outono de 1941, já estavam em andamento os preparativos para uma operação gigantesca e sem precedentes na História: a sistemática escravização, deportação e extermínio de um povo inteiro.” (p. 313)

A 'Solução Final' constituiu um teste sem precedentes da fé cristã, uma religião baseada no conceito de ágape, o amor que concede a cada pessoa, independente de qualquer diferença, o mesmo respeito com filho de Deus – o amor que, como Pacelli declarou em sua primeira encíclica de 1941, citando o pronunciamento de São Paulo sobre a universidade cristã, não discrimina 'grego ou judeu, circuncidado ou não-circuncidado, bárbaro ou cita, servo ou liberto, pois Cristo está em tudo e em todos'. Os cristãos defrontaram-se com um desafio moral histórico. Não era um dever cristão óbvio protestar e resistir ao extermínio dos judeus, quaisquer que fossem as consequências?

O cristianismo, e o catolicismo em particular, tinha uma longa história de antijudaísmo em termos religiosos, algo que não diminuíra no século XX. Não era parte da cultura católica perseguir judeus com base na ideologia racial hitlerista, muito menos justificar o extermínio da raça. E, no entanto, à primeira vista, o catolicismo parecia ter ligações com o nacionalismo de direita, o corporativismo e o fascismo, que propunham o anti-semitismo ou mantinham uma cumplicidade com o anti-semitismo em bases raciais. Praticamente todos os ditadores de direita dessa época nasceram e foram criados como católicos e especialmente Hitler, Horthy, Franco, Pétain, Mussolini, Pavelic e Tiso (que era um padre católico). Houve exemplos isolados mas significativos de bispos católicos expressando opiniões anti-semitas, no momento mesmo em que a perseguição aos judeus aumentava na Alemanha, em meados da década de 1930. [...] ” (p. 315)


Na última semana deste mês, junho de 1942, a terrível situação dos judeus na Europa nazista – um milhão dos quais já morrera a essa altura – tornou-se do conhecimento do mundo inteiro, por meio dos jornais e emissoras de rádio. O primeiro jornal a informar que os judeus não estavam apenas sendo perseguidos, mas sim exterminados, foi o Daily Telegraph, de Londres, que publicou uma série de reportagens a respeito com o maior destaque. A primeira, em 25 de junho, declarava: 'Mais de 700 mil judeus poloneses foram assassinados pelos alemães, nos maiores massacres da História do mundo'. A reportagem, baseada num despacho secreto de Shmuel Zygilebojm, o representante judeu no Conselho Nacional Polonês, alegava que os assassinatos estavam sendo cometidos com o uso de gás venenoso. Zygillebojm mais tarde se suicidou, em consequência do que achava ser a indiferença do Ocidente. Uma segunda reportagem, publicada em 30 de junho, tinha o título seguinte: 'MAIS DE UM MILHÃO DE JUDEUS MORTOS NA EUROPA'. Dizia que o objetivo dos nazistas era 'exterminar a raça do continente europeu'. As duas reportagens foram noticiadas pela BBC. Assim chegaram ao conhecimento do papa, por meio de Osborne. O The New York Times publicou as reportagens a 30 de junho e 2 de julho, o que levou a um comício de protesto no Madison Square Garden, em Nova York, em 21 de julho. Mais ou menos nessa ocasião, informações detalhadas sobre os campos de extermínio na Polônia vazaram para o Ocidente, por intermédio de três fugitivos judeus; seus relatos foram publicados por jornais americanos.” (pp. 318-19)

Segundo fontes do Vaticano, que legitimam o silêncio, o papa recebeu gradativamente as notícias 'estarrecedoras' das perseguições, deportações e massacres contra os judeus, na França, na Holanda, na Polônia, nos territórios do Leste, mas nada pôde fazer além de preocupar-se e abater-se compungido. Temia que uma condenação em público pudesse irritar ainda mais os líderes nazi-fascistas. Além de tudo, Pacelli temia uma invasão da cidade de Roma – daí a pressa do clero em desfazer-se de documentos comprometedores.

Ao longo do verão de 1942, cerca de 15 mil judeus holandeses foram deportados para os campos de extermínio.” (p. 321) 
 
Até 124 de setembro de 1942, o número total de todos os judeus deportados da Holanda era de 20.588, segundo os dados publicados por Martin Gilbert.” (p. 323)

No final do ano [1942], cerca de 42 mil judeus haviam sido despachados da França para Auschwitz. Como os documentos do Vaticano comprovam, o núncio na França deu informações completas à secretaria de Estado sobre cada estágio da deportação.” (p. 323)

Os líderes norte-americanos queriam que a Santa Sé, na figura do Papa, fizesse uma condenação explícita ('declaração clara e objetiva') do massacre sistemático do povo judeu por ordens dos nazistas. Que o Vaticano não temesse, pois os Aliados certamente venceriam a guerra - tanto militarmente quanto moralmente. Na época da destruição do Gueto de Varsóvia, com a deportação de seus habitantes, mesmo com resistência, em julho de 1942, “os Aliados obtinham o sucesso militar em vários teatros de guerra: a humilhação alemã em Stalingrado, a notícia de El Alamein, os desembarques americanos na África do Norte – mesmo assim, Pacelli continuou evasivo.” (p. 326)


A Homilia da Véspera do Natal


Em 24 de dezembro de 1942, depois de ter feito vários esboços, Pio XII transmitiu pelo rádio sua homilia de Natal para o mundo. O tema foi Direitos Humanos e os problemas do indivíduo em relação ao Estado. Ele começou por asseverar que o desequilíbrio entre o Estado e o indivíduo fora provocado pelas 'políticas econômicas perniciosas' das últimas décadas, em que tudo se tornara 'subordinado ao motivo de lucro'. Isto fizera com que o indivíduo fosse reduzido a ser um mero instrumento de 'utilidade do Estado, com a exclusão de todas as considerações éticas e religiosas'. Não havia nenhuma distinção ou percepção no sentido sobre o contraste entre totalitarismo e democracia, democracia social e comunismo, capitalismo e capitalismo de bem-estar social. De sua visão geral papal, Pacelli declarava que o mundo carecia da ordenação pacífica da sociedade oferecida pela fidelidade à Santa Madre Igreja. Seu conceito de uma sociedade ideal, no entanto, além de apelos à devoção individual e familiar, era uma mistura de panaceias corporativistas e exortações ao espírito 'cristão responsável'. A base de tudo era a premissa da supremacia papal.” (pp. 327-28)

Veio em seguida a famosa declaração, que devia ser compreendida como um repúdio claro ao extermínio do povo judeu pelos nazistas, como ele mais tarde alegou: 'A humanidade deve esse voto às centenas de milhares de pessoas que, sem qualquer culpa pessoal, às vezes apenas por causa de sua nacionalidade ou raça, estão marcadas para a morte ou extinção gradativa.'

Era o ponto máximo a que iria seu protesto e denúncia, depois de um ano de encorajamento, súplica, argumentação, prova depois de prova do que acontecia na Polônia e em toda a Europa. Haveria de permanecer como o máximo de seu protesto e denúncia pelo resto da guerra.

Não era apenas uma declaração insignificante. O abismo entre a enormidade do extermínio do povo judeu e essa forma de palavras evasivas é chocante. […] Não mencionara em parte alguma nazista ou Alemanha nazista. O próprio Hitler não poderia desejar uma reação mais enrolada e inócua do vigário de Cristo ao maior crime da história humana.” (pp. 328-29)


fonte: CORNWELL, John. O Papa de HitlerA História Secreta de Pio XII. (Hitler's Pope: the secret history of Pius XII. 1999) Trad. A . B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000


Seleção / comentários : LdeM



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a imprensa britânica e o Holocausto


trecho: “Some reports of a systematic policy to exterminate Jews were published in newspapers. On 25 June 1942 the Daily Telegraph reported that 700,000 Polish Jews had been killed, some by mobile gas chambers. Most newspapers by the end of June were writing of more than a million dead, and Hitler's plan to exterminate all Jews.” (trad. LdeM : 'Algumas notícias de uma política sistemática para exterminar os judeus foram publicadas em jornais. Em 25 de junho de 1942 o Daily Telegraph noticiou que 700.000 judeus poloneses foram mortos, alguns em câmeras de gás móveis [i.e. caminhões adaptados]. Muitos jornais ao fim de junho relatavam mais de um milhão de mortos, e o plano de Hitler para exterminar todos os judeus.”)


Timeline do Holocausto




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