Holocausto
/
Shoah
Einsatzgruppen
Antigo
Gueto de Cracóvia
Deportações
trechos
de
“A
Lista
de
Schindler”
(Schindler's
List,
1982)
de
Thomas Keneally (1935- )
trad.
Tati Moraes
“Seis
Einsatzgruppen
tinham
vindo
para
a
Polônia
com
o
exército
invasor.
A
sua
denominação
tinha
significação
sutil.
'Grupos
de
Tarefa
Especial'
é
uma
tradução
aproximada.
Mas
a
palavra
amorfa
Einsatz
é
também
rica
em
nuanças
– de
desafio,
de
provocação,
de
nobre
contenda.
Esses
esquadrões
eram
recrutados
no
Sicherheitsdienst
(SD
– Serviço
de
Segurança)
de
Heydrich.
De
antemão,
eles
sabiam
que
a
sua
tarefa
era
ampla.
O
seu
líder
supremo
dissera
seis
semanas
antes
ao
General
Wilhelm
Keitel
que
'no
Governo
Geral
da
Polônia
terá
de
haver
uma
dura
luta
pela
existência
nacional,
que
não
permitirá
restrições
legais
de
espécie
alguma'.
Na
elevada
retórica
de
seus
líderes,
os
soldados
do
Einsatz
sabiam
que
uma
luta
pela
existência
nacional
significava
guerra
aos
judeus
e
outras
raças,
assim
como
o
próprio
Einsatz,
Tarefa
Especial
de
Cavaleiros,
significava
o
cano
quente
de
uma
espingarda.
O
esquadrão
Einsatz
destacado
para
ação
na
Kazimierz
naquela
noite
era
de
elite.
Deixariam
aos
tarefeiros
da
SS
o
trabalho
sórdido
de
revistar
as
moradias
em
busca
de
anéis
de
diamante
e
casacos
forrados
de
pele.
Eles
próprios
tomariam
parte
numa
atividade
mais
radicalmente
simbólica
de
destruir
os
instrumentos
da
cultura
judaica,
isto
é,
as
antigas
sinagogas
de
Cracóvia.
Havia
semanas
que
os
componentes
do
Einsatz
estavam
se
exercitando,
assim
como
os
Sonderkommandos
SS
(Esquadrões
Especiais)
também
destacados
para
essa
primeira
Aktion
em
Cracóvia,
e
a
polícia
de
segurança
do
chefe
Czurda.
O
Exército
negociara
com
Heydrich
e
os
chefes
de
polícia
mais
categorizados
um
adiamento
de
operações
até
a
Polônia
passar
da
administração
militar
à
civil.
A
transmissão
de
autoridade
fora
agora
efetuada,
e
em
todo
o
país
os
Cavaleiros
de
Einsatz
e
os
Sonderkommandos
receberam
ordem
de
atacar,
com
um
justo
senso
de
racismo
histórico
e
indiferença
profissional,
os
antigos
guetos
judaicos.
No
final da rua estava situado o apartamento de Oskar, e lá também se
erguiam as fortificações rochosas do Castelo de Wawel, de onde
governava Hans Frank. Para que se possa compreender a futura atuação
de Oskar na Polônia, é preciso examinar a ligação entre Frank e
os jovens membros da SS e da SD, e depois entre Frank e os judeus de
Cracóvia.
Em
primeiro
lugar,
Hans
Frank
não
tinha
autoridade
direta
sobre
aqueles
esquadrões
especiais
que
iriam
invadir
a
Kazimierz.
As
forças
policiais
de
Heindrich
Himmler,
onde
quer
que
atuassem,
faziam
sempre
a
sua
própria
lei.
Frank
não
só
reprovava
esse
poder
independente,
como
não
concordava
com
ele
em
terreno
prático.
Abominava
tanto
quanto
qualquer
outro
membro
do
Partido
a
população
judaica
e
considerava
a
agradável
cidade
de
Cracóvia
intolerável
devido
à
quantidade
de
judeus
que
a
habitavam.
Pouco
tempo
antes
ele
se
queixara,
quando
as
autoridades
tinham
tentado
usar
o
Governo-Geral,
e
especialmente
Cracóvia
com
o
seu
entrocamento
de
estrada
de
fero,
como
despejo
de
judeus
das
cidades
da
Wartheland,
Lodz
e
Poznan.
Mas
não
acreditava
que
os
Einsatzgruppen
ou
os
Sonderkommandos,
com
os
seus
métodos,
pudessem
trazer
alguma
solução
para
o
problema.
Era
opinião
de
Frank,
partilhada
por
Himmler
(em
certos
estágios
das
divagações
mentais
de
'Heini'),
que
deveria
haver
um
só
vasto
campo
de
concentração
para
judeus,
pelo
menos
na
cidade
de
Lublin
e
cercanias,
ou,
ainda
melhor,
na
Ilha
de
Madagáscar.
Os
próprios
poloneses
sempre
haviam
acreditado
em
Madagáscar.
Em
1937,
o
Governo
polonês
tinha
enviado
uma
comissão
para
estudar
aquela
ilha
de
picos
altos
tão
longe
de
suas
sensibilidades
europeias.
O
Ministério
Colonial
francês,
a
que
pertencia
Madagáscar,
estava
disposto
a
negociar,
de
governo
para
governo,
essa
nova
colonização,
pois
uma
Madagáscar
com
uma
densa
população
judaica
seria
um
grande
mercado
de
exportação.
Oswald
Pirow,
Ministro
da
Defesa
da
África
do
Sul,
tinha
atuado
por
um
tempo
como
intermediário
entre
Hitler
e
a
França
na
questão
da
ilha.
Assim,
Madagáscar,
como
solução,
tinha
um
alvará
respeitável.
Havia
um
interesse
financeiro
da
parte
de
Hans
nessa
solução
e
não
no
Einsatzgruppe.
Pois
aqueles
reides
e
massacres
esporádicos
não
podiam
arrasar
a
população
subumana
da
Europa
Oriental.
Durante
o
tempo
da
campanha
em
torno
de
Varsóvia,
o
Einsatzgruppe
tinha
enforcado
judeus
nas
sinagogas
da
Silésia,
haviam-nos
destruídos
com
o
suplício
da
água,
tinham-lhes
invadido
os
lares
nas
noites
de
Sabbath
ou
dias
de
festa,
cortado
os
seus
cachos
rituais
de
oração,
tocado
fogo
em
seus
tallis,
haviam-nos
fuzilado
contra
uma
parede.
O
efeito
fora
quase
nulo.
Segundo
Frank,
havia
muitos
indícios
na
História
de
que
raças
ameaçadas
em
geral
venciam
os
genocídios.
O
falo
era
mais
rápido
que
o
fuzil.
O
que
ninguém
sabia
– nem
os
participantes
do
debate,
os
finamente
educados
rapazes
do
Einsatzgruppe
dentro
de
um
caminhão,
os
não
tão
distintos
membros
da
SS
em
outro
caminhão,
os
fiéis
nas
sinagogas,
Herr
Oskar
Schindler
a
caminho
de
seu
apartamento
na
Rua
Straszewskiego
para
se
vestir
para
o
jantar
– o
que
nenhum
deles
sabia,
e
muitos
planejadores
do
partido
mal
podiam
esperar,
era
que
iria
ser
encontrada
uma
resposta
tecnológica:
um
desinfetante
químico
composto,
Zyklon
B,
iria
substituir
Madagáscar
como
solução.”
pp.
53-55
“Era
um
ano
[1940]
semelhante
a
todos
os
outros
anos
que
se
sucederam
até
o
fim
do
conflito
mundial,
em
que
os
judeus
procuravam
algum
emprego
considerado
essencial
ao
esforço
de
guerra.
Em
abril,
o
Governador
Frank
tinha
decretado
a
evacuação
dos
judeus
de
sua
capital,
Cracóvia.
Era
uma
decisão
curiosa,
já
que
as
autoridades
do
Reich
continuavam
remetendo
de
volta
ao
Governo-Geral
judeus
e
poloneses
numa
média
de
10
mil
por
dia.
Entretanto,
segundo
Frank
informou
ao
seu
gabinete,
as
condições
em
Cracóvia
eram
escandalosas.
Sabia
de
chefes-de-divisão
alemães
que
eram
obrigados
a
morar
em
prédios
de
apartamentos,
onde
ainda
havia
inquilinos
judeus!
Até
oficiais
mais
graduados
estavam
também
sujeitos
à
mesma
escandalosa
indignidade.
E
Frank
prometeu
que
nos
próximos
seis
meses
tornaria
Cracóvia
judenfrei
(livre
de
judeus).
Seria
permitido
um
remanescente
de
5
mil
ou
6
mil
trabalhadores
judeus
especializados.
Todo
o
resto
seria
removido
para
outras
cidades
do
Governo-Geral,
Varsóvia
ou
Radom,
Lublin
ou
Czestochowa.
Os
judeus
poderiam
emigrar
voluntariamente
para
a
cidade
de
sua
escolha,
desde
que
i
fizessem
até
15
de
agosto.
Os
que
ainda
permanecessem
na
cidade
após
aquelas
data
seriam
transportados
de
caminhão
com
um
mínimo
de
bagagem
para
qualquer
local
que
fosse
da
conveniência
da
administração.
A
partir
de
1º
de
novembro,
declarou
Hans
Frank,
seria
possível
aos
alemães
de
Cracóvia
respirarem
'puro
ar
alemão',
caminhar
pela
cidade
sem
ver
as
ruas
e
alamedas
'fervilhando
de
judeus'.”
p.
67
Mais
sobre os guettos
“Os
judeus
de
Cracóvia
estavam
acostumados
– de
uma
forma
que
se
poderia
descrever
melhor
como
congênita
– à
ideia
de
um
gueto.
E
agora
que
ficara
decidido,
a
própria
palavra
soava
como
algo
ancestralmente
calmante.
Seus
avós
não
tinham
tido
permissão
de
emergir
do
gueto
de
Kazimierz
até
1867,
quando
Franz
Josef
assinara
um
decreto
permitindo-lhes
viver
onde
quisessem
na
cidade.
Os
cínicos
diziam
que
os
austríacos
tinham
tido
necessidade
de
abrir
Kazimierz,
entalada
no
braço
do
rio
tão
perto
de
Cracóvia,
a
fim
de
que
os
trabalhadores
poloneses
pudessem
encontrar
acomodações
próximas
ao
seu
local
de
trabalho.
Não
obstante,
Franz
Josef
era
ainda
reverenciado
pelos
mais
velhos
de
Kazimierz
com
tanta
ênfase
quanto
o
fora
no
lar
de
Oskar
Schindler,
em
sua
infância.
Embora
a liberdade tivesse chegado tão tarde, havia ao mesmo tempo, entre
os judeus mais velhos de Cracóvia, uma nostalgia pelo antigo gueto
de Kazimierz. Um gueto implicava esqualidez, dificuldade de moradia,
compartilhar banheiros, disputas por espaço para cordas de secar
roupa. Contudo, também fazia com que os judeus se dedicassem à sua
especial característica: riqueza de erudição partilhada, canções
e conversações em conjunto, em cafés com fartura de ideias senão
de leite. Rumores tenebrosos emanavam dos guetos de Lodz e Varsóvia,
mas o de Podgórze, conforme fora planejado, era mais favorecido em
questão de espaço, pois, se fosse superposto num mapa do Centrum,
ver-se-ia que ocupava uma área de cerca de metade do tamanho da
Cidade Velha – espaço de modo algum suficiente mas que não
chegava a ser um estrangulamento.
Havia
também no edital uma cláusula tranquilizadora pela qual o governo
se comprometia a proteger os judeus dos seus compatriotas poloneses.
Desde princípios da década de 30, uma luta racial, premeditadamente
organizada, prevalecera na polônia. Quando começou a depressão e
os preços de produtos agrícolas caíram, o governo polonês tinha
sancionado vários grupos políticos anti-semitas, do tipo que via os
judeus como a causa de todos os problemas econômicos. […]
Nos
primeiros dias da ocupação alemã, os conquistadores se espantaram
com a presteza com que os poloneses lhes indicavam os lares de judeus
e agarravam um judeu pelos cachos religiosos, enquanto um alemão
cortava com uma tesoura as barbas ortodoxas ou espetava-lhe o rosto
com a ponta de uma baioneta. Portanto, em março de 1941, o
compromisso de proteger os moradores do gueto dos excessos
nacionalistas poloneses foi recebido quase como verossímil.
Embora
não
houvesse
grandes
manifestações
espontâneas
de
alegria
entre
os
judeus
de
Cracóvia,
ao
arrumarem
as
bagagens
para
se
mudar
para
Podgórze,
havia
uma
estranha
sensação
de
volta
ao
lar,
assim
como
a
impressão
de
ter
alcançado
um
limite
além
do
qual,
com
alguma
sorte,
não
poderiam
expulsá-los
e
tiranizá-los
ainda
mais.
A
tal
ponto
que
mesmo
judeus
de
aldeias
nas
cercanias
de
Cracóvia,
de
Wieliczka,
Niepolomice,
Lipnica,
Murowana
e
Tyniec
se
apressaram
em
retornar
à
cidade,
receosos
de
não
poderem
mais
penetrar
no
gueto
depois
de
20
de
março
e
se
verem
isolados
num
ambiente
hostil.
Pois
o
gueto
era,
pela
sua
própria
natureza,
quase
por
definição,
habitável,
ainda
que
sujeito
a
ataques
intermitentes.
O
gueto
representava
estase
em
vez
de
fluxo.”
pp.
80-81
“Ainda
naquele
verão,
as
pessoas
cercadas
pelos
muros
continuavam
se
agarrando
à
noção
de
que
o
gueto
era
um
domínio
restrito,
porém
permanente.
Não
era
muito
difícil
acreditar
nessa
noção
no
ano
de
1941.
fora
instalado
um
correio
e
havia
até
selos
do
gueto.
Havia
também
um
jornal,
embora
pouco
mais
contivesse
do
que
editais
de
Wawel
e
da
Rua
Pomorska.
Fora
permitido
o
funcionamento
de
um
restaurante
na
Rua
Lwówska:
o
Restaurante
Foerster,
onde
os
irmãos
Rosner,
de
volta
dos
perigos
do
campo
e
das
paixões
mutáveis
dos
camponeses,
tocavam
violino
e
acordeão.
Por
um
breve
espaço
de
tempo,
parecia
que
as
escolas
iriam
funcionar
normalmente,
que
orquestras
se
reuniriam
para
concertos,
que
a
vida
judaica
seria
comunicada
como
uma
organização
benigna
ao
longo
das
ruas,
de
artesão
para
artesão,
de
professor
para
professor,
não
fora
ainda
definitivamente
manifestada
a
ideia
pelos
burocratas
SS
da
Rua
Pomorska
de
que
tal
tipo
de
gueto
não
era
apenas
uma
extravagância
como
um
insulto
às
diretrizes
racionais
da
História.
Assim,
quando
o
Untersturmführer
Brandt
mandou
chamar
o
presidente
[do
Conselho
Judaico,
Judenrat
]
Artur
Rosenzweig
à
Rua
Pomorska
para
uma
surra
com
o
cabo
de
seu
chicote
de
montaria,
estava
tentando
corrigir
a
incurável
visão
do
judeu
de
considerar
o
gueto
como
uma
zona
de
residência
permanente.
O
gueto
era
um
depósito,
um
desvio,
uma
estação
de
ônibus
cercada
de
muralhas.
Em
n1942,
qualquer
suposição
que
encorajasse
outra
perspectiva
já
havia
sido
abolida.”
p.
111
fonte:
“A
Lista
de
Schindler”
(Schindler's
List,
1982)
de
Thomas Keneally (1935- )
trad. Tati Moraes
O
Capítulo
15
(p.
121)
de
“A
Lista
de
Schindler”
narra
com
detalhes
a
sistemática
da
invasão,
espancamentos,
assassinatos
e
deportação
para
os
campos
de
concentração
(de
trabalho
forçado
e
extermínio)
que
caracterizou
o
que
é
denominado
Holocausto
(Shoah).
Assim
é
também
coerente
com
as
datas
dos
outros
livros
citados
(“Treblinka”
e
“O
Pianista”)
que
situam
o
início
do
Holocausto
após
o
fim
do
inverno
de
1942,
ou
seja,
após
a
Conferência
de
Wannsee.
É
como
se
a
Solução
Final
fosse
consequência
de
um
precipitar
da
guerra,
não
algo
planejado
desde
sempre,
desde
o
início
do
conflito
em
1939.
o
que
reforça
a
tese
do
planejamento
posterior
– quando
da
guerra
total
– senso
uma
vingança
de
Adolf
Hitler
contra
a
comunidade
judaica
(pois
o
ditador
nazista
dissera
em
1940
que
“se
eles,
os
judeus,
provocarem
outra
guerra
mundial,
a
consequência
será
a
aniquilação
da
raça
judia
na
Europa”).
Em
1942
foi
que
Hitler
se
decidiu
pela
Solução
Final,
tendo
o
apoio
de
Himmler
e
Heydrich,
como
outras
fontes
mostram.
seleção:
LdeM
mais
sobre
os
Einsatzgruppen
mais
sobre
o
Gueto
de
Cracóvia
filme
“Schindler
List”
/
1993