quinta-feira, 24 de maio de 2012

Holocausto : Einsatzgruppen - Deportações




Holocausto / Shoah


Einsatzgruppen
Antigo Gueto de Cracóvia
Deportações

trechos deA Lista de Schindler(Schindler's List, 1982)
de Thomas Keneally (1935- )
trad. Tati Moraes
 



Seis Einsatzgruppen tinham vindo para a Polônia com o exército invasor. A sua denominação tinha significação sutil. 'Grupos de Tarefa Especial' é uma tradução aproximada. Mas a palavra amorfa Einsatz é também rica em nuançasde desafio, de provocação, de nobre contenda. Esses esquadrões eram recrutados no Sicherheitsdienst (SDServiço de Segurança) de Heydrich. De antemão, eles sabiam que a sua tarefa era ampla. O seu líder supremo dissera seis semanas antes ao General Wilhelm Keitel que 'no Governo Geral da Polônia terá de haver uma dura luta pela existência nacional, que não permitirá restrições legais de espécie alguma'. Na elevada retórica de seus líderes, os soldados do Einsatz sabiam que uma luta pela existência nacional significava guerra aos judeus e outras raças, assim como o próprio Einsatz, Tarefa Especial de Cavaleiros, significava o cano quente de uma espingarda.

O esquadrão Einsatz destacado para ação na Kazimierz naquela noite era de elite. Deixariam aos tarefeiros da SS o trabalho sórdido de revistar as moradias em busca de anéis de diamante e casacos forrados de pele. Eles próprios tomariam parte numa atividade mais radicalmente simbólica de destruir os instrumentos da cultura judaica, isto é, as antigas sinagogas de Cracóvia.

Havia semanas que os componentes do Einsatz estavam se exercitando, assim como os Sonderkommandos SS (Esquadrões Especiais) também destacados para essa primeira Aktion em Cracóvia, e a polícia de segurança do chefe Czurda. O Exército negociara com Heydrich e os chefes de polícia mais categorizados um adiamento de operações até a Polônia passar da administração militar à civil. A transmissão de autoridade fora agora efetuada, e em todo o país os Cavaleiros de Einsatz e os Sonderkommandos receberam ordem de atacar, com um justo senso de racismo histórico e indiferença profissional, os antigos guetos judaicos.

No final da rua estava situado o apartamento de Oskar, e lá também se erguiam as fortificações rochosas do Castelo de Wawel, de onde governava Hans Frank. Para que se possa compreender a futura atuação de Oskar na Polônia, é preciso examinar a ligação entre Frank e os jovens membros da SS e da SD, e depois entre Frank e os judeus de Cracóvia.

Em primeiro lugar, Hans Frank não tinha autoridade direta sobre aqueles esquadrões especiais que iriam invadir a Kazimierz. As forças policiais de Heindrich Himmler, onde quer que atuassem, faziam sempre a sua própria lei. Frank não reprovava esse poder independente, como não concordava com ele em terreno prático. Abominava tanto quanto qualquer outro membro do Partido a população judaica e considerava a agradável cidade de Cracóvia intolerável devido à quantidade de judeus que a habitavam. Pouco tempo antes ele se queixara, quando as autoridades tinham tentado usar o Governo-Geral, e especialmente Cracóvia com o seu entrocamento de estrada de fero, como despejo de judeus das cidades da Wartheland, Lodz e Poznan. Mas não acreditava que os Einsatzgruppen ou os Sonderkommandos, com os seus métodos, pudessem trazer alguma solução para o problema. Era opinião de Frank, partilhada por Himmler (em certos estágios das divagações mentais de 'Heini'), que deveria haver um vasto campo de concentração para judeus, pelo menos na cidade de Lublin e cercanias, ou, ainda melhor, na Ilha de Madagáscar.

Os próprios poloneses sempre haviam acreditado em Madagáscar. Em 1937, o Governo polonês tinha enviado uma comissão para estudar aquela ilha de picos altos tão longe de suas sensibilidades europeias. O Ministério Colonial francês, a que pertencia Madagáscar, estava disposto a negociar, de governo para governo, essa nova colonização, pois uma Madagáscar com uma densa população judaica seria um grande mercado de exportação. Oswald Pirow, Ministro da Defesa da África do Sul, tinha atuado por um tempo como intermediário entre Hitler e a França na questão da ilha. Assim, Madagáscar, como solução, tinha um alvará respeitável. Havia um interesse financeiro da parte de Hans nessa solução e não no Einsatzgruppe. Pois aqueles reides e massacres esporádicos não podiam arrasar a população subumana da Europa Oriental. Durante o tempo da campanha em torno de Varsóvia, o Einsatzgruppe tinha enforcado judeus nas sinagogas da Silésia, haviam-nos destruídos com o suplício da água, tinham-lhes invadido os lares nas noites de Sabbath ou dias de festa, cortado os seus cachos rituais de oração, tocado fogo em seus tallis, haviam-nos fuzilado contra uma parede. O efeito fora quase nulo. Segundo Frank, havia muitos indícios na História de que raças ameaçadas em geral venciam os genocídios. O falo era mais rápido que o fuzil.

O que ninguém sabianem os participantes do debate, os finamente educados rapazes do Einsatzgruppe dentro de um caminhão, os não tão distintos membros da SS em outro caminhão, os fiéis nas sinagogas, Herr Oskar Schindler a caminho de seu apartamento na Rua Straszewskiego para se vestir para o jantaro que nenhum deles sabia, e muitos planejadores do partido mal podiam esperar, era que iria ser encontrada uma resposta tecnológica: um desinfetante químico composto, Zyklon B, iria substituir Madagáscar como solução.pp. 53-55


Era um ano [1940] semelhante a todos os outros anos que se sucederam até o fim do conflito mundial, em que os judeus procuravam algum emprego considerado essencial ao esforço de guerra. Em abril, o Governador Frank tinha decretado a evacuação dos judeus de sua capital, Cracóvia. Era uma decisão curiosa, que as autoridades do Reich continuavam remetendo de volta ao Governo-Geral judeus e poloneses numa média de 10 mil por dia. Entretanto, segundo Frank informou ao seu gabinete, as condições em Cracóvia eram escandalosas. Sabia de chefes-de-divisão alemães que eram obrigados a morar em prédios de apartamentos, onde ainda havia inquilinos judeus! Até oficiais mais graduados estavam também sujeitos à mesma escandalosa indignidade. E Frank prometeu que nos próximos seis meses tornaria Cracóvia judenfrei (livre de judeus). Seria permitido um remanescente de 5 mil ou 6 mil trabalhadores judeus especializados. Todo o resto seria removido para outras cidades do Governo-Geral, Varsóvia ou Radom, Lublin ou Czestochowa. Os judeus poderiam emigrar voluntariamente para a cidade de sua escolha, desde que i fizessem até 15 de agosto. Os que ainda permanecessem na cidade após aquelas data seriam transportados de caminhão com um mínimo de bagagem para qualquer local que fosse da conveniência da administração. A partir de de novembro, declarou Hans Frank, seria possível aos alemães de Cracóvia respirarem 'puro ar alemão', caminhar pela cidade sem ver as ruas e alamedas 'fervilhando de judeus'.p. 67


Mais sobre os guettos

Os judeus de Cracóvia estavam acostumadosde uma forma que se poderia descrever melhor como congênitaà ideia de um gueto. E agora que ficara decidido, a própria palavra soava como algo ancestralmente calmante. Seus avós não tinham tido permissão de emergir do gueto de Kazimierz até 1867, quando Franz Josef assinara um decreto permitindo-lhes viver onde quisessem na cidade. Os cínicos diziam que os austríacos tinham tido necessidade de abrir Kazimierz, entalada no braço do rio tão perto de Cracóvia, a fim de que os trabalhadores poloneses pudessem encontrar acomodações próximas ao seu local de trabalho. Não obstante, Franz Josef era ainda reverenciado pelos mais velhos de Kazimierz com tanta ênfase quanto o fora no lar de Oskar Schindler, em sua infância.

Embora a liberdade tivesse chegado tão tarde, havia ao mesmo tempo, entre os judeus mais velhos de Cracóvia, uma nostalgia pelo antigo gueto de Kazimierz. Um gueto implicava esqualidez, dificuldade de moradia, compartilhar banheiros, disputas por espaço para cordas de secar roupa. Contudo, também fazia com que os judeus se dedicassem à sua especial característica: riqueza de erudição partilhada, canções e conversações em conjunto, em cafés com fartura de ideias senão de leite. Rumores tenebrosos emanavam dos guetos de Lodz e Varsóvia, mas o de Podgórze, conforme fora planejado, era mais favorecido em questão de espaço, pois, se fosse superposto num mapa do Centrum, ver-se-ia que ocupava uma área de cerca de metade do tamanho da Cidade Velha – espaço de modo algum suficiente mas que não chegava a ser um estrangulamento.

Havia também no edital uma cláusula tranquilizadora pela qual o governo se comprometia a proteger os judeus dos seus compatriotas poloneses. Desde princípios da década de 30, uma luta racial, premeditadamente organizada, prevalecera na polônia. Quando começou a depressão e os preços de produtos agrícolas caíram, o governo polonês tinha sancionado vários grupos políticos anti-semitas, do tipo que via os judeus como a causa de todos os problemas econômicos. […]

Nos primeiros dias da ocupação alemã, os conquistadores se espantaram com a presteza com que os poloneses lhes indicavam os lares de judeus e agarravam um judeu pelos cachos religiosos, enquanto um alemão cortava com uma tesoura as barbas ortodoxas ou espetava-lhe o rosto com a ponta de uma baioneta. Portanto, em março de 1941, o compromisso de proteger os moradores do gueto dos excessos nacionalistas poloneses foi recebido quase como verossímil.

Embora não houvesse grandes manifestações espontâneas de alegria entre os judeus de Cracóvia, ao arrumarem as bagagens para se mudar para Podgórze, havia uma estranha sensação de volta ao lar, assim como a impressão de ter alcançado um limite além do qual, com alguma sorte, não poderiam expulsá-los e tiranizá-los ainda mais. A tal ponto que mesmo judeus de aldeias nas cercanias de Cracóvia, de Wieliczka, Niepolomice, Lipnica, Murowana e Tyniec se apressaram em retornar à cidade, receosos de não poderem mais penetrar no gueto depois de 20 de março e se verem isolados num ambiente hostil. Pois o gueto era, pela sua própria natureza, quase por definição, habitável, ainda que sujeito a ataques intermitentes. O gueto representava estase em vez de fluxo.pp. 80-81


Ainda naquele verão, as pessoas cercadas pelos muros continuavam se agarrando à noção de que o gueto era um domínio restrito, porém permanente. Não era muito difícil acreditar nessa noção no ano de 1941. fora instalado um correio e havia até selos do gueto. Havia também um jornal, embora pouco mais contivesse do que editais de Wawel e da Rua Pomorska. Fora permitido o funcionamento de um restaurante na Rua Lwówska: o Restaurante Foerster, onde os irmãos Rosner, de volta dos perigos do campo e das paixões mutáveis dos camponeses, tocavam violino e acordeão. Por um breve espaço de tempo, parecia que as escolas iriam funcionar normalmente, que orquestras se reuniriam para concertos, que a vida judaica seria comunicada como uma organização benigna ao longo das ruas, de artesão para artesão, de professor para professor, não fora ainda definitivamente manifestada a ideia pelos burocratas SS da Rua Pomorska de que tal tipo de gueto não era apenas uma extravagância como um insulto às diretrizes racionais da História.

Assim, quando o Untersturmführer Brandt mandou chamar o presidente [do Conselho Judaico, Judenrat ] Artur Rosenzweig à Rua Pomorska para uma surra com o cabo de seu chicote de montaria, estava tentando corrigir a incurável visão do judeu de considerar o gueto como uma zona de residência permanente. O gueto era um depósito, um desvio, uma estação de ônibus cercada de muralhas. Em n1942, qualquer suposição que encorajasse outra perspectiva havia sido abolida.p. 111


fonte:A Lista de Schindler(Schindler's List, 1982)
de Thomas Keneally (1935- ) 
trad. Tati Moraes


O Capítulo 15 (p. 121) deA Lista de Schindlernarra com detalhes a sistemática da invasão, espancamentos, assassinatos e deportação para os campos de concentração (de trabalho forçado e extermínio) que caracterizou o que é denominado Holocausto (Shoah). Assim é também coerente com as datas dos outros livros citados (Treblinkae O Pianista) que situam o início do Holocausto após o fim do inverno de 1942, ou seja, após a Conferência de Wannsee.

É como se a Solução Final fosse consequência de um precipitar da guerra, não algo planejado desde sempre, desde o início do conflito em 1939. o que reforça a tese do planejamento posteriorquando da guerra totalsenso uma vingança de Adolf Hitler contra a comunidade judaica (pois o ditador nazista dissera em 1940 quese eles, os judeus, provocarem outra guerra mundial, a consequência será a aniquilação da raça judia na Europa). Em 1942 foi que Hitler se decidiu pela Solução Final, tendo o apoio de Himmler e Heydrich, como outras fontes mostram.



seleção: LdeM


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filmeSchindler List/ 1993