segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

1942 - A situação militar e industrial dos EUA




1942


A situação militar e industrial dos EUA



fonte: PERKINS, Dexter. A Época de Roosevelt. 1932-1945. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1967. trad. Edilson Alkimim Cunha



Mas, voltando a 1941, para manter a unidade nacional durante a guerra era ao mesmo tempo necessário e conveniente procurar fazer com que os grupos econômicos do país continuassem satisfeitos. O sucesso nesse sentido é um testemunho não só da liderança do Presidente, mas também da capacidade de líderes no Congresso de formular políticas acertadas. Apesar das deficiências no programa da guerra, apesar das concessões a interesses especiais, as linhas gerais de ação no campo nacional conseguiram manter de modo notável o moral da nação.

Grandes setores das classes comerciais, como vimos, desaprovavam o governo de Roosevelt. No início da guerra na Europa havia uma considerável relutância em arriscar capital na indústria bélica e o progresso foi lento até 1941. mas um passo importante tinha sido dado antes de Pearl Harbor; aos comerciantes tinha sido permitido deduzir os gastos de capital sobre um período de cinco anos em vez do período comum de vinte anos. Além disso, foi atenuado um imposto substancial sobre lucros excessivos por uma provisão de que depois da guerra as despesas de reconversão poderiam ser usadas para cobrir o imposto. O empresariado então entrou na guerra sob estímulo positivo do governo para que levasse avante a grande empresa da produção de guerra.

O que fez a indústria americana nessas circunstâncias foi fenomenal. A produção industrial quase dobrou entre 1940 e 1944. nos campos onde existiam grandes deficiências, os resultados foram realmente surpreendentes. Tomemos, por exemplo, a navegação. Obviamente, a guerra requeria uma enorme expansão da marinha mercante americana. As devastações do submarino alemão foram em grande parte enfrentadas pelo gênio industrial de Henry Kaiser. Em 1941 o número de navios mercantes construídos era ainda pequeno. Aumentara cinco vezes mais por volta de 1944. Idêntica expansão teve lugar com relação aos vasos de guerra. Não menos de 746 navios foram produzidos entre 1941 e 1944, além de 24.000 barcaças de desembarque. Ou tomemos os registros na aviação. Os críticos do Presidente chamaram-no de romântico quando em 1940 falou da produção de aviões numa proporção de 50.000 por ano. Mas esse número foi superado antes do fim da guerra. A indústria aeronáutica que produziu 12.000 aviões em 1940 produziu 8 vezes esse número em 1944 !

O que a indústria americana fez pelo desenvolvimento da navegação e da produção de aviões constitui, naturalmente, apenas uma parte da história. As necessidades do exército eram satisfeitas numa escala colossal (como, por exemplo, pela fabricação de milhares de tanques e de quase 2.750.000 metralhadoras) e uma imensa ajuda era dada aos aliados do país. Para a União Soviética foram mandados caminhões, tanques e aviões. Para a Grã-Bretanha, quantidades ainda maiores de material bélico. Pode-se afirmar com segurança que não houve nenhuma produção nem mesmo remotamente aproximada à dos Estados Unidos nos anais de um conflito internacional.

Um dos grandes triunfos do engenho americano foi no campo da borracha. As conquistas japonesas no Oriente tinham cortado a principal fonte de suprimento desse importantíssimo material. Depois de um período inicial de confusão surgiu uma indústria de borracha sintética. Por volta de 1944, essa indústria nascente, ajudada pelo racionamento da borracha para fins não bélicos e pelas reservas de borracha natural, pôde satisfazer às necessidades das forças armadas e manter em pleno funcionamento a grande máquina militar. Uma autêntica emergência nacional tinha sido eficientemente superada.

A história da produção de guerra americana poderia ser quase indefinidamente estendida, mas seu resultado direto convém ser considerado aqui. Tinha sido fácil durante a década de 30 subestimar a capacidade do homem de negócios americano. Era de primeira importância agora, quando a nação se defrontava com um grande problema, que ele se mostrasse à altura dos acontecimentos. E os efeitos sobre seu próprio moral estavam entre os resultados mais significativos da própria guerra. O empresariado, que estivera em maus lençóis nos primeiros anos do New Deal, voltava agora a ser o que era.

Mas a manutenção do moral empresarial não era mais importante do que o manejo da questão do trabalho. O ano de 1941 tinha sido conturbado nesse campo dos negócios da nação. Tinha havido uma grande greve na indústria carvoeira pouco antes de Pearl Harbor e o acordo tinha representado uma concessão substancial às exigências do trabalho. Era evidente que a própria guerra poderia conduzir agora a rompimentos da paz industrial. De outro lado, a deflagração do conflito foi encarada pelos líderes dos operários num espírito patriótico. Os dirigentes tanto da AFL como do CIO fizeram um compromisso de evitar a greve. Duas semanas e meia apenas depois do ataque japonês, reuniu-se em Washington uma conferência de dirigentes de empresas e operários e se declarou a favor de que as disputas industriais deviam se resolvidas pacificamente e pela criação de uma junta de trabalho que resolvesse as controvérsias que os disputantes não pudessem solucionar. Em janeiro de 1942 o Presidente criou por decreto a Junta do Trabalho de Guerra (WLB), com quatro membros representando o trabalho, quatro representando as empresas e quatro representando o público. O presidente era William H. Davis, advogado registrado, cujo engenho, humor e paciência tornavam-no eminentemente apto para o exercício do cargo.” pp. 133-135


O crescente poder do trabalho no período da guerra modificou inegavelmente o equilíbrio de forças na ordem política e social. Mas, considerando-se o problema mais atentamente, verifica-se o importante fato de que durante a guerra houve uma extraordinária paz industrial. A porcentagem de greves declinou, na média, cerca de um terço com relação aos anos imediatamente precedentes. Mais de 400.000 acordos voluntários foram aprovados pela WLB [Work Labor Board] ; mais de 20.000 controvérsias foram resolvidas e só em cerca de um quarto de 1 por cento das disputas foi necessário que o Presidente interviesse. Apreciado empiricamente, o programa adotado deve ser considerado como um grande sucesso na manutenção da produção e na harmonia industrial.

A atuação da indústria e do trabalho americanos na manutenção de altos níveis de produtividade durante a guerra estava à altura da expansão agrícola. Ali, como nos outros dois casos, um chamariz era apresentado ao grupo interessado. Os preços agrícolas poderiam subir até 110 por cento da paridade. Os resultados foram fenomenais. Em 1944 os agricultores americanos estavam cultivando 30.000.000 de acres a mais do que em 1940; houve um aumento formidável na produção de trigo, de gado e de suínos; e os Estados Unidos puderam não só satisfazer suas necessidades internas como também enviar imensas quantidades de produtos alimentícios para os aliados. Um preço tinha de ser pago por essa grande realização: não seria fácil parar os motores e fazer voltar a produção ao normal quando a guerra terminasse. Mais uma vez, entretanto, julgado de um ponto de vista imediato, um grande sucesso foi alcançado na satisfação das necessidades de guerra.” pp. 139



fonte: PERKINS, Dexter. A Época de Roosevelt. 1932-1945. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1967. trad. Edilson Alkimim Cunha




sobre os sindicatos AFL – CIO


mais sobre a War Labor Board (WLB)





seleção: LdeM

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Apelo de T. Mann ao povo alemão : Nazismo é o fim dos direitos humanos



Aqui o escritor Thomas Mann fala ao povo alemão...

Ouvintes alemães!



Janeiro de 1942

Ouvintes alemães!


A notícia soa incrível, mas minha fonte é segura. Em inúmeras famílias judias holandesas, assim me contaram em Amsterdam e outras cidades, reina um luto profundo por filhos que tiveram mortes horríveis. Quatrocentos jovens judeus holandeses foram levados para a Alemanha para servir de objetos de pesquisa com gás venenoso. A virulência dessa arma nobre e tão genuinamente alemã, uma verdadeira arma de Siegfried, foi comprovada com os jovens sub-humanos. Eles estão mortos – morreram pela 'nova ordem' e pela engenhosidade bélica da raça de senhores. Para isso, até que serviram. Eram só judeus.


Repito: a história soa incrível, e por toda parte no mundo muitos vão se recusar a acreditar nela. Ainda hoje há fortes traços daquela incredulidade que causou tantos sofrimentos amargos aos exilados durante todos esses anos: a relutância em acreditar na verdadeira natureza do nacional-socialismo, tomá-la por humanamente possível: a disposição, para não dizer a tendência, de considerar essas histórias como fábulas de horror continua amplamente difundida, para a vantagem dos inimigos. Mas não são apenas histórias: são História. Os nazistas estão conscientemente fazendo história com suas ações, e o teste com gás nos 400 jovens judeus é um ato histórico consciente e demonstrativo, uma expressão instrutiva e exemplar do espírito e do caráter da revolução nacional-socialista, que só se compreende ao perceber a disposição moral para esses atos como uma conquista revolucionária. É nessa disposição recorrente – recorrente ao longo dos milênios – que consiste a revolução nacional-socialista: ela não produziu outra coisa nem vai produzir. Não se deve esquecer que no início dessa guerra, que não começou em 1939, mas em 1933, está a abolição dos direitos humanos.


'Os direitos humanos estão abolidos', informou então o dr. Goebbels no Palácio de Esportes de Berlim, e milhares de pobres-diabos urraram com aplausos lamentáveis e absurdos. Foi uma proclamação histórica, o fundamento essencial de tudo isso que a Alemanha nazista inflige hoje a todos os povos, incluindo o próprio : a constatação de uma conquista revolucionária que significa a abolição de todos os progressos morais feitos pela humanidade ao longo de milhares de anos – não apenas os progressos da Revolução Francesa, mas também os efeitos do cristianismo, efeitos suavizantes, civilizadores, aguçadores da consciência humana. O conteúdo, a nova doutrina e alção, a teoria e a prática da revolução nacional-socialista é a bestialidade – só isso; e seu produto é a Europa de hoje: uma região quase exterminada por fome e epidemias que, se a guerra de Hitler durar mais alguns anos, vai se transformar de repasto para os lobos.


É extremamente difícil imaginar a convivência do povo alemão com os outros povos depois da guerra – um assunto que causa preocupação constante e perplexidade. Sempre houve guerras, e as nações que as empreenderam sempre causaram muitos danos umas às outras. Graças à memória curta das pessoas, isto foi sempre enterrado e rapidamente esquecido. Desta vez, será diferente. O que a Alemanha faz, o que inflige de desgraça, miséria, desespero, decadência, destruição moral e física à humanidade ao praticar a filosofia revolucionária da bestialidade é uma tal medida, é tao revoltante e desesperadamente inesquecível, que não se pode prever como nosso povo poderá no futuro viver como igual entre iguais com os povos irmãos da Terra.


Quanto mais essa guerra durar, mais desesperado, mais enredado esse povo estará na culpa, e ela só dura porque parece a vocês muito tarde para parar; porque vocês sentem que muita coisa aconteceu para que possam voltar atrás; porque o horror toma conta de vocês quando pensam no extermínio, na vingança, na reparação. Vocês pensam que têm de vencer para que a revolução da bestialidade se espalhe por todo o mundo e sob a influência seja possível um acordo sinistro entre vocês e o resto do mundo. Mas isso não pode acontecer. Vocês podem ver como seus olhos que o mundo está decidido a fazer o impossível para evitar o destino de encontrar vocês nas bases da bestialidade, e a força do desespero de vocês não está à altura da vontade de três quartos da humanidade.


Vocês não precisam vencer, por isso vocês não podem. Vocês precisam se purificar. As reparações que vocês fazem tudo para evitar têm de ser obra de vocês mesmos, a obra do povo alemão, da qual seu exército, que logo estará desmoralizado e exausto, é apenas uma parte. Essa obra tem de vir de dentro – pois de fora podem vir apenas a vingança e o castigo, mas nunca a purificação. Sempre contradigo aqueles que recomendam uma educação correcional externa para o povo alemão depois que o hitlerismo cair. Toda transformação, digo a eles, deve ser empreendida pelo próprio povo alemão, é coisa exclusiva dele. Aqueles dentre vocês para quem meu nome ainda significa alguma coisa sabem bem que não sou nenhum revolucionário, nem homem de barricadas, nenhum instigador de atos sangrentos por natureza. Mas também conheço o suficiente das leis morais do mundo e sinto por elas respeito o bastante pata dizer a vocês e anunciar com segurança: uma depuração, uma purificação e uma libertação devem e vão acontecer na Alemanha, tão radicais e tão determinadas que estejam à altura de atos criminosos nunca antes vistos no mundo. Devem e vão acontecer, digo eu, para que o grande povo alemão possa olhar a humanidade outra vez nos olhos e estender a mão para ela, com gestos livres, em sinal de reconciliação.

pp. 71-74


In: MANN, Thomas. Ouvintes Alemães. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. trad. Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick.


seleção by LdeM



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links para videos:

http://www.youtube.com/watch?v=Qb8yUcLKaUM

http://www.youtube.com/watch?v=ngju-5ZQ_dg